Por Reynivaldo Brito
O Antônio Francisco Souza Neto ou simplesmente Antoneto é um artista inquieto desses que gosta de aventuras. Já fez uma viagem na juventude daqui até a Bolívia de carona, agora na maturidade velejou até o Cabo Horn que “é o último território ao sul do continente americano. É considerado o Everest dos navegadores”. É tão isolado que a Marinha chilena leva mantimentos e medicamentos para os moradores deste ponto afastado da civilização. Agora está se preparando para mais uma longa e arriscada viagem pelos oceanos até a Antártica. Dizem que as pessoas que gostam de aventuras têm um gene que não deixa ter medo e os impulsiona às aventuras. Portanto ao lado da sua pintura Antoneto tem a paixão especial pelo mar. Aliás desde criança que ele desenvolveu esta dupla relação com a pintura e o mar. É uma relação tão forte com o mar que em determinados períodos de sua vida dedicou-se mais às atividades de velejador do que a própria arte. Mas, ele afirma categórico que nunca vai abandonar
a sua arte e que sempre está produzido, e até me apresentou algumas aquarelas que fez durante a pandemia. Acrescentou que há vários anos não fazia aquarelas e produziu muitas neste período. Tem pintado ultimamente com certa regularidade, mas o Antoneto com seu temperamento calmo tem estado mais reservado, mais restrito inclusive nos poucos eventos de arte que ainda são realizados em Salvador sua presença não tem sido observada. Desde que acompanho a sua trajetória lembro de suas idas à redação do jornal A Tarde anunciar suas exposições e sempre fazia um registro nesta coluna. Ele iniciou fazendo casarios, depois fez uma viagem ao Piauí e ficou encantado com a simplicidade daquele povo, foi quando iniciou uma fase de retratar os nordestinos, que teve uma aceitação de público e crítica, e atualmente está pintando um figurativo com uma pegada de surrealismo focado nas atividades circenses.
Casamento Nordestino, obra d o artista Antoneto,
integrante do meu acervo.
Lembrou que tinha casado recentemente e resolveram viajar com muito pouco dinheiro confiando nas caronas que poderiam tomar. Naquela época surgiu um movimento mundial de andarilhos pedindo carona por toda parte. Foi assim que ele e a Emília pegaram inicialmente um ônibus e foram para o Paraguai. De lá viajaram para o Norte da Argentina e depois para a Bolívia onde subiram em locais com quatro mil metros de altitude. A Emília começou a se sentir mal e tiveram que voltar. No retorno foram passar uma temporada na casa dos pais da Emília. Porém como os pais do Antoneto possuíam um apartamento no bairro de Armação, em Salvador decidiram morar neste imóvel que seus pais só frequentavam no verão. Certo dia seu amigo Calasans Neto disse “rapaz você não pode ficar morando aí sem um carro. Vou lhe apresentar o Juscelino que é gerente da agência do Banco Econômico, na Barra, e ele vai conseguir um empréstimo para você comprar um carro.” Foi assim que adquiriu um fusquinha usado e as coisas foram melhorando. Nesta época estava sendo construído o Hotel Praiamar, também o Porto da Barra e o Juscelino lhe apresentou aos empreendedores espanhóis que resolveram comprar de uma só vez cem quadros para colocar no novo hotel. Antoneto trabalhou muito e conseguiu entregar as obras dentro do prazo acertado e recebeu como pagamento 5 mil dólares. Com este dinheiro e umas economias que tinha feito porque já estava vendendo bem aqui e até em outros estados resolveu ir para os Estados Unidos, isto nos anos 80. Foi
Ao lado uma aquarela que fez durante a pandemia intitulada Flores, de 1922.
exatamente para a Filadelfia para estudar escultura, desenho e pintura durante seis meses na Pennsylvania Academy of Fine Arts. Lá teve contato com importantes mestres, estudou escultura com modelo vivo e abriu mais seus horizontes artísticos. Terminado os estudos na Pensilvania decidiu dar um giro por alguns países da Europa sempre com interesse em visitar museus, galerias e ter contatos com a arte produzida no continente europeu. Outra atividade desenvolvida muito tempo por Antoneto foi de empreendedor tocando a Gioconda que é uma galeria e molduraria que funciona há muitos anos no bairro do Chame-Chame, em Salvador. Hoje é sua filha Eva quem administra a Gioconda, ela também é dona da Pena Cal Galeria de Arte, que fica no bairro Caminho das Árvores, em Salvador.
TRAJETÓRIA
Vemos nesta foto de 1978 Chico Diabo e Edison
da Luz ( falecidos), J. Cunha, Antoneto e Roberto
Goes, da Galeria RAG, também falecido.
