Nossos comentários sobre a inveja 2

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Por Joaci Góes
(Para o amigo e companheiro de trabalho Jerônimo Gregório dos Santos)
O sentimento de inferioridade, decorrente de fatores alheios ao controle do indivíduo, é mais facilmente suportável do que a inferioridade resultante de suas falhas ou do mérito de terceiros. As observações dão conta de que o binômio escassez e proximidade constitui o cenário ideal para o nascimento da inveja. Disso resulta que quanto mais pobre e mais confinada a comunidade, mais favorável é o ambiente para o alastramento da inveja, matéria prima para a dominação dos pobres pelos seus algozes, como sabe o populismo dominante no Brasil.

Contrariamente à suposição idílica rousseauniana, segundo a qual o Homem evoluiu de uma sociedade primitiva, pacífica, igualitária e fraterna onde a mãe natureza provia todas as necessidades básicas, para uma sociedade altamente competitiva, consumista e fratricida, a verdade é bem outra. A inveja, ostensivamente presente nas sociedades de todos os tempos, operou sempre como poderoso entrave ao progresso humano, sobretudo nas sociedades primitivas, pouco desenvolvidas ou em desenvolvimento. A evolução dos povos, sem prejuízo da visão do historiador Arnold Toynbee, para quem a História é o estudo da vitória do Homem sobre os desafios que enfrenta, pode ser acompanhada, pari passu, com o processo evolutivo do patamar da inveja predominante em cada momento histórico.

 Elaboremos um pouco mais este ponto.

O psicólogo americano Abraham Maslow (1908-1970), em seu conhecido trabalho sobre a hierarquia das necessidades humanas (Motivation and Personality, 1954), demonstrou que a motivação básica dos indivíduos reside na busca da satisfação de suas necessidades mais prementes. Tais necessidades podem ser hierarquizadas de acordo com sua ordem de precedência. Para Maslow, as necessidades se hierarquizam a partir das fisiológicas, passando pelas de segurança, em seguida vindo as de amor, logo depois as de reconhecimento social e, por último, as de autorrealização:

a) necessidades fisiológicas;

b) necessidades de segurança;

c) necessidades de amor;

d) necessidades de reconhecimento social;

e) necessidades de autorrealização.

 Enquanto não forem satisfeitas as necessidades fisiológicas, tais como: comer, dormir, urinar, defecar, o homem não se sente motivado para atuar com base em estímulos vinculados a um patamar superior de necessidades. Quando sob o império das necessidades fisiológicas, isto é: as contidas em a), o ser humano pouco se motivará pelos estímulos contidos em b), necessidades de segurança, menos ainda pelas motivações características de c), necessidades de amor, pouquíssimo pelo que advier de d), necessidades de reconhecimento social, e virtualmente nada em razão dos estímulos oriundos de e), necessidades de autorrealização. Portanto, quanto mais os estímulos se aproximarem do patamar e), necessidades de autorrealização, menor será a força do apelo que exercerão sobre os indivíduos que lutam para ganhar o pão de cada dia.

Não é difícil imaginar a perda de tempo que resultaria da tentativa de motivar alguém que vive nos limites da sobrevivência – ou seja: na busca de satisfazer as necessidades fisiológicas -, a agir com base na promessa de uma bolsa de estudos no exterior, incentivo adequado para quem já tivesse satisfeitas as necessidades a), b) e c). Para quem vive em estado de fome crônica, o Paraíso é um lugar cheio de comida acessível.

Quando já tiver satisfeitas as necessidades fisiológicas, o indivíduo, naturalmente, buscará satisfazer as necessidades de segurança. E quando estas tiverem sido satisfeitas, é que ele se voltará para satisfazer as necessidades do coração, daí evoluindo para a busca do reconhecimento social, expresso em cada uma das inúmeras modalidades de integração comunitária. Só a partir desse patamar é que o indivíduo buscará satisfazer-se no campo infinito de possibilidades de autorrealização.

É claro que, como exceção, haja indivíduos ainda que preponderantemente sob o domínio de uma categoria de necessidades, seja assaltado, em graus de intensidade variada, pelo desejo, fugaz que seja, de satisfazer necessidades que estejam acima ou abaixo de suas necessidades, predominantes, num dado momento. Nada impede, sendo mesmo normal que ocorra com frequência, que um indivíduo bem situado material e emocionalmente, já tendo vencido as necessidades mencionadas em a), b), c) e d) e que esteja na busca de satisfazer as necessidades e), de autorrealização, seja possuído, episodicamente, por uma ou mais dessas necessidades estruturalmente já satisfeitas. Que o diga Ricardo Coração de Leão que, derrubado de sua montaria, em pleno campo de batalha, ficando à mercê do inimigo, teria bradado: “Troco meu reino por um cavalo!” Enquanto perdurar a recorrência, o indivíduo terá bloqueada sua capacidade de motivar-se para satisfazer uma nova ordem de necessidades.