Por GILFRANCISCO

Crítico exclusivo de poesia, Mário Faustino não teve a ventura de ser escritor publicado, pois na idade promissora dos trinta e dois anos, faleceu prematuramente em 1962, em circunstâncias trágicas, vítima dum desastre aviatório, acima dos Andes quando viajava a serviço da profissão de jornalista. Seus trabalhos poéticos estampados na imprensa e alguns inéditos, foram reunidos por Benedito Nunes, no livro Poesia de Mário Faustino, publicado em 1966. Faustino deu também contribuição de relevo para a divulgação e a discussão da obra de Ezra Pound (1885-1972), de que fez numerosas e excelentes traduções. A morte prematura de Faustino impediu que reunisse em livro esses trabalhos, publicados entre 1956-1959 no suplemento literário do “Jornal do Brasil”, acontecendo somente em 1985, Poesia-Ezra Pound, antologia organizada por Augusto de Campos, com traduções de Augusto e Haroldo de Campos, e mais Décio Pignatari, Mário Faustino, José Lino Grunewald, através da Editora Hucitec.
==========
A rigor, Mário Faustino dispensa apresentação, mas nunca é demais insistir na sua permanente atualidade e no seu alto nível de realização literária. Jornalista, poeta, tradutor, crítico literário e advogado provisionado, foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Escritores do Pará, pertenceu ao Conselho Nacional de Economistas, ocupou o cargo de chefia na superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazonas. Mário Faustino dos Santos, nasceu em Teresina-Piauí, a 22 de outubro de 1930. Em 1948 na capital paraense, participa da criação da revista Encontro (2º Trimestre, nº1, 1948) reunindo jovens intelectuais, como Rui Barato, F. Paulo Mendes, Haroldo Maranhão e outros. O ritmo do movimento renovador é o mesmo que se observa em outros estados nordestinos, acompanhando com interesse o que se passa nestas capitais.
Em 1956, passa a morar no Rio de Janeiro sobrevivendo como professor de várias matérias na Escola de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas. Concomitantemente, passou a assinar a página Poesia-Experiência do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, mantida de 23 de setembro de 1956 até 1º de novembro de 1958. Somente em 1977, parte destes artigos foram compilados pelo crítico Benedito Nunes (1929-2011) e publicados em livro, prefaciado por esse mesmo critico, pela Editora Perspectiva.
Em 1959, Mário Faustino foi incorporado ao quadro de redatores do Jornal do Brasil. Em dezembro do mesmo ano, segue para os Estados Unidos da América para trabalhar na ONU, onde permanece até 1962. Tendo estagiado em vários jornais da América do Norte, Faustino falava fluentemente o inglês, francês, alemão, italiano e espanhol. Realizou importantes trabalhos de interpretação para o Museu de Arte Moderna e continuava ligado a ONU como diretor-adjunto do Centro de informações, em Nova Iorque.
Ainda em 1962, foi editor-geral da Tribuna da Imprensa por curto período. Sua vida, bruscamente interrompida a 27 de novembro daquele mesmo ano, quando o avião em que viajava com destino ao México, em missão jornalística, chocou-se com uma montanha em Las Palmas, subúrbio de Lima-Peru, depois de uma escala.
Suplemento Literário – Matutino fundado no Rio de Janeiro a 9 de abril de 1891, o Jornal do Brasil sofreu a primeira reforma gráfica na gestão de Rui Barbosa, que trocou o “z” de Brasil por um “s”. Seis meses depois da fundação, Joaquim Nabuco assumiu a chefia da redação e escreveu uma série de artigos (As ilusões republicanas e outras ilusões) que provocaram o empastelamento do jornal.
Em 1892, a sua propriedade passou a uma sociedade anônima. A 21 de maio de 1893, Rui Barbosa assumiu a direção de redação, que logo foi forçado a deixar, asilando-se na embaixada do Chile. O jornal passou, então, à propriedade de Fernando Mendes de Almeida, transferindo-se em 1918, para o conde Ernesto Pereira Carneiro, que o conservou até a morte em 1954, quando o controle foi assumido por sua viúva, Maurina Dunshee de Abranches Pereira. Após sua morte em 1983, assumiu a presidência M. F. do Nascimento Brito.
