Por Elieser Cesar
Aberração fetichista, o bebê reborn é o simulacro da infância inaugural, imitação hiper realista de recém-nascido, fosso entre o existir e o ser – uma pedra existe, mas não se enquadra na categoria de ser. O ser requer pensamento, um mínimo de questionamento, uma elocubração mínima qualquer, um embarque na grande e imprevisível aventura da carne e do espírito.
O reborn é a mais cabal falta de sentido, um alerta de carência extrema, factoide da primeiríssima infância, quando não modismo fútil e passageiro, como todas as coisas que entram repetinamente em cena e somem ainda mais de repente. Esse artefato de silicone e sem pulsação vital supre a necessidade humana de quem não pode ter filhos? Preenche uma lacuna afetiva de quem se esforça para ter um filho, com aquela frustração maternal de quem vê a vizinha engravidar e parir com sadia naturalidade? Compensa a ausência de um animalzinho de estimação, como um cão ou um gato?
O reborn é um filho do Dr. Franksteiin, mistura esdrúxula e teratológica de ausência e exibicionismo. Aliás lembra-me outro bebê. O de Rosemary, do romance do escritor estadunindense Ira Levin, que no cinema resultou no clássico de terror psicológico de Roman Polanski (filme de 1968), com a manipulada personagem de Mia Farrow vítima de uma seita satânica. Para quem não conhece a história: recém-casada, Rosemary espera um filho do marido, um ator medíocre interpretado por John Cassavets, que faz um pacto fuástico em troca do sucesso. A futura mamãe é tratada com mimos por um casal que pactua de uma seita satânica, a aparentemente boa velhinha protagonizada pela pela excelente Ruth Gordon e seu sinistramente atencioso marido, interpretado por Sidney Blackner, um concluio diabólico que inclui até o ginecologista de Rosemary (Charles Grodin). Coitada, cercada de maldades!
(Detalhe o sinistro edifício das filmagens é o Dakota, em Nova Iorque, que carrega uma maldição real: lá morava John Lennon, assassinado na entrada do prédio, doze anos após filme).
Por fim, depois de alguns contratempos da gravidez e da suspeita da inocente Rosemary de que levava algo tenebroso no ventre, o bebê nasce.É o preço do sucesso do ator medíocre. Não, ninguém verá o rosto da pequena criatura.
Sem maniqueíamo, mas com maneirismo: o reborn é o Bebê de Rosemary que deixou da tela.
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Jornalista e escritor.