Por Reynivaldo Brito
Irene Omuro em seu ateliê onde vemos peças nas prateleiras de sua autoria.
Estive no ateliê da arquiteta e ceramista Irene Omuro num condomínio em Lauro de Freitas, localizado nos arredores de Salvador, e pude constatar que as peças que faz refletem a tranquilidade desta artista filha de imigrantes japoneses que há anos se dedica à sua profissão de arquiteta, e também à arte da cerâmica. Quando você tem a oportunidade de conversar com ela nota que transmite tranquilidade e suavidade até mesmo neste momento difícil que está vivendo devido as mortes recentes de alguns de seus entes queridos. O encontro com a ceramista foi intermediado pelo decano das artes visuais baianas o Antônio Lobo que a conhecia e foi seu aluno nas aulas de cerâmica que Irene costuma ministrar. Juntos fomos ao encontro de Irene Omuro que chegou em Salvador em 2002 quando seu esposo Luiz Toshio Omuro foi transferido para trabalhar na fábrica da Ford, em Camaçari, a qual depois foi fechada. Chegando eles foram logo criando um ciclo de amizades e a Irene uma relação profissional com alguns artistas baianos especialmente com Calasans Neto e Sante Scaldaferri e suas esposas Auta Rosa e Marina, respectivamente. Acontece que faleceram seu esposo , sua mãe e uma irmã e anteriormente seus amigos o José Júlio Calasans Neto (1932-2006) e Sante Scaldaferri (1928-2016) e também a esposa de Calasans Neto a Auta Rosa em 2018. Portanto, foram perdas sucessivas de parentes (esposo, mãe e irmã) e amigos queridos que contribuíram para que a Irene Omuro desse uma desacelerada na sua produção de ceramista. Mas, vamos falar aqui de coisas boas e da beleza de suas obras e que ela ainda tem muito a contribuir com sua experiência ministrando suas aulas e produzindo porque criatividade não lhes falta.
Irene Omuro não sofreu influência de familiares para escolher a arte da cerâmica porque seu avô e pai trabalharam na lavoura do algodão e depois no comércio. e seus três irmãos seguiram profissões completamente diferentes da sua. Irene Omuro foi fazer arquitetura na Faculdade Mackenzie, em São Paulo, onde formou-se em 1978. Exerceu a profissão por muitos anos e quando nasceu seu segundo filho teve que deixar o emprego para cuidar da criança que nasceu com um problema cardíaco e não podia ser logo operado. À medida que o menino crescia foi trabalhar num pequeno estúdio de design e passou a frequentar aulas de cerâmica com Lúcia Ramenzoni, Terese Mueller, Lica Cox, Maria Helena Ribeiro, Jacy Takai e Hideko Honma. Foi ao Japão em 2000 e esteve com artistas locais e na tradicional Faculdade de Cerâmica de Arita para conhecer de perto a metodologia e os processos criativos dos japoneses. Depois passou a ministrar aulas nos ateliers de Hideko Honma e na Usina das Artes, em São Paulo. A cerâmica já estava assim incorporada à sua vida profissional e daí em diante passou a se expressar e até hoje está envolvida com esta arte milenar que nos surpreende a cada peça que sai de um forno após a queima.
TRAJETÓRIA
Na juventude gostava de pintar a óleo, mas a arquitetura o envolvia e o ocupava de tal forma que foi deixando de lado a pintura. Enquanto a conversa prosseguia ela se dirigiu ao Antônio Lobo e perguntou: “Lobo conhecia este meu lado de pintora?” Lobo respondeu que não e então ela foi explicar que pintou a óleo sobre tela alguns anos, mas que teve depois de abandonar a pintura devido a seu envolvimento com o estudo e o trabalho na arquitetura. Uma curiosidade que observei é que no quadro que apontou na parede todas as casas não tem portas e janelas. Estão hermeticamente fechadas. Seria aí algum traço psicológico de repressão, de formação numa cultura milenar mais fechada? Talvez sim, talvez não. Só que para os mais curiosos este detalhe chama a atenção porque normalmente as casas retratadas nas obras de arte quase sempre têm portas e janelas.
Já vimos que sua arte não sofreu a influência de familiares. “Eu surgi do nada como artista meu avô e meu pai Yokichi Kimura trabalharam na lavoura de algodão.” Ela contou que os imigrantes vieram para o Brasil com a promessa de ganharem um pedaço de terra. Ocorreu que isto não foi cumprido e assim seu avô e seu pai com catorze anos de idade foram trabalhar na cultura do algodão. Sabemos que a planta do algodão tem uma estrutura espinhosa e isto machucava as mãos dos imigrantes com muita frequência e chegava a sangrar. Dois anos depois seu pai conseguiu arrendar um pedaço de terra e plantou seu próprio algodão, mas a inexperiência de lidar com esta cultura não lhes rendeu bons frutos. Foi então que decidiu mudar de cidade e se dedicar ao ofício de sapateiro. Passou um ano inteiro trabalhando sem remuneração até que aprendeu foi trabalhar nesta profissão. Ia melhorando de vida quando conheceu sua mãe Yoshie Takayanagi Kimura. Finalmente, montou uma sapataria e passou o resto da vida trabalhando no comércio de sapatos.