Mesmo o Jornal do Brasil, tradicional periódico especializado em anúncios classificados, não escaparia ao surto da modernidade desenvolvimentista do país. Desta forma, é que, em 1958, sob a responsabilidade do poeta maranhense Odylo Costa Filho (1914-1979), o JB passa por mais uma mudança.
De layout novo, teve em Reinaldo Jardim e no artista plástico Amílcar de Castro os operadores da modificação, que sob as ordens do signo construtivista, direcionavam-se para a criação de novo modelo gráfico-visual.
Lançado a 3 de junho de 1956 o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil – SDJB, a primeira fase foi preparatória e anunciadora da reformulação geral de 1958. A segunda fase, que terminaria na virada de 1959, sentiu o ápice de importância, ao padronizar sua diagramação e pauta em torno das questões da vanguarda concretista, da ensaística e da tradução de inéditos textos críticos acerca da literatura e das artes:
A página-seção Livro de Ensaios – dividida em boxes que representam páginas de livros – surge para prover essa rápida atualização, revelam críticos como Augusto e Haroldo de Campos, José Lino Grunewald, Ferreira Gullar, Oliveira Bastos que manifestam os seus pontos de vista. Ezra Pound, Mallarmé, Sartre, Seguei Eisenstein, Henry James, Beckett, Apollinaire frequentam, semanalmente as edições dominicais.
As mudanças aceleradas do SDJB no espaço jornalístico e da cena cultural brasileira, chegam através da arrojada página Poesia-Experiência, dirigida por Mário Faustino entre 1956 e 1958, que teve atuação importante como poeta e crítico de poesia, é um autor de feição moderna, renovador e aperfeiçoador de forma herdadas da tradição, inventor de formas novas flexíveis.

Eclética como o próprio suplemento, propõe-se promover os novos poetas e operar uma ampla revisão da poesia antiga, mostrando o moderno que existe tanto em Lucrécio quanto em Marllamé. O lema, estampado na página, é “Repetir para aprender, criar para renovar”. Este credo de origem poundiana “make it new” capaz de reatualizar as formas do passado em função das exigências do presente, praticado com rigor por Mário Faustino, reveste-se de um tom grave que é próprio das diversas experiências artísticas da década.
Aprendendo e ensinando foi o principal papel da página Poesia-Experiência, uma peça importante na construção da modernidade. Pois Mário Faustino cumpriu esse papel com eficiência, estampando “exemplos” a cada semana em suas páginas, preenchendo os requisitos de racionalidade e economia para atingir a “eficácia” poética.
Poesia – Poeta circular, que se reescreve retomando os mesmos temas fundamentais, e que também reescreve a poesia, Mário Faustino tem uma obra pontilhada de referências. Não é só um dos maiores poetas contemporâneos brasileiros, mas também um poeta por excelência, modelar, por ser o poeta d experiência do poético, da essência da poesia como participação e amplicidade como um complexo emaranhado de textos e biografias.
Considerado um poeta de síntese e de confluência de linguagem, cultor de versos inventivos, é detentor de um estilo pessoal e inconfundível, que confere unidade, esta variedade de tratamentos formais, fazendo com que cada poema sempre remeta ao conjunto, à totalidade de sua obra. Ou seja, como seu vasto campo de referências ampliando o próprio espaço da linguagem, Mário Faustino, nos remete a um tema que continua atual e presente.
Não há dúvida que o concretismo provocou uma quase radical transformação na maneira como Mário Faustino abordava o poema. E é fácil verificar tal transformação ao se confrontar os trabalhos do seu primeiro livro publicado em 1955, O Homem e sua Hora. Com suas últimas produções, reunindo toda a experiência de um poeta que se sobressai por sua cultura extraordinária e um alto sentido de pesquisa da linguagem, elevando o verso àquela tensão decorrente de um conceito de que a poesia é concentração, é alta voltagem.
Sobre sua influência, Mário Faustino esclarece:
Não, não sou concretista. Minha formação é muito parecida com a dos poetas Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos e José Lino Grunewald, mas certos aspectos e maneira dessa mesma formação, bem como, e sobretudo, certas condições pessoais, nos colocaram e nos colocam em posição bem distintas, por mais que pareçam aproximadas aos menos informados. Os poetas acima são nitidamente inventores, no sentido poundiano, por mais que este ou aquele venha a ser também um mestre. [1]
Portanto, a poesia de Mário Faustino é leitura obrigatória a todo jovem que se disponha a exercer uma vocação para a qual não basta o talento, a inteligência, a experiência.
