Amarguras e desengano em Junqueira Freire

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Por Gilfrancisco
Passei a conhecer a vida & obra de Junqueira Freire, poeta da segunda Geração do Romantismo Brasileiro, ainda hoje pouco estudado, através do livro do amigo Renato Berbert de Castro (1924-1999), Em torno da vida de Junqueira Freire, publicado pela Fundação Cultural do Estado da Bahia, em 1980. Referência obrigatória para estudiosos e apreciadores da boa poesia, recebi um exemplar com a seguinte dedicatória:

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A década de 50 do século XIX na Bahia foi uma época de grande animação literária, semelhante só houve no século XVII no tempo de Gregório de Mattos. Inúmeras foram as pessoas que se destacaram nesta sociedade, alguns mostrando seu talento oratório, outras a eloquência política, ou na militância jornalística. Mas nas letras formava-se uma linha de frente de primeira qualidade, alguns grandes talentos como: Muniz Barreto, Agrário de Menezes, Manuel Passos da Silva e outros, sendo desse grupo o poeta Junqueira Freire. Nascido a 31 de dezembro de 1832 em Salvador, de onde nunca saíra, exceto para realizar algumas viagens de saveiro, para apreciar as paisagens do Recôncavo Baiano, a fim de amenizar o sofrimento de sua doença, Junqueira Freire nasceu, viveu e nela morreu, numa cidade que teria aproximadamente 60 mil habitantes, somente em 1855 chegaria aos 90 mil. Nessa pequena cidade provinciana e mestiça, que era a segunda do Brasil, em geral de agitação e entre este pequeno período, houve muitas lutas. O Brasil à ocasião vivia angustiado, onde o espírito jacobino exaltadíssimo aliava-se à ideia de federação e república.

            Entre 1831-1832 houve na Bahia quatro motins, em 1835 aparece a revolta dos negros Malês e dois anos depois a Sabinada. O Brasil vivia o drama da emancipação política e o jacobinismo imperava com seu espírito de agitação e revolta. Luís José Junqueira Freire era filho de José Vicente de Sá Freire, homem de péssimas qualidades: devasso, esbanjador dos bens da família, caloteiro e pai odioso, e de D. Felicidade Augusto Junqueira Freire, casados um ano antes do seu nascimento. Em 1839, inicia-se nas tarefas escolares em escolas pública, mas logo adoeceu e teve de interromper os estudos e aos 14 anos de idade começa a estudar latim com Frei Arsênio Moura, da Ordem de São Bento. E no início do ano de 1849 encontra-se matriculado no Liceu Provincial da Bahia, onde estuda Filosofia com o Pe. João Quirino e iniciar-se em seus estudos literários.

Incursão Religiosa

            Em 1851, quando o poeta estava com 18 anos, resolve ingressar para o Mosteiro de São Bento como noviço na Ordem Beneditina, sob o nome de Frei Luís de Santa Escolástica Junqueira Freire, fugindo da casa familiar. Esta atitude, vítima de uma paixão e frustração amorosa levou-o a fazer-se frade, pois não possuía qualquer vocação para sentimentos religiosos. Esta revolta explode em si pela condição de ser frade e veio o desprezo pela vida, é o único a rebelar-se contra os princípios do catolicismo.

            Junqueira Freire professa fé religiosa aos 30 anos e continua sem nenhuma vocação e um ano depois, pede secularização para viver com a família, apesar de ter desgosto pela casa paterna. Nem mesmo ali encontrou a paz desejada para seu espírito e para sua alma agonizante. Este é o período em que o poeta vive dividido, como diria Alfredo Bosi, “entre a sensualidade, os temores da culpa e os ideais religiosos”.

            A situação da igreja não foi brilhante sob a monarquia. Pela Constituição, a religião oficial era a Católica Apostólica e Romana, herdada de Portugal, vigorando o regime do Padroado, mas nossas relações com o Vaticano, segundo a qual o governo imperial indicava os sacerdotes a serem nomeados para os principais cargos eclesiásticos. Os integrantes da igreja foram em geral homens piedosos e íntegros, mas lutaram incessantemente com as dificuldades de um clero escasso, mal selecionado e mal pago pelo estado, em situação mais ou menos idêntica a do funcionalismo. Em face da profunda divergência doutrinária entre a mentalidade liberal do Imperador e a ortodoxa, a igreja vai pouco a pouco perdendo o seu prestígio. A maior parte do seu patrimônio passou para as mãos de sodalícios leigos, irmandades e ordens terceiras, ciosas de sua autoridade em face do clero. Junqueira Freire, pertence à última geração de noviços beneditinos do Segundo Império, é a expressão patética da extrema decadência da vida religiosa no Brasil, ao longo do século XIX.