SUA ARTE
Disse Irene Omuro que ao trabalhar com o barro ela ficou muito impressionada com o resultado e as possibilidades porque podia se expressar no tridimensional. Aí surgiu um encantamento que nunca mais se desprendeu e passou a criar suas peças as quais passaram a ser mostradas em várias exposições coletivas em São Paulo. No ano de 2003 ministra aulas no atelier de Zilma Motta um curso de placas na modelagem em cerâmica e posteriormente ministra aulas de modelagem e torno elétrico em seu próprio atelier. A primeira exposição individual foi realizada em 2004 na Escola de Dança de Fátima Suarez, em Salvador. Irene Omuro lembra que foram momentos muito especiais porque o coreógrafo criou um ambiente com umas prateleiras compridas e os dançarinos dançavam ao redor das peças enquanto um músico tocava uma flauta de bambu japonesa. “Ficou muito bonita e todos que tiveram a oportunidade de visitar gostaram muito das peças que apresentei, disse.”
Da amizade que estabeleceu com o Calasans Neto ela fez algumas exposições utilizando as matrizes em madeira dele e transferindo para o barro. Para isto ele fez várias matrizes em pequenos formatos e assim Irene Omuro utilizava essas matrizes para transferir diretamente as imagens criadas por Calasans Neto para sua cerâmicas. Quando as monotipias só permitem uma única cópia, portanto é exclusiva, original. Calasans usava uma técnica que consistia em fazer suas pinturas com tinta tipográfica em placas de alumínio e depois levava para a prensa. Levava estas placas pintadas para a prensa e a imagem era transferida para um papel de alta resistência, e assim obtinha efeitos inesperados. Dizem que o Calá se divertia com os efeitos que surgiam deste processo de impressão. Todos sabemos que Calasans Neto era principalmente o mestre das xilogravuras na Bahia, embora também pintasse em acrílica sobre tela e as próprias matrizes.
Já Irene Omuro nesta sua parceria com o artista baiano usava a técnica de Raku para a queima das cerâmicas. Ela faz a transferência das imagens das matrizes em madeira na argila ainda úmida. Depois de totalmente seca, é feita a primeira queima que pode chegar a 1000°.Posteriormente são esmaltadas e levadas para segunda queima. Nessa fornada de Raku, a peça ainda incandescente é retirada e depositada na serragem onde se incendeia e é abafada. O choque térmico decorrente produz efeitos surpreendentes. Após o resfriamento está pronta a obra.
Na mostra Vivências que apresentou em 2002 no Superclube Breezes,
em Sauipe, em Mata de São João, interior da Bahia, as matrizes feitascom Calasans Neto em pequenos formatos foram prensadas na argila pela ceramista funcionando assim como suporte, substituindo o papel que normalmente era utilizado para a transferência das imagens das matrizes feitas pelo artista . Portanto, a Omuro escolhia a disposição das imagens, os cortes, e a forma de cozimento, a estruturação do campo plástico. Também Irene Omuro fez monotipias inspiradas na natureza retratando plantas, flores e borboletas. Era uma parceria queno final além de mostrar a criatividade do mestre Calasans Neto sobressaiu também a habilidade e a sensibilidade da ceramista em criar suas obras.
Na exposição Vivências que apresentou em 2002 no Superclube Breezes, em Sauipe, em Mata de São João, interior da Bahia, as matrizes feitas com Calasans Neto em pequenos formatos depois foram prensadas na argila pela ceramista funcionando assim como suporte, substituindo o papel que normalmente era utilizado para a transferência das imagens das matrizes feitas pelo artista Calasans Neto. Portanto, a Omuro escolhia a disposição das imagens, os cortes, e a forma de cozimento, a estruturação do campo plástico. Na segunda queima utilizou o tradicional método japonês do Raku, o qual possibilita resultados inesperados devido ao choque térmico. Também a Irene Omuro fez monotipias inspiradas na natureza retratando plantas, flores e borboletas. Era uma parceria que no final além de mostrar a criatividade do mestre Calasans Neto sobressaiu também a habilidade e a sensibilidade da ceramista em criar suas obras.
Foto 1- Irene Omuro abraça o saudoso Calasans Neto. Foto 2 -Irene e Antônio Lobo prosando, e abaixo detalhe de duas obras em acrilíca sobre tela de autoria de Calasans Neto.
