A Verdade no Panteão da Justiça

No momento você está vendo A Verdade no Panteão da Justiça

Por Eliecim Fidelis

Tem sido comum a discussão sobre a questão da verdade: o que é fato, o que é fake. A ideia no presente texto é continuar no tema da verdade, mas abordando por outro ângulo, menos badalado na mídia, e tecendo um fio com a psicanálise.

 O princípio da lógica proposicional de que o V, de verdade, é o oposto do F, de falso, não dá conta do jogo de linguagem onde predomina a retórica e a arte do engano. Foi o que testemunhamos, boquiabertos, no recente julgamento na Corte mais alta da justiça, onde somos levados a presumir a busca da verdade. Mas de qual verdade? Deveria ser uma só, mas se diluiu em jogos metafóricos de argumentações.

No que se refere às ‘reuniões secretas’ em gabinetes oficiais, a acusação as lê como conspiração e prenúncio do golpe. Mas a defesa as vê como encontros cívicos e meros exercícios de imaginação democrática.

A ‘minuta de decreto’ da GLO é vista, para uns, como a arma fumegante, a prova escrita da vocação golpista. Para outros, nada mais que um papel perdido, uma ficção, um rascunho que não deve ser levado a sério.

Sobre a ‘aglomeração pública diante de quartéis’, a acusação vê a senha inequívoca, o claro chamamento do braço armado contra a Constituição. A defesa vê apenas uma coreografia, uma performance da liberdade de expressão.

O Ministério Público vê o ‘financiamento do transporte de manifestantes’ como a logística golpista, fluxo de recursos em prol da subversão da ordem. Os advogados dizem se tratar de solidariedade cristã e espírito comunitário em nome do direito de ir e vir.

A ‘operação punhal verde-amarelo’, que para a acusação demonstra a ponta afiada do golpe, o plano cirúrgico da tomada do poder; para a defesa, é nada além de um nome fantasia, exagero literário, bravata de um grupo patriota entusiasmado.

Por fim, sobre as ‘invasões e depredações de oito de janeiro’, a acusação diz que ali a máscara cai e se concretiza o plano do atentado contra os Três Poderes. Para a defesa, trata-se de um desvio episódico de alguns exaltados e infiltrados, uma confusão carnavalesca que não mancha o fervor cívico da multidão ordeira.

E aqui podemos fazer um link com um dos títulos do seminário O avesso da psicanálise do psicanalista Jacques Lacan: Verdade, irmã de gozo. Esse título é uma referência a Santo Agostinho, em Confissões X, 23, onde o religioso aborda a busca da verdade como forma de alcançar o gozo espiritual. Lacan desloca o sentido da citação agostiniana para mostrar a relação entre a verdade e o gozo na experiência analítica. Mas estamos vendo que não é apenas na prática da psicanálise que se pode testemunhar o uso do saber como meio de gozo, em nome da busca da verdade, diante da impossibilidade de ser toda alcançada.
————————————————————
Psicanalista e escritor, membro do Espaço Moebius Psicanálise.