Por Alberto Freire
A jornalista baiana Ilma Pessoa lançou nas plataforma digitais seu livro de estreia Aguarela, editora Viseu. A obra traz 30 poemas que a autora escreveu ao longo do tempo, sem pressa e sem um objetivo muito definido onde cada verso a levaria. Mas chegou o momento de reuni-los e mostrá-los ao mundo, numa edição muito bem cuidada.

O título Aguarela grafado com “g”, remete à etimologia original que resultou em aquarela, na “inculta e bela” língua portuguesa. E essa “água”, presente no radical do verbete é uma recorrente fonte de inspiração para vários poemas. “Elemento fluido que transporta cores, sabores e alma de uma mulher livre”, como a autora gosta de se definir
No livro, a poeta nos conduz por uma jornada onde amor, música, tempo, mar, erotismo e desejos se entrelaçam em versos curtos, precisos e repletos de emoção. Com uma métrica cuidadosa, cada poema chega como uma onda que surge, cresce e se desfaz lentamente, deixando no leitor a sensação que a leitura chega ao fim depressa demais.
A imagem de ondas no seu processo criativo não é em vão. A escritora é velejadora e a bordo do seu veleiro, desafia as belezas e mistérios dos mares baianos. “O mar é minha essência e navegar, além do prazer, é superação, equilíbrio e obstinação”, revela.
A autora transita com habilidade entre o real e o simbólico, evocando a falta de tempo e o desejo de prolongá-lo, mesmo quando tudo indica que é hora de partir. A escrita é delicada, intensa e explora um certo desnudamento dela diante do outro, desde o êxtase do erotismo até os múltiplos sentimentos que demarcam o início, meio e final dos amores. Em Retrovisor, por exemplo, ela sintetiza a memória do amor findo com versos curtos e certeiros:
“No retrovisor borrado/A prova do amor acabado/Que não vingou sequer o batom/Do beijo há tempo roubado”.
E o poema completo, de imediato nos remete a várias canções de término, como Fim de Caso, de Dolores Duran, um poético e escancarado recado, sempre à disposição para aquela hora de reconhecer e ter coragem de dizer fim.
Em Aguarela, Ilma Pessoa deixa escapar uma quase compulsão em querer falar para um público vasto por meio da sua poesia, apesar dos desafios do cotidiano. Isso pode ser visto no poema Noite de Verão:
“Bendita a noite que só escreverei, escreverei, escreverei…/Livre de dívidas, desejos, despeitos/Tarde para acabar/Cedo pra começar/Bendita a noite que só escreverei, escreverei escreverei…”.
Por se revelar uma mulher do mundo, a escrita poética da autora também navega por lugares diversos, que vai da praia mais recôndita do Recôncavo baiano, aos grandes centros urbanos de metrópoles globalizadas.
Para dar conta disso, a autora confessa o seu modo retrô de registrar os versos em um bloquinho de papel, típico daqueles que os jornalistas usavam nos tempos analógicos. E de cada território visitado, pode vir impressões, descritivas ou não, como registra em Despertar:
“Já acordei em tantos lugares/Todos ermos, todos nus/Nenhum país, nenhum continente/Onde era mesmo? Não lembro/Só sei que não era aqui”.
Sua inspiração não obedece critérios, ou métodos de recolhimento para o ato de escrever. Ao contrário, ocorre a qualquer tempo, em todo e qualquer lugar, no não-lugar, ou até mesmo nas fronteiras fluídas do entre-lugar, um espaço e um conceito tão caros para a obra e o pensamento do pesquisador, ensaísta e crítico literário Silviano Santiago.
Assim, o seu cantinho de trabalho pode estar numa rua, banco de praça, shopping, aeroporto, ou no balançar do seu barco. Uma escrita que se pode chamar de fluida, como a própria água em Aquarela.
A produção poética de Ilma Pessoa que nos chega nesse seu livro de estreia foi escrita ao longo de meio século de vida. Seus poemas podem ser lidos como flashes que refletem segundos, no máximo minutos do seu desnudar feminino em tramas e temas diversos. Afinal, como nos ensinou o mestre Manoel Bandeira, de forma tão radical, “a poesia está em tudo — tanto nos amores quanto nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas”. E Ilma Pessoa sabe bem como explorar essa vastidão temática.
O lançamento presencial do livro Aguarela está em fase de produção e definição do local e data pela autora. Como uma taurina e filha de Oxum, é compreensível que o evento esteja sendo concebido com paciência e determinação, além da reconhecida vaidade estética que caracteriza os filhos e filhas da orixá, mãe das águas doces. Enquanto aguardam, os interessados em adquirir, ler, devorar e se encantar com os poemas de Ilma Pessoa, podem acessar o site https://a.co/d/8ul9ZfL
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Jornalista formado pela Facom (Ufba), Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Ufba) e Doutor em Cultura e Sociedade (Ufba).