A secretária de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia, Ângela Guimarães, disse neste sábado (19) que os familiares da Mãe Bernadete foram retirados da comunidade Quilombo Pitanga do Palmares como medida de proteção. A informação foi dada em entrevista à Agência Brasil. De acordo com Ângela, equipes da pasta e policiais estão na comunidade para dar segurança aos moradores.
Mãe Bernadete foi assassinada na quinta-feira (16) em sua casa, localizada no próprio quilombo, que fica no município de Simões Filho, na região metropolitana de Salvador. Segundo testemunhas, dois homens são os responsáveis por matar a idosa de 72 anos.
O sepultamento do corpo da Yalorixá Bernadete Pacífico ocorreu neste sábado. A líder quilombola foi homenageada com samba, caminhada pelas ruas de Simões Filho e com ritual candomblecista.
“Estamos dando todo o acolhimento. Obviamente a comunidade está assustada, porque ninguém esperava uma situação tão brutal e tão torpe. Estamos com a presença da Polícia Militar e retiramos os familiares para eles não ficarem na comunidade. Também estamos identificando as pessoas que necessitem dos programas de proteção a vítimas e de defensores de direitos humanos”, disse Ângela à Agência Brasil após o sepultamento.
A secretaria informou que as investigações estão em curso e que há uma determinação do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, para uma apuração rigorosa por parte das polícias Militar e Civil. O principal objetivo é descobrir os autores e possíveis mandantes do crime. A Polícia Federal também abriu inquérito para investigar o caso.
Segundo Ângela, uma reunião com os órgãos de segurança da Bahia e a secretaria estava agendada para a tarde deste sábado com o objetivo de atualizar as informações sobre o crime.
Mãe Bernadete era coordenadora da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e ex-secretária de Promoção da Igualdade Racial de Simões Filho. Ela foi morta a tiros em sua casa e terreiro religioso, enquanto assistia televisão com dois netos e mais duas crianças. Ela já vinha denunciando há algum tempo a diversas instâncias governamentais que estava sendo ameaçada de morte.
Para o coordenador da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) Denildo Rodrigues, conhecido como Biko, o cenário é preocupante, ainda mais na Bahia, estado que registrou, segundo a entidade, pelo menos 11 mortes de quilombolas nos últimos 10 anos.
“Nós vemos com muita preocupação o que vem acontecendo no nosso território, principalmente a onda de violência que vem acontecendo no estado da Bahia. O estado é o que mais apresenta violência aos povos tradicionais e quilombolas. Mãe Bernadete é reflexo dessa violência, assim como Binho, o filho dela. É uma senhora que perdeu o filho, cobra justiça e é assassinada”, disse à Agência Brasil.
Biko ressaltou ainda que o assassinato de Mãe Bernadete mostra a urgência de se avançar na titulação dos territórios ancestrais e quilombolas e na efetivação dos direitos dessa população.
“Isso mostra que nós temos muito que avançar na política da regularização fundiária. O estado brasileiro ainda tem que trabalhar muito para tirar dos porões da Esplanada [dos Ministérios] uma política de quilombo. É importante que ações concretas sejam feitas, não é só fala. Temos mais de seis mil territórios quilombolas e não chegam a 200 os territórios titulados. Não tem como avançar na regularização dos territórios e garantir, de fato, que essas famílias possam permanecer no território, se não tiver o braço forte do estado e com recursos”, afirmou.
Repercussão
O assassinato de Mãe Bernadete também chamou a atenção de organismos internacionais. A Organização das Nações Unidas (ONU) condenou o assassinato da liderança quilombola. Em um comunicado divulgado neste sábado, o escritório regional para a América do Sul da ONU Direitos Humanos manifestou solidariedade com a família e a comunidade e convocou o Estado Brasileiro a realizar uma investigação “célere, imparcial e transparente” sobre o homicídio.
No texto, a ONU Direitos Humanos ressaltou que Mãe Bernadete também estava empenhada na busca da justiça pela morte do seu filho Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, conhecido como Binho do Quilombo, assassinado a tiros em 2017. A Yalorixá sempre denunciou a violência enfrentada pelas comunidades quilombolas.
“A ONU Direitos Humanos convoca o Estado brasileiro a realizar uma investigação célere, imparcial e transparente, e que sejam respeitados os mecanismos de proteção legal para o amparo das comunidades quilombolas, bem como medidas de proteção e reparação para os familiares e a comunidade de Bernadete Pacífico”, diz o comunicado.
“Diante da constante violência, o organismo reforça o apelo pela proteção a lideranças e pessoas defensoras dos direitos humanos. Nesse sentido, chama o Estado a cumprir seu dever de proteger a vida, a integridade pessoal, os territórios, a liberdade religiosa e os recursos naturais desses povos.”
Regularização fundiária
Em nota publicada neste sábado (19), o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania reconhece que a regularização dos territórios é a medida mais efetiva para combater a violência contra as lideranças quilombolas. De acordo com o órgão, na próxima semana, a Coordenação-Geral do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos estará na Bahia para “cumprir agenda voltada ao fortalecimento do programa de proteção no estado”. Os representantes do governo federal farão visitas às comunidade ameaçadas. Eles também querem reunir informações para a reformulação dessa política pública, que funciona por meio de uma cooperação com os estados.
No âmbito federal, fica a cargo da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (SNDH/MDHC) a articulação entre os diversos órgãos e entidades. O programa, no entanto, é implementado por meio de convênios realizados com governos estaduais que, por sua vez, celebram parcerias com organizações da sociedade civil.
Na Bahia, o programa estadual é executado por meio da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia (SJDH), que conta com uma entidade da sociedade civil como equipe técnica para garantir os atendimentos. Atualmente, no estado, estão sob acompanhamento 119 casos de defensores de direitos humanos como quilombolas, indígenas e trabalhadores rurais. Mãe Bernadete estava no programa desde 2017, quando seu filho, Binho do Quilombo, foi assassinado. Câmeras de segurança foram instaladas na casa da Yalorixá e a Polícia Militar fazia rondas no Quilombo Pitanga do Palmares.
Da Agência Brasil/Foto: – Walisson Braga/Conaq