Alberto Carvalho e sua poesia transcendental

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Por Gilfrancisco
Seu livro Textamento foi uma das minhas melhores alegrias literárias. Para ter uma
ideia: se eu fora fazer uma antologia da poesia brasileira te colocaria lá dentro sem falta.
São antológicos. Maduros. Coisa de profissional. De cosmopolita. De alguém no centro
do mundo… Sofisticado. Humanista. Atualizado. Parabéns. Tem que escrever mais: está
intimado
“, – Affonso Romano de Sant’Anna

***

Quando conheci o poeta em sua residência, nas reuniões em que fazia aos
sábados, com Wagner Ribeiro, Ludwig Oliveira, Léo Mittarraquis e outros, Alberto
gentilmente me ofertou um exemplar da Antologia recém publicada, A Poesia
Sergipana no Século XX, organizada por Assis Brasil (1998), com a dedicatória: A
Gilfrancisco, com o abraço amigo, o Alberto, Aracaju, 7/8/2000. Era uma casa ampla,
situada na rua Tasso Sobral, no bairro Grageru, última residência do poeta. Ele me
revelou que havia morado anteriormente em três locais, mas precisava de uma casa bem
maior, para abrigar sua biblioteca de quase dez mil livros.
Dono de um percurso singular, o poeta singelo itabaianense, com seus pequenos gestos e
olhos furtivos, procura recriar o mundo com veemência, mas a mira com um olho entre desconfiado
e sorna, cuidando de poupar sua simpatia humana. É possível que atrás dessa ternura, do riso de
criança marcado pelo olhar travesso, esconda-se um outro olhar tristonho e desencantado, inventado
eternamente pela marcha marcada pela palavra impressa, para perceber o mundo em redor, nos
subterrâneos do homem contemporâneo e complexo. Que encobre a sua própria vida do fim do
mundo, servindo de alicerce à visão esboçada.
Há em sua poesia um lirismo que não vem das correntes frias da inteligência, mas da
intuição. E ela ajuda a ver melhor aquilo que nos cerca. Ela toca, tem a ardente absorção do sonho e
os objetos criados assumem nova contextura e dimensão. Sua poética, como sempre, é da mais fina e
limpa, tem uma tal unidade íntima, é tão bem entoada consigo mesmo. É um pouco de nós, todo.
Alberto Carvalho possui a generosidade verbal de um poeta que nunca se esconde em torre
de marfim. É uma pessoa de rara sensibilidade e de uma lucidez que emociona a todos, pois vive há
anos um caso de amor com a poesia, um fecundo romance com longas interrupções. Alberto
Carvalho gerou uma poesia sintonizada com o mundo, que simultaneamente deixa-se fruir prazeroso

e sutil, deslizando numa poesia que é quase sempre crítica, porque a linguagem – é um bem comum
a todos, a qualquer cidadão.

Caminhada

Alberto Carvalho nasceu na cidade de Itabaiana em 3 de novembro de 1932,
filho de Ivo Carvalho (funcionário público) e Maria Elisa Carvalho. De origem de classe
média, com a professora Laurinda Leite, apendeu as primeiras letras e no Grupo Escolar
Guilherme Bezerra, passando em seguida ao colégio José Fortunato Pinto, bem próximo
a sua residência, onde teve início o gosto literário, apesar da existência de uma pequena
biblioteca em casa. Desde muito jovem, Alberto trabalhava vendendo revistas e jornais
da empresa A Noite e paralelo desenvolvida as funções de baleiro nas salas
cinematográficas de Itabaiana.
Em 1945, depois de ter concluído o curso primário, vem para Aracaju e presta exame de
admissão para o ginásio no “Atheneu”. Em 1951 Alberto conclui dois cursos; o colegial no Colégio
Estadual de Sergipe e o técnico em Contabilidade, na Escola Técnica de Contabilidade e prosseguiu
seus estudos, fazendo o curso superior na Faculdade de Direito de Sergipe, bacharelando-se em
ciências jurídicas em 8 de dezembro de 1956, sendo paraninfo da turma, o professor Osman Hora
Fontes, que fez uma magnifica Oração, aos jovens bacharéis e amigos. Foi nessa instituição de
ensino, que passou a colaborar no jornal Academvs, do Centro Acadêmico Silvio Romero e começa
a organizar seu primeiro livro, Quase 30 Poemas.
Formação Cultural