O Antônio Francisco Souza Neto nasceu em 30 de setembro de 1948 na cidade de Saúde, que fica na Chapada Diamantina, na Bahia, e dista 353 Km de sua capital, Salvador. O município tem três rios o Itapicuru-Açu, das Pedras e o Paiaiá. Foi aí que iniciou a sua relção com as águas. Seu pai Waldemar Sousa e sua mãe Zita Rodrigues Sousa tiveram cinco filhos e ele exercia o cargo de agente ferroviário no município. É bom lembrar que o Brasil já teve uma grande rede ferroviária e que em vários municípios brasileiros e baianos o trem era muito utilizado para o transporte de cargas e pessoas. Lembro que era bem jovem e tomei na cidade de Alagoinhas o trem que foi batizado com o nome da miss Marta Rocha, por ser luxuoso, e nesta viagem encontrei o Oliveira Britto, que foi ministro da Justiça e da Educação no governo João Goulart e era um dos mais influentes políticos do Nordeste viajando para Salvador num dos vagões.
O Antoneto permaneceu na Saúde até os onze anos de idade, tempo suficiente para atravessar muitas vezes nadando o rio Paiaiá. Ali brincou muito com seus amigos de infância, pescou, andou de canoas, enfim era uma vida de ribeirinho. Trouxe este gosto pelas águas para sua vida e hoje é um velejador que ama o mar. Depois período seus pais vieram morar em Salvador, exatamente no bairro do Barbalho e ele foi estudar no Instituto Central de Educação Isaías Alves- ICEIA que era um belo complexo escolar criado em 1836 que vem aos poucos sendo deixado de lado por administrações catastróficas de governos estaduais. Fez o restante do primário no ICEIA e parte do ginásio. Conta Antoneto que descia com frequência a Ladeira de Água Brusca e ia para o então porto de São Joaquim aonde os barcos chegavam do Recôncavo baiano com mercadorias para abastecer a antiga Feira de Água de Meninos que desapareceu depois de um grande incêndio em 1963/64, e hoje funciona no local a Feira de São Joaquim. Ao lado tem um pedaço de praia que faz fronteira com o prédio da antiga sede da Petrobras, e lá muita gente costumava tomar banho de mar e as águas eram límpidas. Também costumava solitariamente se arrumar e pegar um ônibus dizendo a sua mãe que iria assistir à missa na igreja do Bonfim e olhar seus azulejos, e na realidade seguia depois para a Ribeira onde ficava apreciando o movimento dos barcos e apreciando e o mar. Os azulejos ele costumava tentar copiá-los e pintar era a arte puxando o Antoneto que sempre dividia o seu tempo entre a escola, o mar e a arte. Atualmente o tempo é ocupado pelo mar e a arte.
Ao terminar o ginásio foi estudar no Colégio Central, na Avenida Joana Angélica, em Salvador, e lá conheceu um colega que já trabalhava e era um exímio desenhista industrial, técnico, que lhe passou informações sobre perspectiva e outros elementos básicos para desenhar com alguma técnica. Ele não lembra o nome do colega quando estudavam no turno noturno do Central. Sua primeira esposa e mãe de sua filha Eva foi estudar na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia e tinha um nível de informações que também o ajudou enquanto conviveram casados durante sete anos. Comprou um apartamento de dois quartos no bairro do Costa Azul, em Salvador ao também artista, o saudoso J. Arthur. Onde foi morar com sua então esposa Emília, hoje conhecida como uma exímia restauradora. Na época pintava muito e foi expor na Portal Galeria de Arte, que ficava na Rua Augusta, na capital paulista, juntamente com seus colegas baianos Tati Moreno e César Romero.
MUITAS AVENTURAS
Foto 1- Antoneto e a tripulação comemorando a
chegada ao Cabo Horn. Foto 2- O veleiro
Endurance. Foto 3- O cabo Horn com tempo
chuvoso. Foto 4 – Antoneto no timão, ao lado
Fábio Pena Cal e Lauro Malheiros.
No ano de 1969 era a época dos hippies, do cabelo grande, calças de bocas largas, e ele Álvaro Simas (hoje arquiteto aposentado) e Marcos, um boliviano que estudava arquitetura na Bolívia e que veio passar uma temporada aqui decidiram sair daqui de carona até a Bolívia, com muito pouco dinheiro nos bolsos. Foram para São Paulo com o objetivo de procurar o consulado boliviano para pegar os passaportes. Acontece que houve um problema e os documentos foram extraviados pela Varig, que era a grande companhia aérea brasileira, e em compensação a empresa doou três passagens áreas até Porto Velho, capital de Rondônia. De lá atravessaram a fronteira pelo mato e tomaram o chamado Trem da Morte, onde viajaram até no teto do trem. “O famoso Trem da Morte é o trem que liga Quijarro a Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Construída na década de 1950 este trecho da ferrovia tem mais de 600 km de extensão. O trem leva cargas e passageiros e é operado por uma empresa norte-americana. Há quem diga que o apelido Trem da Morte já nasceu com a própria ferrovia onde milhares de trabalhadores teriam morrido durante a construção por causa da malária.”
