Por Wadih Habib
Advogados não são apenas operadores do Direito. São pensadores e criadores do Direito. Inteligência artificial é uma ferramenta, não um oráculo.
Vivemos um momento em que as transformações tecnológicas se impõem velozmente a todas as profissões e, em especial, ao mundo jurídico. Com o advento e a popularização das ferramentas de inteligência artificial. Têm acontecidos episódios pitorescos de petições feitas por IA, com citações de jurisprudências falsas, como os dois recentes Habeas Corpus, impetrados perante o Tribunal de Santa Catarina.
O último caso que ganhou repercussão nacional foi a Reclamação Constitucional nº 78.890/BA, relatada pelo Ministro Cristiano Zanin, no Supremo Tribunal Federal (STF). Tais episódios, deixam evidente que as inovações tecnológicas, se mal utilizadas, não apenas comprometem a credibilidade do profissional, mas colocam em risco valores basilares da advocacia.
Na decisão relatada, o Ministro constatou que o advogado subscritor da peça utilizou, de forma temerária e sem revisão, ferramenta de inteligência artificial para a elaboração da reclamação, incluindo fundamentos inexistentes, deturpando o conteúdo de súmulas e citando julgados que jamais existiram. O resultado: condenação por má-fé processual e comunicação à Ordem dos Advogados do Brasil para eventual responsabilização ética.
Raciocínio jurídico: a inteligência que a máquina não substitui
Na condição de professor e advogado militante, não posso deixar de me posicionar: a inteligência artificial é, sim, uma aliada. Mas jamais será um substituto para a estratégia jurídica que somente a inteligência humana é capaz de elaborar. Jamais será substituo para a prudência e o compromisso ético que devem nortear cada atuação profissional.
A petição não é mero produto técnico ou maquinal: é fruto de um processo lógico, que envolve análise cuidadosa dos fatos, interpretação sistêmica do ordenamento e articulação persuasiva das teses. O erro grave cometido no caso em análise revela uma preocupante ilusão que muitos profissionais parecem cultivar: a de que basta ter à disposição um software avançado para suprir a necessária competência e responsabilidade do advogado.
Não há tecnologia que substitua o domínio das regras de hermenêutica, o conhecimento da jurisprudência e a habilidade de articular argumentos de forma coerente e persuasiva.
Ética e responsabilidade: pilares inegociáveis da advocacia
O uso irrefletido de IA para a elaboração de peças processuais não apenas afronta o decoro profissional, mas configura, como bem decidiu o Ministro Zanin, má-fé processual nos termos do art. 80, V, do Código de Processo Civil. A conduta do advogado, ao tentar induzir o STF a erro com base em julgados inexistentes, compromete a dignidade da profissão e a confiança que a sociedade deposita na atuação da advocacia.
O convite: formação intelectual contínua
Por isso, convido cada colega advogado, cada estudante de Direito e cada operador do sistema de justiça a adotar uma postura de constante aprimoramento intelectual. Não se deixem seduzir pela ideia de que a tecnologia suplantará o esforço pessoal. Invistam na formação doutrinária sólida, no estudo atento da jurisprudência e no desenvolvimento de habilidades argumentativas.
O caso julgado pelo STF nos mostra que o despreparo pode levar à responsabilização disciplinar e à mácula da honra profissional. O Direito é uma ciência humana, profundamente ligada à cultura, à história e à ética. Não é, e nunca será, uma atividade
Para concluir, é importante deixar claro que o futuro da advocacia não pertence à máquina, mas ao profissional que souber aliar inteligência emocional, rigor técnico e domínio das ferramentas tecnológicas, incluindo as Ias, com responsabilidade e ética.
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Advogado, Professor, Mestre, Escritor, Palestrante – contato: wadihhabib28@gmail.com