ANTÔNIO REBOUÇAS E A ARTE DA SUPERAÇÃO

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Por Reynivaldo Brito

Foto 1. Antônio Rebouças hoje. Foto 2. A
sua mãe d. Doralice. Foto 3. Aos 50 anos
com sua filha Isis.

Estou diante de uma pessoa que tem alegria de viver e expressa isto na sua arte através das cores vibrantes e dos traços que sugerem as figuras que cria. Transita com facilidade entre a escultura, a pintura, a gravura e o desenho.  É uma pessoa  de fácil relacionamento e acima de tudo de alto astral. Está de bem com a vida, embora saibamos que todos nós temos problemas e questões a resolver no nosso dia a dia. Ele poderia estar por aí se vitimando por ter nascido negro e pobre, filho de uma empregada doméstica, morador da localidade de Matança, próxima da Avenida Bairro Reis. Mas, não. Sua mãe lutadora soube encaminhar o filho para enfrentar esses desafios, e a saída foi a educação. Graças aos professores da Escola Parque, localizada no bairro da Caixa D’água, em Salvador, considerada uma experiência única que tem repercussões em todo o mundo. Foi inaugurada em 1950, por Anisio Teixeira, quando ele ocupou o cargo de Secretário de Educação do Estado da Bahia e chamou de Centro Educacional Carneiro Ribeiro, que é um conjunto escolar da mais arrojada concepção pedagógica até hoje. Deveria ter sido replicada em outros locais e em municípios baianos, mas a educação nunca foi prioridade em nosso país. Pois é, foi aí que o Antônio Carlos de Jesus Rebouças foi matriculado aos dez anos de idade e estudou do primário até a conclusão do ginasial. Aprendeu não apenas as matérias escolares, mas também como o cidadão deve se comportar no seio da sociedade para enfrentar todos os percalços e garantir a sua sobrevivência com dignidade.

Já fez muitas exposições individuais e coletivas aqui e até mesmo no exterior, na Itália e França. Hoje faz parte do conselho do Instituto Beneficente Conceição Macedo – IBCM uma instituição que ajuda crianças carentes, localizada no bairro de Santa Clara do Desterro, em Salvador. Costuma fazer oficinas de arte para sensibilizá-las através desta expressão nata do ser humano, e que ele abraçou, e colabora no que for necessário. Mas, antes de abraçar a arte trabalhou ainda jovem como soldador de carrinhos de mão na Metalúrgica Cimba, que ficava no bairro de Mata Escura, em Salvador. Depois fez um concurso público para a Petrobras e foi trabalhar na extração de petróleo por todo o Recôncavo baiano. Os mais jovens não lembram, mas a Bahia já foi o maior produtor de petróleo e sustentou o crescimento do país com seu petróleo por muitas décadas.

 Hoje as reservas baianas estão escassas. Quando foi criado o Polo Petroquímico de Camaçari o Antônio Rebouças fez o concurso para trabalhar numa das empresas do Polo, a Oxiteno que lhe possibilitou vários cursos de química para lidar com os produtos que processava. Esses cursos de manipulação e conhecimento das características de produtos químicos estão atualmente lhe servindo para elaborar suas esculturas em resinas. São tão perfeitas que parecem as que vemos produzidas em escala pelas indústrias de decoração. Mas, voltando ao Rebouças a Oxiteno foi o começo de uma trajetória no Polo petroquímico e assim trabalhou na Metanol e Rhodia. Essas mudanças ocorreram, segundo ele, porque lhe ofereciam melhores salários, e foi galgando mais espaço e melhores condições econômicas. É importante salientar que paralelamente ele ia praticando a sua arte, quer fazendo seus desenhos, pinturas e até mesmo esculturas. Lembra que na época passou a ser muito bem remunerado e enveredou numa fase complicada se envolvendo com o alcoolismo, mas com o nascimento da filha, muito esforço, a ajuda de alguns profissionais e familiares conseguiu superar e tocar a sua vida.

                                                DOIS REBOUÇAS

Obras feitas em nanquim.Um traço livre
e que nos leva a pensar no movimento
das figuras.