Influência Lusitana

            O poeta baiano, como muitos outros do Brasil Colônia, não pode evitar a grande influência que tinha Portugal, o centro de irradiação para o nosso país. E a literatura lusitana foi o grande peso para a mentalidade de intelectuais brasileiros. Junqueira Freire é o poeta maior do grande vazio interior, transbordado de insatisfação e inquietação, que existiu sob o signo da contradição dos contrastes da época. Misterioso, graças a autenticidade e espontaneidade da sua angústia, nos domina pelo seu sentimento, pela sua sensação, movida pelo forte cunho retórico. Por isso, não se pode dissociar sua obra poética do drama de sua existência, que continua ainda misterioso, pouco esclarecido. Há também em sua poesia um aspecto social e nacionalista, expresso com grande clareza na sua Retórica Nacional, revelando este pendor que o induziu a acompanhar as tendências revolucionárias do século, buscando a liberdade do Brasil literalmente de Portugal. Portanto, essa estranha figura, de versos livres e encantatórios, conseguiu fertilizar alguns poetas modernos de sua época.

            O monge baiano estreia com o livro Inspirações do Claustro, em 1855, impresso em Salvador, alguns meses antes de sua morte. Sua 2ª edição, publicada em 1867, em Portugal na cidade de Coimbra, pela Imprensa da Universidade. Nesse Prólogo, Junqueira justifica o porquê do seu antagonismo e diz: agradarão apenas a algumas almas fortes, que não puderam ainda ser enviadas nem do cancro do cepticismo, nem da mania do misticismo; agradarão apenas a alguns homens completamente livres, que não se sujeitaram ainda senão às luzes da razão. Este texto mostra-nos em que estado psicológico se encontrava o autor. Suas Obras Poéticas – Inspirações do Claustro e Contradições Poéticas, dois volumes, foi publicada no Rio de Janeiro pela Garnier, mas não menciona o ano de sua impressão, como também as suas edições seguintes da mesma editora. A mais completa publicação de suas Obras, é a edição crítica feita por Roberto Alvim Correia, publicada em três volumes, em 1944, pela Editora Zélio Valverde. Outra edição que merece destaque, aparece em 1970, cuidadosamente elaborada por James Amado, publicada pela Editora Janaina em dois volumes e acrescida de inéditos. E mais recentemente aparecem dois pequenos volumes: Junqueira Freire – Poesia, Editora Agir (Nossos Clássicos), 1962 e Junqueira Freire – Desespero na Solidão (Poemas Escolhidos), Nova Aguilar/MEC, 1976.

Tumulto na Critica

            O surgimento de um poeta monge em pleno século XIX, levou a crítica a verdadeiras turbulências em torno do seu nome, no que resultaria a formar-se as antigas lendas. Uns achavam que o jovem frade, possuidor de um espírito místico e religiosidade realista, fugia de si mesmo, para abrigar-se ao puro retiro do claustro. Outros diziam que ele possuía um espírito forte, uma alma agitada pela impiedade, pela sua própria descrença, mas obrigado a manter-se enclausurado vivia em perpétua luta. Na realidade, o poeta Junqueira Freire teve uma vida torturada e triste, assim como toda sua obra, sempre em dúvida e apreensões existenciais, apesar de ser portador de uma poética suave e lírica, doce e melancólica, extraída duma alma amarga pelo peso dos desenganos. Educado no regime católico mais tarde influenciado pela filosofia e literatura de seu tempo, o poeta entra num estado de incerteza e conflitos intermináveis.

            Muito jovem e apreensivo, foi atraído por essas duas intuições, no que se fundiria toda sua obra: a religiosa, filosófica e a amorosa. Apesar de não possuir o vigor, a doce melancolia nem a exuberância de alguns poetas da época, pertencia a segunda geração do romantismo no Brasil, tempo do ceptismo e do sentimentalismo à Byron e Lamartine. A poesia dessa geração, período de 1850-1870, em que floresceram Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Laurindo Rabelo e o próprio Junqueira Freire.

            Poeta individualista, marcaria a segundo geração pelo seu desespero trágico da incerteza angustiante, centralizada em toda sua obra produzida entre 1851/1855, um sentimento erótico e místico. A partir de 1852, sua saúde é constantemente abalada, mas no início de 1955 sofre novas crises cardíacas e a doença torna-se irreversível. O poeta Junqueira Freire morre em 24 de junho do mesmo ano, com apenas 22 anos, vítima de moléstia cardíaca. Um mês depois uma epidemia de cólera se espalhava pela cidade do Salvador, onde morreu quase a metade da população. O poeta foi amortalhado de hábito e conduzido m para o Mosteiro de São Bento, lá sepultado pelos monges, mas sua sepultura se perdeu com a passar do tempo, e sua morte foi logo esquecida.

            O desaparecimento prematuro da estranha figura do monge-rebelde o impediu de desfrutar a glória que alcançou sua obra, e mereceu durante todo esse tempo dezenas de valiosos artigos, para uma melhor compreensão de toda sua obra poética, escritos pelos mais conceituados críticos brasileiros. [1]


[1] Diário Oficial do Estado da Bahia. Salvador, 16 de agosto de 1988.

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Jornalista, professor universitário, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Associação Sergipana de Imprensa – ASI, do Grupo Plena/CNPq/UFS e do CPCIR/CNPq/UFS. Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Sergipe –gilfrancisco.santos@gmail.com