Por Marcelo Pockye
Principalmente por conta da chegada da condição de idoso, fui abandonando, aos pouquinhos, a prática dos esportes ‘de bola’.
O futebol, porque a imagem aterrorizante de girar o corpo com o joelho preso a qualquer coisa me tirava o sono. Tornozelo também. Com uns 35 anos, eu já não tinha o menor prazer de entrar num campo. Virei um tremendo palpiteiro.
O vôlei, pela natureza de você não conseguir mais ficar quicando com a sua cintura te puxando pra baixo.
Por fim, o tênis, por conta de um problema sério que tive logo no final da pandemia.
Não me chame para tomar uma cerveja e tocar nesse assunto. Me chame para tomar uma cerveja, mas se eu quiser tocar nesse assunto, eu mesmo o puxo, ok?
Dito isso, para dar continuidade a minha eterna condição de não sedentário, tive que adotar um novo estilo de mexeção (sei que a palavra não existe, problema do editor) de esqueleto.
Nunca fui fã do ato de caminhar como exercício, sempre corri na juventude, mas por conta dos atalhos impostos pela vida, virei um andarilho das maravilhosas manhãs de Salvador.
A luz das 05:00 dessa cidade, diga-se, balança nas emoções até o mais insensível dos chatos (duplamente meu caso).
Não vou divulgar o local onde ando porque não quero que uma horda de fãs venha atrapalhar minha muito sossegada caminhada. Esse humilde senhor é muito discreto.
Nos primeiros dias, você enfrenta alguns obstáculos complicados. A princípio, desculpas inconfessáveis procrastinam sua proposta de sair do lugar. Em mim, durante o bater de pés, invariavelmente, aparece uma dor quase insuportável num músculo de nome tibial, um pouco abaixo do joelho. Essa dor te desacelera e, por vezes, te faz parar. Sua sombra arredondada nas paredes e motoristas parados nos sinais te observando podem também atrapalhar. Sugiro, para este caso, a instalação do software cerebral de nome FODA-SE, bastante recomendável a pessoas que atingem a maturidade. Calor, chuva, preguiça…. Muita coisa pode fazer sua cabeça te fustigar a ‘deixa esse troço para amanhã’. Ultrapassei esses e outros.
Consegui estabelecer um percurso que elegi suficiente. Por pura coincidência, esse trajeto por mim percorrido dura aproximadamente 40 minutos, exatamente a duração dos set’s do DJ Pockye (é muita sorte). Recomendo o uso de fones de ouvido, a viagem fica bem mais tranquila.
Muito bem, como bom e gentil perturbador, nessa minha nova empreitada, imponho a obrigação às pessoas que têm o azar de cruzar o meu caminho de me cumprimentar. Porteiros trocando de turno, padeiros, faxineiros, guardadores de carros, vendedores nas barracas, pessoas que estão nas filas das várias clínicas dessa área (aqui englobo os 2 sexos, ok?), enfim, as pessoas que os institutos de pesquisas bancados por banqueiros não ouvem, são levadas a ouvir os meus sonoros ‘bora!’, ‘simbora!’, ‘boa!’, ‘bom dia, pessoal!’, ‘seu time, hein?!’, ‘agora vai!’, ‘agora é a hora!’ e por aí……
Andadores, corredores e bicicleteiros (outra palavra inventada) – dos 2 sexos, viu identitário? – apenas recebem um levantar de mão charmoso da minha parte.
Na sua imensa maioria, essas pessoas retribuem o meu ato de cumprimentar. Alguns mais efusivos, mais carinhosos: ‘Bom dia, meu amigo!’, ‘Bom dia, abençoado!’, ‘Fala, coroa!’
Mas, em toda regra existe uma exceção………
Tem um guardador de carro que, talvez eu nunca saiba a razão, não gosta de mim. Eu vou chegando no meu passo acelerado e ele já vai virando a cara. Quando está de frente para mim, faz aquela expressão de John Wayne ou Clint Eastwood contra o sol num filme de bang bang (minha mãe adorava). O que fazer? Nada?
Bem………sairemos um pouco do tema.
Um dia, precisei sair de carro para resolver algo e me deparei com o personagem acima citado ‘arrumando’, ajeitando com aquele gestual típico, um carro que estava estacionando.
O sujeito estava quase no meio da rua………
Meu carro, de maneira involuntária, mudou a direção e…………sem nenhuma explicação, passou a meio metro do indivíduo e, sem querer…………buzinou fortemente.
A alma do cara saiu e voltou em alguns segundos, o retrovisor me contou.
Voltando e aconselhando. Se você tem o hábito, às vezes forçoso, de dormir e acordar cedo, tome água em jejum – tome vergonha na cara também -, arrume uma vestimenta ‘de esporte’ velha e larga, uma meia podre, um tênis ‘de carnaval’ e alegremente vá perturbar a vida dos outros andando na velocidade ‘começou a chover’ enquanto a rua tem poucos carros e sol não está machucando, poxa!
Faça como o personagem do David Carradine no nostálgico seriado Kung Fu. Tal qual o Gafanhoto, ande pra cacete. Não precisa dar porrada em ninguém, viu? É lógico que ele sempre tinha razão em fazê-lo.
Já susto, sempre fora do compromisso da leve suada, tá liberado.
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Escritor, advogado e DJ