Antônio de Almeida Rebouças, arquiteto  e 
artista plástico. Uma pintura e uma
escultura de sua autoria do meu acervo.

Durante uma conversa há anos fiquei sabendo que o Antônio de Almeida Rebouças, já falecido, e um dos artistas do grupo modernista mais importante da Bahia ficava incomodado com a presença de outro artista com o mesmo nome. Este Antônio Rebouças era arquiteto e irmão do também arquiteto Diógenes Rebouças, que foi professor da Faculdade de Arquitetura e responsável por projetos importantes como o da antigo Estádio da Fonte Nova, que inexplicavelmente foi demolido no Governo do petista Jacques Wagner em conluio com a OAS. Lembro que durante uma visita que lhe fiz expressou esta preocupação com a indignação que lhe era peculiar e uma marca de sua personalidade. Disse-lhe que isto era normal e que meu nome Reynivaldo Brito era replicado por aí e ainda tinha as várias maneiras de me tratar como Reginaldo, Reinaldo, Ronaldo e Renivaldo. Não conhecia pessoalmente o Antônio Carlos de Jesus Rebouças e durante o nosso contato ele lembrou que certa vez recebeu um telefonema de Antônio Rebouças seu xará falando sobre o problema por assinarem o mesmo nome nas obras, e o convidou para acabar com a confusão realizar uma exposição juntos assim as pessoas poderiam diferenciar a obra de cada um. Infelizmente a exposição não foi concretizada e os amantes da arte não tiveram a oportunidade de confrontar a obra de cada um dos Antônio Rebouças. Com certeza são completamente diferentes porque o velho Rebouças pintava com características modernistas tinha uma ampla bagagem cultural e como podemos ver nesta pintura e escultura que tenho em meu acervo. Além disto são pessoas de personalidades distintas. Enquanto o saudoso Rebouças vivia a reclamar e quase sempre o encontrava carrancudo o nosso personagem é alegre e tem uma habilidade diferenciada em produzir as suas obras quer no segmento do desenho, da pintura ou da escultura. Quando o modernista Antônio de Almeida Rebouças morreu registrei o ocorrido com este pequeno texto publicado em 15 de dezembro de 2015 neste blog reynivaldobritoartesvisuais.blogspot.com. Vejamos:

A ARTE PERDE ANTÔNIO REBOUÇAS

   Conheci Antônio de Almeida Rebouças há muitos anos. Era uma pessoa altamente inteligente e criativo. Na última vez que estivemos juntos em 2010 notei que estava muito agitado e tinha horas que oscilava entre a alegria e a tristeza. Às vezes indignado com tudo que acontecia em nosso país no mercado de arte. Era difícil de relacionamento exatamente por causa de sua grande sensibilidade. Rebouças faleceu aos 90 anos no dia 27 de maio último. Infelizmente, por motivo alheio à minha vontade, não pude comparecer ao seu enterro. Rebouças gostava de sair pela manhã, cedo, e andar pelo Porto da Barra e, às vezes, “dar umas braçadas”, assim confessou naquela tarde que passamos conversando sobre tudo. Costumava me enviar algumas cartas ou bilhetes expressando os seus sentimentos naquele momento, reclamando e esbravejando de alguma coisa que o incomodava. Tenho várias delas guardadas. Leiam esta cartinha que me enviou em 6 de outubro de 1997.

“Amigo Reynivaldo: 

“Sei mais do que ninguém que sou jogo duro, mas não consigo levar um ente querido ao enterro. Peço, para você, por esta mensagem no seu jornal. Encontrei Carybé passando por “Saturno”, ia puxando uma batucada da pesada, a nave estava toda orvalhada, mas depois verifiquei que não era orvalho, eram lágrimas do artista com saudades de Nancy, que representava para ele não apenas a esposa, mas um orgulho. A. Rebouças (Para Carybé –“Tonio”.