O Atheneu teve importância marcante na formação intelectual do poeta, pois
tinha os melhores professores da rede estadual. Dedicando-se inteiramente aos estudos,
pelo fato de estudar em dois colégios, não tinha tempo para participar da política
estudantil, nem mesmo colaborar em nenhum dos órgãos impressos do Grêmio
Cladomir Silva, vivendo envolvido nas atividades de ensino de ambos os colégios:

Naquele tempo tinha a prova oral e a escrita. No Atheneu eram umas 10 matérias e na
Escola Técnica umas nove. Some aí no final do ano, escrito e oral. Eu era um verdadeiro CDF com
todas as honras e com todas as botas que eu usava, pois me mandavam, sapatos de Itabaiana
forrados com pneus de automóvel, pneu mesmo. E com essas botas dava boas passadas.
Faculdade de Direito

Na Faculdade de Direito Alberto Carvalho vai encontrar antigos amigos: Viana
de Assis, Jaime de Araújo Andrade, Tertuliano Azevedo e outros, do grupo vencedor
para dirigir o Centro Acadêmico Silvio Romero, e assim, Alberto é eleito diretor
(1955/1956), do jornal Academvs, conforme registro em junho de 1956 na Folha
Popular:

Acaba de sair o nº 5 do jornal dos estudantes da Faculdade de Direito de Sergipe,
Academvs, editado pelo Centro Acadêmico Silvio Romero. O referido órgão tem a direção do
acadêmico Alberto Carvalho. Parabenizamos a direção do CASR por mais esta vitória, sem dúvida
alguma conquistada com grandes esforços, pois bem sabemos as dificuldades enfrentadas
atualmente no terreno da imprensa.
Prosa/Poesia

O nosso poeta sergipano também incursionou com dois ensaios pela prosa –
Adauto (1990), Florival Santos (1990) e Vão Livro (1996) – mas, em comparação com
outros escritores locais da sua geração, cuja produção é pequena, mas de grande
significatividade, para a História da Literatura Sergipana. Sua prosa tem lugar dos mais
importantes – tão importante quanto a poesia, e sua evolução dentro desse quadro,
entretanto, apresenta características muito especiais. Nos temas e na linguagem, que é
enriquecida, no tom, por diferentes aquisições, com suas tendências, sua diversificada
temática trazida por suas próprias regiões, sua maneira pessoal, seu universo interior.
O poeta Alberto Carvalho produziu uma poesia que tem a exata dimensão do
homem na sua contemporaneidade, por isso, sua obra necessita com urgência ser
reeditada. Vários de seus livros estão literalmente fora de circulação, o que torna
desconhecidos das novas gerações alguns dos melhores textos, fundamentais para a
compreensão da evolução da literatura sergipana.
É evidente que neles não se esgota a totalidade das experiências e caminhos
por ele fundados e percorridos, mas temos a possibilite rara de, sinteticamente, formar
uma ideia bem aproximada dessa totalidade poética. Seus livros sempre agradaram ao
paladar literário dos seus leitores e sua figura humana e poética é algo necessária, para
este país de tão poucos bons poetas. Porque seguindo as pegadas do Modernismo, que
rompeu, criou, deu novas formulações estéticas, mas ao mesmo tempo permitiu que
todo mundo que não sabe escrever, escrevesse versos.

Compromisso
Talvez por tudo isso, boa parte do tempo que lhe é dado viver, parece estar
sendo transformado em sentido compartilhado, através da palavra poética, para construir
um lugar, uma morada, conversa-se – em pleno fim de século-milênio, essa constelação
de traduções traz uma reflexão sobre um tempo que se equilibra na discórdia, que tem
no convívio entre indivíduos um mal necessário.
O bom de tudo isso é que transamos as mesmas coisas e buscamos uma
indeterminação como novas possibilidades no campo da criação. Usamos doses do
inesperado, de surpresa, que vão conceder, em última análise, condições de existência à
poesia. Por isso, sinalizamos que este universo poético que o próprio poeta descortinou
continua a nos surpreender, com suas, mensagens, que vão chegando, aos poucos, tão
rápidas quanto às fugas.
O poeta Alberto Carvalho que, ao lado de Santo Souza, é um dos grandes
inovadores da moderna poesia sergipana, sensível, lúcido e fiel a sua própria arte, à
essência do seu processo criativo verte (e a graça se revela) os versos de excelência de
poetas, poeta original, fabulista e fabuloso com a sua mais recente publicação (1999)
para que ninguém possa negar a grandeza e a eficácia poética dessa amostragem:
Leonardo, Bernini e Outros Poemas.

