Por Reynivaldo Brito
O artista Anunciação com o vigor de sua juventude já tem uma história de vida razoavelmente diversificada porque nasceu em Jacobina e passou sua infância na roça, já foi garçom, ajudante de pedreiro, vigilante, trabalhou nas obras do metrô, mas a arte sempre foi seu ideal. Quando trabalhava de garçom no bar alemão Bier Dorf, no Shopping do Aeroclube Plaza Show, em Salvador, duas clientes que depois soube que eram professoras de arte, viram ele rabiscando um desenho enquanto um músico animava os clientes do restaurante cantando e tocando violão. Ao flagrar desenhando as duas senhoras disseram “menino você está se perdendo” e sugeriram que procurasse as Oficinas do Museu de Arte Moderna da Bahia. Elas forneceram o endereço do museu que ele logo depois foi procurar saber como poderia se inscrever. Conseguiu se matricular e foi aluno de Isa Moniz, que na época ministrava aulas de Desenho de Observação e Bete ensinava Criatividade em Artes Plásticas, além de ter aulas de Arte Contemporânea e de gravura . Isto foi nos anos 2003 e 2004.
O seu nome de batismo é Sérgio Silva da Anunciação, filho de Deusdete Brito e d.Faustina Silva da Anunciação. Nasceu no dia 8 de setembro de 1976, em Jacobina, no interior da Bahia, e ainda bebê sua mãe foi morar no município de Ilhéus no povoado de Maria Jape, que era um antigo quilombo, onde seu avô cultivava cacau. “Meu avô materno era negro e minha avó branca de olhos verdes parecia uma espanhola e nesta mistura minha mãe saiu negra/ cabocla. Já o meu pai é branco e tem os olhos azuis”, falou Anunciação. Disse ele ainda que seu avô era da cidade de Irará e migrou para a região o sul da Bahia quando surgiu a chamada febre do cacau. Lá conseguiu adquirir umas terras e viveu o resto da vida da cultura do cacau. Como podemos ver nesta conversa é um exemplo de que o Brasil é o país da miscigenação, embora nas últimas décadas por questões puramente ideológicas querem impor e incentivam a discriminação.
Como o ateliê do Anunciação é na Rua das Laranjeiras, número 3, no Pelourinho,a entrevista foi interrompida com a chegada inesperada da Aninha Franco, poeta e uma incentivadora incansável da cultura local, além de na sua República viver rodeada de livros onde recebe seus convidados para ler, falar de Literatura e degustar pratos de uma culinária especial. Registramos a presença de Aninha Franco e prosseguimos conversando com o Anunciação sobre sua trajetória. Ele permaneceu no povoado de Maria Jape até os onze anos de idade e estudou em escolas em Ilhéus, e em Itabuna, na Escola Ciso, que era evangélica, onde sua mãe conseguiu uma bolsa de estudos. Foi então que veio morar no subúrbio de Plataforma com seus tios onde terminou seus estudos no ginásio e por lá permaneceu até os vinte e sete anos de idade, quando resolveu sair e morar no bairro da Caixa D’água. Foi trabalhar de garçom no Restaurante alemão Bier Dorf, no shopping Aeroclube e permaneceu por lá três anos.
Em seguida retornou para a casa de seus tios em Plataforma e juntamente com um amigo abriram o restaurante Mabamariscada no subúrbio. Durante três anos tocaram o restaurante até ser acometido de um problema de saúde e teve que se desfazer. Quando se recuperou foi procurar emprego e conseguiu nas obras de construção do metrô de Salvador como ajudante de pedreiro. Se qualificou na empresa, evoluiu e ocupou um cargo técnico na AGO, que era o setor que administrava as obras.
Quando saiu trabalhou um período de vigilante e finalmente em 2016 decidiu vir morar no Pelourinho. Disse que a decisão foi tomada quando um certo dia estava sentado no sofá de sua casa, ainda recebendo o seguro desemprego, e veio a ideia de que tinha que abraçar a carreira de artista. Ao olhar várias telas pintadas e amontoadas debaixo da cama onde dormia fortaleceu a sua ideia, e assim pegou as telas e seus pertences e alugou num pequeno espaço de um prédio na Rua do Carmo onde instalou o seu ateliê. Dois meses depois o senhorio pediu o espaço de volta. Foi aí que veio para a Rua das Laranjeiras, número 3, onde está até hoje.