Lembra que no percurso teve uma blitz do exército boliviano e entre os passageiros do Trem da Morte tinha um alemão que resolveu dar a testa com os soldados bolivianos e recebeu em troca uns tapões e aí ficou quieto. Nesta época havia muitos grupos guerrilheiros em toda a América Latina. Seguiram até a cidade de Cochabamba e depois para La Paz. Enfrentaram muitas dificuldades para pegar carona, mas chegaram até Cuzco. A intenção era chegar a Machu Picchu onde ia ter um grande festival que atraiu gente de todo o mundo. Mas, o festival terminou sendo proibido pelas autoridades bolivianas com receio de danificar o patrimônio histórico.
Quando retornou foi trabalhar. Não concluiu o colegial no Colégio Central e foi trabalhar numa empresa de artefatos de borracha que até hoje funciona no bairro da Calçada chamada de Judabe S/a Indústria Comércio de Artefatos de Borracha, localizada na Avenida Fernandes da Cunha, na Cidade Baixa, em Salvador. Saia de casa às 6 horas da manhã e voltava depois das 18 horas. Ficou por lá uma temporada, mas achou que não era a sua praia e voltou a estudar e continuou desenhando. Neste período aconteceu que seu pai que era maçom e tinha muitos amigos levou alguns deles a sua casa para mostrar os desenhos e pinturas que tinha feito sem ele saber de nada. Talvez estivesse preocupado em avaliar se o filho tinha algum futuro na profissão de artista. Lembra ter ficado um pouco chateado, mas depois compreendeu a preocupação do pai. Nunca soube o que os amigos maçons de seu pai disseram, só sabe que continuou pintando e está até hoje. Depois começou a se entrosar com o pessoal da Escola de Belas Artes e participou dos grupos que se formavam para decorar o carnaval de Salvador.
Relembrou que frequentava muito o Bar Santa Cruz, que ficava na Avenida Joana Angélica, de Gildo Alfinete, que era um mestre da capoeira e o bar reunia muitos intelectuais baianos. Foi aí que o Gildo lhe apresentou a um músico que tocava com o Wilson Simonal e na época o cantor estava fazendo muito sucesso e veio tocar no Teatro Castro Alves. Eles ficaram hospedados no Hotel da Bahia. O músico comprou um quadro dele e aconteceu que o Simonal gostou e resolveu visitar o seu ateliê que ficava na Lapinha. Ele chegou com seus acompanhantes olhou, olhou e não comprou nada. “Hoje pensando com mais calma acho que ele esperava que o presenteasse com uma obra, mas naquele momento não me veio esta ideia de doar um quadro ao Simonal. Ele me deu um cartão e disse quando fosse ao Rio de Janeiro que o procurasse. Fui depois para o Rio de Janeiro expor na Galeria Velha Bahia e conheci o jornalista Claudio Kusch que me apresentou a vários colegas seus. Parti para visitar as redações dos jornais que fizeram matérias sobre a exposição que iria fazer, inclusive estive no escritório de Simonal. No dia da abertura da exposição ele não compareceu, porque tinha um show. Na época o cantor fazia muito sucesso e tinha uma agenda muito cheia, mas mandou um representante que adquiriu um dos quadros expostos. Em seguida fiz uma segunda exposição no Restaurante Cesari, que era muito famoso. Poderia ter ficado por lá, mas decidi voltar”, disse Antoneto. Logo depois de voltar a Salvador foi fazer um curso livre de Desenho com o professor Riolan Coutinho, na Escola de Belas Artes, da UFBA, isto foi por volta de 1973. Já vivia exclusivamente de arte.
MAIOR DESAFIO
Ao lado vemos o Antoneto e seu painel de 3,5m x 2,5m que ficava no Salvador Praia Hotel, o qual foi demolido, e no lugar foram construidas três torres de apartamentos, no bairro de Ondina, em Salvador.
O artista-velejador Antoneto além de velejar até o Cabo Horn já fez muitas outras viagens singrando as águas do Atlântico. Foi por quatro vezes de Salvador à Fernando Noronha, seis vezes para Abrolhos, para Parati e Angra dos Reis no Estado do Rio de Janeiro e a perder de vista pelas ilhas que integram a Baía de todos os Santos com seu veleiro Blows de 37 pés. Porém agora aos 75 anos de idade sua aventura maior está sendo planejada com muito cuidado. O amigo Fábio Pena Cal está construindo um barco de 45 pés todo de alumínio e dotado dos equipamentos mais modernos, adaptado para navegação polar , escolhendo uma tripulação experiente e de nível para sua viagem de Salvador até a Antártida. A tripulação será constituída de quatro a cinco pessoas. E o veleiro está sendo projetado e construído num estaleiro na Baia de Aratu com projeto de Roberto Mesquita de Barros, conhecido por Cabinho, que é um projetista renomado, inclusive já fez veleiro para Amir Klink que já foi à Antártida algumas vezes, inclusive sozinho. O barco vai custar cerca de 3,5 milhões de reais.