Campus Universitário

Criado em 2006, o primeiro Campus da Universidade Federal de Sergipe,
oriundo do processo de interiorização da UFS, tendo suas atividades iniciadas em 14 de
agosto, no Campus Prof. Alberto Carvalho, cujas instalações eram utilizadas no CAIP,
da cidade de Itabaiana. O Campus começou com dez núcleos, 7 licenciaturas: Ciências
Biológicas, Física, Geografia, Letras, Matemática, Pedagogia e Química; 3
bacharelados: Administração, Ciências Contábeis e Sistema de Informação. É fato que
após 18 anos da implantação do Campus da UFS de Itabaiana, o município nunca mais
foi o mesmo.

No dia 3, de novembro (quinta feira) de 2022, data em que o poeta estaria
completando 90 anos, aconteceu, a inauguração do acervo Prof. Alberto Carvalho,
pertencente à Biblioteca da Universidade Federal de Sergipe (UFS) do Campus
Itabaiana. A doação ocorreu em 2007 CAC (Coleção Alberto Carvalho), cujo acervo foi

gradativamente catalogado. É fechada e não está disponível para empréstimos. Para ter
uma obra é necessário ir até a Biblioteca do Campus e fazer a consulta local.
A solenidade contou com a presença das filhas (Luciana, Miriam e Adriana),
netos e do sobrinho de Alberto Carvalho, além da participação do vice-reitor da UFS,
Rosalvo Ferreira, e do diretor do campus, Victor Hugo, “relatou que a abertura desse
espaço serve para destacar a memória do professor e exaltar toda sua obra”. O evento
ocorreu no mini auditório da universidade, em Itabaiana. A biblioteca do homenageado
possuía aproximadamente 9 mil títulos e foi doada pela família à UFS.

Segundo o jornalista e escritor Paulo Fernando Teles Morais, numa crônica de
2006 “Mestre Alberto Carvalho”, diz que:

Itabaiana nunca esteve dividida com relação ao nome do escritor Alberto Carvalho para
batizar seu Campus Universitário. Em torno dele, logo despontou uma unanimidade natural,
nascida do orgulho e reconhecimento de seus contemporâneos àquele que jamais desenraizou seu
coração e mente d terra natal, que a manteve pulsante, como um organismo vivo, pela sua verve,
pela sua inteligência e brilho cultural. Dos filhos ilustres, era o que mais se identificava com ela,
porque a vivia vinte e quatro horas por dia, não apenas memorizando-a e todos os seus livros, mas
até numa simples conversa, quando a ilustrava com exemplos resgatados do seu povo.
Obra
Quase 30 Poemas (1958), Em Busca do Verso (1959), Textamento (1981),
Vão livro, 1996, Leonardo, Bernini e Outros Poemas (1999), Dispersa Memória
(2001), e os títulos coletivos 8 Poemas Densos (1964) e Sexteto Opus 41/2 (1985),
Em 2005, o escritor Vladimir Souza Carvalho organizou pela Secretaria de Estado da
Cultura, o livro Toda Poesia, onde se encontra reunida toda a sua obra poética,
conferem a Alberto Carvalho não apenas uma bibliografia, mas o fruto de um agudo e
vibrante talento poético.

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A Crítica

Conheço suficientemente o autor, um estudioso do cinema e das artes em geral, um
sincero entusiasta de Camus, Prévert e sobretudo Lautréamont, um vigoroso detentor daquela
fecunda inquietação universitária que desde Castro Alves e Raul Pompéia vem legando a
literatura nacional alguns dos seus mais autênticos e profícuos episódios, conheço
suficientemente essa coluna-mestra d mais brilhante fase de Academvs, esse maconheiro da
musicalidade de Vinicius e da harmonia baquiana de Tom, esse deveio do pai-de-santo Atulfo,
para não suspeitar que o lançamento em tela haja defluido de mera sofreguidão de
notoriedade, animus tão frequente na atmosfera provinciana.
J. E. Monteiro. Gazeta de Sergipe, Aracaju, 10.01.1959.