Publico agora esta mensagem única e sentimental por entender que ela reflete um pouco quem era Rebouças e como sofria com as perdas e os dissabores da vida. Sua sensibilidade acurada fazia sofrer e o abalava mentalmente. Era difícil a convivência com ele que mudava repentinamente de humor, mas o seu grande talento de artista nunca foi abalado. Rebouças deveria estar entre os primeiros artistas de nosso país porque suas obras têm uma qualidade acima da média.
Nunca contou com um agente, um marchand ou um galerista que trabalhasse junto ao mercado, as suas obras levando-as para leilões, exposições e bienais, para que pudessem ser apreciadas por um número cada vez maior de pessoas. Vejo novos talentos, ainda carecendo de muito aprendizado, despontando com facilidade enquanto outros pintores de conteúdo sendo esquecidos por marchands, galeristas e colecionadores. Reparem um pouco mais para a produção de Rebouças. Não é porque ele morreu, já afirmei isto nas décadas de 70 e 80 com o mesmo entusiasmo de hoje.

Antônio Carlos de Jesus Rebouças nasceu em 30 de agosto de 1956, portanto está com 67 anos de idade filho de Doralice Maria de Jesus e de Renato Salustiano Rebouças. Sua mãe trabalhou muitos anos como empregada doméstica na casa da família Ferreira, no bairro de Loteamento Lanat, que fica vizinho ao bairro do Barbalho, em Salvador. Esta família era de um irmão do conhecido político Cristóvão Ferreira que foi vereador e deputado estadual por várias legislaturas. Ele tinha uma empresa de ônibus e se notabilizou na época por fornecer transporte e dispor de um carro funerário para transportar os corpos de pessoas pobres para serem enterradas nos cemitérios da Cidade. Além de ter outras ações assistencialistas menores. Depois que saiu da casa dos Ferreira a d. Doralice de Jesus comprou uma casa na localidade de Matança, próxima a Avenida Bairro Reis, em Salvador, e foi morar com seu filho. Era uma casinha precária de taipa e lembra Rebouças de que durante as chuvas fortes caiam bolos de barro e a água da chuva penetrava. Era uma situação de sofrimento. Mas, a sua mãe continuava batalhando e foi trabalhar no setor de serviços gerais na Casa de Saúde Santa Mônica 

Rebouças no lançamento do seu romance
sendo cumprimentado pela saudosa professora
Consuelo Pondé de Senna.

pertencente ao médico psiquiatra Sílio Andrade, que era um psiquiatra de renome inclusive trabalhava no Manicômio Judiciário de Salvador e um empreendedor. Conheci de perto o Sílio Andrade um homem culto e trabalhador. Nesta época era uma espécie de casa de repouso para onde eram encaminhados filhos de gente das classes média e alta para repousar quando sofria de algum problema com alcoolismo ou outras drogas e mesmo idosos quando não tinham com quem ficar em casa. Depois foi transformado num hospital psiquiátrico e ele abriu outro o Sanatório Bahia. Até que a esquerda com o  chegou ao poder e começou o movimento antimanicomial  acabando com os hospitais psiquiátricos criando sérios problemas até hoje para as famílias, especialmente as mais pobres. Ali d. Dolores fazia de tudo, e assim conseguiu comprar uma casa no bairro do IAPI e foi reformando até ficar do jeito que queria. Enquanto isto o filho Antônio Rebouças ia estudando e aprendendo a se relacionar com os colegas. Ele lembra com saudade que na Escola Parque tinha contato com o maestro Hans-Joachim Koellreutter, (1915-2005) um dos mais importantes músicos do país, considerado o papa da música dodecafônica no Brasil, que fundou a Escola de Música da UFBA; o maestro Vivaldo Conceição que durante décadas foi maestro da Orquestra da Rádio Sociedade da Bahia; com Mestre King Kong  que ensinava capoeira, e com os principais artistas plásticos modernistas que também interagiam e ensinavam na Escola Parque da época e que fizeram painéis e telas que até hoje estão por lá embelezando e enriquecendo aquele conjunto educacional.