Livro Póstumo – Foi através do poeta/ensaísta paulista Haroldo de Campos (1929-2003), quando esteve em Salvador a convite da FCJA para realizar em 26 de setembro de 1989 a conferência O afreudisíaco Lacan na Galáxia de Lalíngua (Freud, Lacan a Escritura) [2], que fiquei sabendo da existência dos originais da Evolução da Poesia Brasileira, publicado por Mário Faustino em Poesia-Experiência, Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, entre 31 de agosto a 21 de dezembro de 1958, em dez números consecutivos, que se encontrava em poder do escritor e professor da Universidade Federal do Pará, Benedito José Viana da Costa Nunes (1929-2011).
Em outubro de 1989, na qualidade de pesquisador da Fundação Casa de Jorge Amado e participante do X Encontro Nacional dos Estudantes de Letras – ENEL, que se realizaria em Belém do Pará, recebi incumbência do editor desta instituição cultural, o poeta Claudius Portugal, para convencer o professor Benedito Nunes, a ceder os originais Evolução da Poesia Brasileira, para publicação em forma de livro, a ser incluído na coleção Casa de Palavra da FCJA.
Em 5 de janeiro de 1990, recebo a primeira correspondência de Belém, enviada por Benedito Nunes, acerca dos originais de Mário Faustino:
… está sendo datilografado o trabalho de Mário Faustino – Evolução da Poesia Brasileira – para os cadernos. Quando estiver pronto, um amigo meu lhe enviará. Sigo amanhã para os Estados Unidos: Universidad de Vanderbilt, Nashville, Tennessee – Department of Spanish and Portuguese.
Vinte meses depois, receberia a segunda correspondência, datada de 20 de setembro de 1991:
Eis o escrito de Mário Faustino. Estou à sua disposição para esclarecer qualquer dúvida e, se for o seu interesse, apesar da demora na remessa, mando-lhe cordial abraço.

Graças a minha insistência de baiano, após várias conversas por telefone e cartas, consegui finalmente os originais do poeta/tradutor Mário Faustino, que foram publicados em noite de autógrafo de 23 de agosto de 1993, na sede da Fundação Casa de Jorge Amado, com a presença do próprio Benedito Nunes. Evolução da Poesia Brasileira, reúne treze artigos escritos por Mário Faustino, que de cada vez ocupava uma página inteira, ou seja, o espaço todo do folhetim Poesia-Experiência.
Como bem observou o crítico Benedito Nunes:
A crítica de Mário Faustino, escrevi na apresentação de Evolução da Poesia Brasileira que a Fundação Casa de Jorge Amado acaba de editar, é uma crítica que fez de um legado poético a resguardar, anti-tradicionalista, pela sua inclinação inventiva e descobridora, ai ao encontro do presente, pondo-se a serviço da inovação que abriria essa linguagem para as suas possibilidades futuras Talvez se possa falar nos mesmos termos, como um misto de tradicionalismo e anti-tradicionalismo – o que aqui – da poesia de Mário Faustino, da obra poética desse crítico de poesia. [3]
Obras – Embora falecido aos 32 anos de idade (1962) os apreciadores de sua obra estranham a raridade de menções para com o legado qualitativo deste poeta e crítico aguçado, tanto em relação à nossa literatura, quanto em relação as literaturas inglesa e francesa, das quais foi grande estudioso. Mário Faustino deixou-nos ricos ensinamentos, igualmente no campo jornalístico ao colaborar, desde os dezesseis anos de idade (1946), numa coluna diária no jornal Província do Pará, e na Folha do Norte, onde foi diretor de redação e publicou seus primeiros poemas e traduções da poesia norte-americana, inglesa e francesa.