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Alberto Carvalho vem de publicar o seu segundo livro de versos, que nos envia com
um “abraço amigo”. Observa-se, através da leitura de “Em busca de versos”, que o jovem
poeta sergipano está em franca evolução. Está avançando, nos caminhos da realização
artística, fiel a si mesmo, ao seu modo de ser e de sentir as cousas, ao seu temperamento de
artista. E é animado dessa felicidade a si mesmo que ele, na sua preocupação poética, busca
penetrar em “tudo que há de íntimo em tudo”, que é segundo Vitor Hugo, a matéria da poesia.
Fiel também às raízes do modernismo, indubitavelmente cravadas no simbolismo, nem
sempre traduz ele, nas suas composições, as mensagens que pretende comunicar ao leitor,
obrigando este a pensar e a sentir os temas que evoca e sugere. Como as do seu livro anterior,
as novas poesias de Alberto Carvalho têm o sentido marcante de libertação. Aos espíritos
aferrados aos clássicos modelos poéticos ou ao falso pudor, chocam deveras a ousadia e a
irreverencia com que o poeta foge à “poesia de receita e convenção” e explora determinados
campos de excursão estética.

O Nordeste. Aracaju, 18.11.1959.

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Estou diante do impossível: escrever algumas linhas sobre Alberto Carvalho sem
elogiar. De fato, muito gasto está o ofício de dizer a verdade nesta terra.
Partilhei e acompanhei a sua Vicência cultural desde o início dos anos cinquenta:
trabalho duro e idôneo, isento de julgamento, espírito crítico aumentado em excelentes
leituras, erudição sem frescuras, bom gosto, idoneidade ao expressar conceitos e definir
atitudes, sabedoria em separar amizade do mérito e… vergonha na cara.
Tudo isto expresso em esmerada linguagem, senso de humor e coragem.
Sempre integrado ao que de mais expressivo e meritório existiu em Sergipe:
Academus, CICLA, SCAS, Literatura; Livros e Autores, texto e editoração do magnifico

álbum sobre as vidas e obras dos pintores Adauto e Florival Santos (do nível de excelência dos
que já foram publicados no país), sem contra os seus cinco exemplares livros, já editados.
Considerando, ainda, as atividades de professor universitário e bancário de boa
hierarquia, observa-se a densidade de uma luta honesta e coerente, fato incomum nesta “terra
de originalidades”.
Alberto gente: “vasta” presença, gozador (às vezes auto gozador), alegria de viver-
conviver-sobreviver, sabendo distinguir valores e mensurar “genialidades”.
A edição de Vão Livre é a reafirmação do alto valor intelectual que o distingue.
Certifico e dou fé.
Bonifácio Fortes, Jornalista e Advogado

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Em 2005, o escritor Vladimir Souza Carvalho organizou pela Secretaria de
Estado da Cultura, o livro “Toda Poesia”, 217 páginas (DEGRASE), onde se encontra
reunida toda a sua obra poética.

Toda Poesia

Eis o livro, numa publicação oficial, homenagem do Estado de Sergipe, prestada a um
dos seus maiores poetas modernos. Nele estão todos os poemas de Alberto Carvalho divulgados
em seus seis livros, na tentativa de congregar, numa só edição, os filhos de diversas barrigas
(Alberto aqui poderia dizer uma pornografia) e do mesmo pai, para como irmãos, passarem,
enfim, a residir no mesmo teto na companhia uns dos outros, enquanto de longe, num mundo
não atingido pela vã imaginação, Alberto Carvalho, entre uma cerveja e outra, ouvindo o hino
da Associação Olímpica de Itabaiana, composta por ele sem ir a campo de futebol, deve dar
um bom porrete para tudo, , bem no modo laranjeirense, a perguntar se precisava isso tudo ao
eminente intelectual patrício subscritor destas introdutórias notas.
Vladimir Carvalho – Abas, Todo Poesia

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Morte

Faleceu o poeta Alberto Carvalho, aos 69 anos em Aracaju, na manhã do dia 27
de abril de 2002, sendo sepultado no dia seguinte no Cemitério Santa Isabel. Antes do

sepultamento o ex-deputado e atuar Secretário de Estado da Cultura, José Carlos
Teixeira, traçou um perfil biográfico do falecido. Autor do hino da Associação Olímpica
de Itabaiana, o poeta foi sepultado com a bandeira do clube a lhe cobrir o caixão.
Alberto Carvalho era casado com Tereza Nadir Leite, desde 1960 e tornou-se professor
em 1964 na Faculdade de Ciências Econômica, onde trabalhou durante 24 anos.

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GILFRANCISCO é jornalista, escritor, Doutor Honoris Causa concedido pela UFS. Membro do Grupo
Plena/CNPq/UFS e do GPCIR/CNPq/UFS