Antes de concluir o ginasial foi trabalhar como soldador na indústria metalúrgica

Cimba, que ficava no bairro da Mata Escura, em Salvador e produzia carros de mãos e outros equipamentos para a construção civil e o agronegócio. Já estava completando dezoito anos e resolveu fazer concurso para a Petrobras, foi aprovado e passou a trabalhar no serviço de exploração de petróleo em todo o Recôncavo baiano. Ele lembra que “era um serviço muito duro e perigoso. “Nesta época a Bahia passou algumas décadas fornecendo petróleo para sustentar o desenvolvimento de todo o país até que suas reservas ficaram escassas e foram descobertos outros campos de petróleo em outras regiões especialmente no mar. Ele saiu da Escola Parque em 1973 indo para a Petrobras. Com a chegada do Polo Petroquímico de Camaçari resolveu partir para novo desafio e fez concurso para a empresa Oxiteno que era uma das principais do complexo petroquímico. Esta empresa possibilitou que ele fizesse vários cursos de manipulação de produtos químicos usados na produção da indústria e este conhecimento e habilidades tem sido importante para a manipulação dos produtos que usa para a criação de suas esculturas. Além de trabalhar na Oxiteno conta que também trabalhou na Rhodia, Melanina e na Metanol. E que essas mudanças de empresas era porque lhe ofereciam melhores salários e outras vantagens e ele seguia adiante.

Quem o incentivou a enveredar pelos caminhos das artes plásticas foi o pintor naif Pedroso, que até hoje continua pintando em seu ateliê localizado na Ladeira da Cruz da Redenção, no bairro de Brotas, em Salvador. No meu blog  tem uma ampla entrevista que fiz o ano passado com o Pedroso. Porque seu objetivo era seguir após a aposentadoria a carreira de escritor, inclusive chegou a lançar um romance Os Herdeiros onde trata de uma família patriarcal e a disputa por sua herança. Como paralelamente vinha fazendo seus desenhos e pinturas decidiu tomar um curso de esculturas nas Oficinas do Museu de Artes Moderna da Bahia – MAMBA com o escultor Zu Campos. Fez outros cursos de pintura na Galeria Panorama e com Waldo Robato visando aprimorar suas técnicas, já que é um autodidata ou seja não frequentou a Escola de Belas Artes .

                                                  EXPOSIÇÕES

Fez várias exposições aqui e algumas no exterior mais exatamente duas na Itália e uma na França. Elaborou duas obras para o Centro de Recursos Ambientais no prédio localizado no bairro o Monte Serrat, em Salvador, e lamenta que um deles, o maior que era um painel de cerca de dezoito metros onde pintou em 2001 com vários elementos ligados à natureza como riachos, paisagens e animais e que infelizmente foi destruído. Restou o mural intitulado Serra do Barbado que mede 1,5 x 300cm. Suas primeiras exposições aconteceram duas em coletivas na Galeria Panorama, e a terceira na Galeria 13, do saudoso Deraldo Lima que costuma acolher os pintores em dificuldades de expor ou mesmo financeira e sua galeria ficava no Centro histórico da capital baiana. Vejamos: 1996 – Exposição Coletiva na Galeria Panorama, em Salvador; 1998 – Exposição no Bar Barcelona; 1998- Exposição Coletiva na Galeria Panorama; 1999 – Exposição na Galeria da Infraero, em Salvador; 2000 – Exposição na Casa Cor Brasil, Salvador; 2000 – Exposição na Sala Carlos Bastos, no Teatro Módulo, Salvador; 2001- Exposição na Livraria Siciliano, em Salvador; 2003- Exposição na Casa Cor Brasil; 2003 – Participou do 1º Salão de Arte Contemporânea do Consulado da Holanda na Bahia; 2004 – Exposição na Casa Cor Brasil, em Salvador; 2005- Exposição na Salle de La Rode , na cidade de Domme, na França; 2009- Exposição no Museo delle Genti d’Abruzzo , na Itália; 2009 – Exposição no Circolo Africano , na Itália. 2011- Exposição na Livraria Cultura, no Salvador Shopping; 2019 – Exposição no Centro Cultural da Câmara de Vereadores de Salvador. Estas exposições internacionais foram realizadas graças ao apoio do padre Alfredo Dórea que é o gestor do Instituto Beneficente Conceição Macedo -BCM que tem um amplo relacionamento visando arrecadar apoiadores para a obra que assiste dezenas de crianças carentes localizada na Rua da Santa Clara do Desterro, 101, em Salvador.