Ao viajar por longo período pelos Estados Unidos da América, estudioso obsessivo como era, pode colher intensa experiência literária e vivencial que, consequentemente, ajudou-o a elaborar uma poesia densa e elevada, forjando-o crítico audaz e seguro. Mário Faustino continua sendo subestimado, pois raros foram os artigos publicados até hoje a respeito deste poeta. Após sua morte foram publicados cinco livros que ajudam a revelar sua grandeza: O Homem e sua Hora – Editora Civilização Brasileira, 1955; Cinco ensaios sobre Mário Faustino (Texto: Assis Brasil), Série Coletânea, nº 2, Editora GRD, 1964; Poesia de Mário Faustino – Antologia poética (Textos: Paulo Francis e Benedito Nunes), Editora Civilização Brasileira, 1966; Poesia-Experiência, (Texto: Benedito Nunes), Editora, Perspectiva, coleção Debates nº 136, 1977; Poesia Completa-Poesia Traduzida (Texto: Benedito Nunes), Editora Max Limonad, 1985; Os Melhores Poemas de Mário Faustino (Texto: Benedito Nunes), Global, 1985, 2ª ed. 1988; Ezra Pound-Poesia (Tradução: Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, J. L. Grunewald e Mário Faustino), Editora da Universidade de Brasília, 1983; Evolução da Poesia Brasileira (Texto: Benedito Nunes), Fundação Casa de Jorge Amado, 1993; Mário Faustino: uma biografia, Lilia Silvestre Chaves. Editora Secult, 2004; Artesanato de poesia: Fontes e Corrente…Ocidental, Maria Eugênia Boaventura (org.). São Paulo, Companhia das Letras, 2004; Mário Faustino – uma poética da Modernidade, Maria Lúcia Gonçalves Balestriero. São Paulo, Editora UNESP, 2011; De Anchieta aos Concretos, Maria Eugênia Boaventura (org.). São Paulo , Companhia das Letras, 2021.
Artigos/Ensaios – Dentre os trabalhos publicados sobre no poeta Mário Faustino, destacamos: Mário Faustino-Poeta e Crítico, J. L. Grunewald. Rio de Janeiro, Correio da Manhã, 15 de dezembro de 1962; Cinco ensaios sobre poesia, J. L. Grunewald. Suplemento Literário O Estado de São Paulo, 19 de dezembro de 1964; O poeta ne sua vida, Haroldo Maranhão. Suplemento Literário O Estado de São Paulo, 9 de julho de 1966; Introdução ao Fim, Benedito Nunes. Suplemento Literário O Estado de São Paulo, 9 de julho de 1966; A poesia de Mário Faustino, Foed Castro Chamma. Rio de Janeiro, Leitura, Ano XXIV, nº 106/107- maio/junho, 1966; Últimos Livros, Wilson Martins. Suplemento Literário O Estado de São Paulo, 14 de janeiro de 1967; A Nova Literatura-II Poesia, Assis Brasil (A tradição da Imagem). CEA/MEC, 1975; Oficina da Palavra – Ensaio intertextual, Ivo Barbieri (contracapa: Haroldo de Campos). Rio de Janeiro, 1979; Tradição & Modernidade em Mário Faustino, Albeniza de Carvalho e Chaves (tese de Mestrado em teoria literária). Piaui, UFPA 1986; Mário Faustino ou a importância órfica, Haroldo de Campos. Caderno de Teresina, Ano I, nº1, abril, 1987; Uma peça na construção da Modernidade, Antônio Manoel Nunes. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil (Ideias Ensaios), 7 de janeiro, 1990; Mario Faustino, J. L. Grunewald. Folha de São Paulo, 2 de dezembro, 1992; Literatura Piauiense no Vestibular, Alcenor Candeira Filho. Parnaíba-Piaui,1995; Poesia de Mão dupla, Benedito Nunes. Salvador, Exu Documento – Fundação Casa de Jorge Amado, 1997; Mário Faustino, poeta e crítico subestimado, Carlos Frydman. São Paulo, O Escritor, fevereiro, 1998; O poeta Mário Faustino, GILFRANCISCO. Aracaju, Jornal da Cidade, 25/26 de dezembro, 2003; Republicado: Rio de Janeiro, Poiésis nº 123, junho, p. 6/7, de 2006; e www.cronopios (2006).
[1] Mário Faustino, Poesia-Experiência. São Paulo, Editora Perspectiva, coleção Debate, nº 136, p. 279, 1977.
[2] Haroldo de Campos, Salvador, Exu Documento, Fundação Casa de Jorge Amado,
[3] Benedito Nunes, Poesia de Mão Dupla. Salvador, Exu Documento, Fundação Casa de Jorge Amado, 1997.
—————————————————————————————————————————–
Jornalista e escritor, membro dos Grupo Plena/CNPq/UFS e do GPCIR/CNPq/UFS. Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Sergipe gilfrancisco.santos@gmail.com