Por Joaci Góes
[Ao eminente e querido amigo Senador Espiridião Amin]
É universal a percepção de que a sociedade confere aos membros do Poder Judiciário poderes quase divinais, de tal modo podem afetar o destino das pessoas e das instituições. É compreensível, portanto, que deles se exijam atributos compatíveis com tamanha discricionariedade, dentre os quais uma postura equidistante dos interesses e paixões em conflito é o mais reclamado. Daí, o constante escrutínio de tudo o que fazem e dizem, quase nada escapando da mais rigorosa vigilância coletiva, fato gerador de gracejos, motes, epítetos e piadas sobre eles, no espaço e no tempo. A mais recorrente, bem humorada e de curso universal é que os magistrados se dividem em duas categorias: os da primeira, humildemente, suspeitam que são deuses; os da segunda têm certeza absoluta.
No Brasil, País que, como nenhum outro, é dotado de características do primeiro, segundo e terceiro mundos, como tão bem ilustrado pela imagem intensamente achatada de sua pirâmide social, o Judiciário, não obstante a clássica divisão dos poderes, vem assumindo uma função, de fato, superior aos demais, pelo seu caráter de permanência e marcante corporativismo, só diminuído em momentos de governo autoritário, a exemplo do militar, de 1964, ou totalitário, como foi a ditadura de Vargas, de 1937. Ao longo da história, não obstante, o Judiciário tem sido o poder mais admirado pela sociedade brasileira.
Curiosamente, a partir da Constituição de 1988, quando ganhou uma visibilidade sem precedentes, em parte, pela expansão dos meios de comunicação, em parte, pela abertura na discussão de temas antes proibidos, na área de diferentes liberdades e valores, o Poder Judiciário passou a ser alvo de críticas em muitas de suas dimensões, inclusive nos critérios de escolha dos seus integrantes, sobretudo dos tribunais superiores, com ênfase no STF, Suprema Côrte ou Excelso Pretório, o maior dos poderes, até pela função constitucional de julgar os atos do Executivo e do Legislativo.
Nos últimos anos, o STF passou a exercer um ativismo tão crescente, contrário à sua índole doutrinária, que os seus integrantes saíram de sua discreta penumbra histórica para um protagonismo que lhes confere visibilidade sem precedentes. De tal modo, que os seus onze integrantes são mais conhecidos do que os 11 da Seleção Canarinha do Brasil. Popularidade maior, não há nas terras de Santa Cruz.
Esse ativismo do Judiciário, que é próprio dos membros dos poderes legislativo e executivo, bem como de partidos políticos, tem sido alvo de grande inquietação popular, bem como de alguns dos mais respeitados juristas do País, reconhecidos pela maturidade, saber e equilíbrio de suas manifestações. Alguns inconformados avançam com ofensas de suma gravidade contra a honorabilidade desses magistrados que, por sua vez, acusam, prendem e julgam os seus ofensores ou quem contrarie sua vontade despótica, de um modo muito semelhante aos senhores de baraço e cutelo dos tempos mais sombrios da convivência humana. Explica-se porque alguns desses grão-senhores figurem entre as personalidades mais odiadas do País, razão de sua crescente insegurança física, como é do conhecimento geral.
Do mundo acadêmico, para explicar essa evolução de comportamento do STF, no plano legalista, estratégico e ideológico de sua ação, veio a lume, já no corrente ano, o excelente livro do jovem jurista Victor Guedes Trigueiro, Procurador-Chefe da União no Estado da Bahia, O Jogo da Pauta no Supremo Tribunal Federal, com o subtítulo: Decidindo não decidir a inconstitucionalidade da prisão em segunda instância, de leitura obrigatória pelos operadores do Direito e aconselhável a quem quer que se preocupe com a preservação da imagem de instituição de tamanha importância para a paz social.
É do interesse geral conhecer o que pode ser feito para salvar do naufrágio nossa Suprema Corte!