Disse Irene que devido a sua idade e mesmo por este processo de queima ser muito pesado e trabalhoso precisaria de uma pessoa para ajudá-la. “Aqui as coisas são mais difíceis, e até meus filhos ficam reclamando que este processo de cerâmica exige muito esforço”. Mas, com sua resiliência e força de vontade Irene Omuro pretende continuar criando suas cerâmicas que têm um design e um toque completamente diferenciado em relação a peças que vemos por aí. Num projeto elaborado por Tanira Fontoura visando a captação recursos para uma exposição, que não chegou a se concretizar, ela escreveu “Acreditando na arte como instrumento de intervenção cultural e observando o seu amplo poder transformador, a artista Irene Omuro pretende desenvolver uma metodologia nessa exposição em interface com o conjunto de caracteres próprios das tradições orientais presente no Raku associada a contemporaneidade dos aspectos culturais locais, buscando meios de conhecimento, aproximação com o material criativo, assimilando e traduzindo influências plurais, dotando as mais inesperadas manifestações com as mais variadas visões”. Reproduzo este pequeno texto da Tanira porque ela foi muito feliz ao explicitar o trabalho da artista que além de sua habilidade e criatividade conseguiu em pouco tempo se aproximar e conquistar amizades com as pessoas da sociedade baiana, além de assimilar os traços culturais da nossa Bahia. Foi assim que ocorreu desde que chegou em 2002 e em pouco tempo já tinha bons relacionamentos com vizinhos e com artistas como Calasans Neto, Sante Scaldaferri dentre outros. Logo depois de se estabelecer se integrou ao circuito cultural das artes na Bahia e passou a produzir peças, inclusive algumas inspiradas em elementos de nosso Estado e na obra de Jorge Amado. Isto revela a sua capacidade de observação e de captar a essência cultural do local onde está vivendo e podemos observar em muitas de suas peças que expôs em vários locais em Salvador.
EXPOSIÇÕES
Em 2001 participou da exposição coletiva chamada de Mostra Wa no restaurante Gendai Beach, em Boissucanga, interior de São Paulo, promovida pelo atelier de Hideko Honma. No mesmo ano da exposição de bules de ceramistas brasileiros no Tee Gschwendner, Loja de Chá, no shopping Iguatemi, em São Paulo. Ainda em 2001 da exposição Mão Cheia , no primeiro mercado de artesãos diferenciados ni atelier de Hideko Honma; em 2002 da Mostra de Arte Cerâmica e Cidadania, uma coletiva de ceramistas brasileiros realizada na Assembleia Legislativa, de São Paulo; 2003 – Exposição Individual no Projeto Torno do Centro de Dança Mantra de Fátima Suarez, onde cerâmica, dança e música aconteceram simultaneamente, Salvador, Bahia; 2007- Exposição individual Vivência, no Hotel Super Clube Breezes, em Costa do Sauipe, curadoria de Pena Cal Galeria de Arte, Bahia; 2007- Exposição Individual Vivências II comemorativa dos 10 anos do Teatro Jorge Amado e do Espaço Calasans Neto, Salvador, Bahia; 2007 – Exposição Coletiva Circuito das Artes no Museu de Arte da Bahia, com curadoria de Rita câmara; 2008- Exposição Individual Cerâmica e Monotipia Irene Omuro, no Hotel Pestana, no bairro do Rio Vermelho, Salvador, Bahia; 2008- Exposição Confraria da Terra, Mercado de Arte em atelier próprio com a participação dos artistas Antonello L’abatte, Antônio Lobo e Consuelo Picazo, com curadoria da Irene Omuro; 2009- Exposição Cerâmica da Bahia, na Galeria Cañizares, da Escola de Belas Artes, da UFBA. Nesta exposição coletiva ela fez um workshop da queima de Raku ao vivo; 2012 – Exposição Coletiva de Cerâmica pró Hospital Aristides Maltez, na Paradoxus, do Shopping Barra, com curadoria de Zilma Cardoso Motta, Salvador, Bahia; A Exposição Maritimidade foi aberta no último dia 25 de janeiro de 2023 no Museu Costa Pinto, no Corredor da Vitória, em Salvador, e ficará aberta durante dois meses. É uma boa oportunidade de conhecer as jóias de Ana Gradin e as cerâmicas de Irene Omuro.
CERÂMICA COMO ARTE
Numa entrevista que deu para uma publicação do Instituto Mauá quando de uma exposição coletiva de ceramistas baianos que foi realizada na Galeria Cañizares, da Ufba, no bairro do Canela, em Salvador, Irene Omuro declarou que “considera toda cerâmica uma expressão artística, desde o artesanato mais popular e utilitário quanto o mais sofisticado. Acha que são maneiras de representação inerentes a cada situação. Todas as vertentes têm seu valor, de acordo com o olhar, com a necessidade e com a cultura da região. A Bahia tem uma cerâmica muito expressiva, que é a popular de Maragogipe, Coqueiros, etc. e isto não impede que possa haver até um momento de conjunção dessas vertentes, como eu mesma, que vim de São Paulo, com um trabalho diferenciado, em alta temperatura, que não é comum aqui. Acho que pode até haver um momento de trocar essas experiências com o pessoal do artesanato popular. Eu acho que existe abertura para tudo”.