SUA ARTE
Quando lhe pedi para falar de sua arte Anunciação disse fazer arte Bruta (Art Brut) expressão que foi criada por Jean Dubuffet no ano de 1945 para “designar a arte produzida por criadores livres da influência de estilos oficiais, incluindo as diversas vanguardas, ou imposições do mercado de arte”. Dubuffet via nesses criadores – oriundos de fora do meio artístico, a exemplo dos hospitais psiquiátricos e os autodidatas isolados não doentes – a forma mais pura de arte. Citava o suíço Adolf Wölfli (1864-1930), que viveu num asilo de alienados desde 1895 até sua morte, era visto por ele como o autor símbolo da arte bruta.
No Brasil temos representantes deste estilo de arte inclusive foi muito importante o trabalho da psiquiatra Nilze da Silveira, que descobriu vários desses artistas e o mais emblemático Arthur Bispo do Rosário. No entanto ao examinar com mais calma a arte de Anunciação vemos que tem realmente conexões com Arte Bruta porque ele pega muitos materiais no lixo como papelão, madeira de demolição, plástico e restos de construção e aproveita para transformá-los em arte. Vi no seu ateliê pedaços de concreto quebrados e presos por um vergalhão onde ele fez uma pintura. E mostrou-me uma obra que fez a partir de um caixote de tomates. Porém, ao ver outras obras senti a presença da influência do pintor americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988) que ficou famoso com seus grafites espalhados pela cidade de Nova Iorque. Hoje muitos artistas pelo mundo afora se inspiram na sua arte.
Certamente a arte de Anunciação é composta de elementos da influência de Basquiat, mas traz somada o espírito de nossa cultura, e num pequeno portfólio que distribui aos visitantes do seu ateliê escreveu que “a arte é o meu mundo, local onde posso traduzir meus sentimentos e o meu amor de maneira livre e original”. A temática que explora é dividida em dois olhares distintos. Um para fora, onde retrata o cotidiano da Bahia, e outro mais intimista quando olha para dentro de si mesmo, que chama de arte Caveira, extremamente visceral. Portanto sendo um artista autodidata que não frequentou a academia ele se expressa seguindo a sua intuição com liberdade total. E o foco são os personagens que convive diariamente na área do Pelourinho como os batuqueiros, capoeiristas, baianas do acarajé, boêmios, malandros, gente do candomblé, dentre outros. Como nasceu na roça e morou muitos anos no subúrbio estes locais também são retratados em sua obra porque permanecem no seu imaginário.
Já participou de exposições no Museu Afro, no Restaurante Cuco Bistrô, da Casa Conceito Social, e nas edições do Feira Internacional Literária do Pelourinho – Flipelô, tem uma exposição permanente de suas obras lá na Gamboa, no Morro de São Paulo, o Hostel Mama África II, tem obras em coleções particulares daqui e de fora. Tem uma coleção de obras sobre o futebol que o colecionador baiano que mora em Nova Iorque encomenda e leva. O colecionador é o Wilson Egídio que tem uma ong e um projeto chamado de Futebol Favela e trabalha com jovens da comunidade da Boca do Rio. Esta ong é dona do Sport Clube Camaçariense que é um clube baiano de futebol, que surgiu no município de Camaçari, no estado da Bahia. Suas cores são vermelho e o branco. Foi campeão do Campeonato Baiano de Futebol de 2003 – Segunda Divisão, a principal conquista da equipe. O time tem uma sede no bairro de São Marcos, em Salvador, onde segundo o Wilson Egídio “temos toda uma infraestrutura montada para os atletas treinar e pretendemos continuar trabalhando para reforçar ainda mais o nosso time. Disputamos o Campeonato Baiano da Segunda Divisão e a Copinha, em São Paulo”. Entusiasmado com a arte feita por Anunciação Wilson Egídio pretende realizar uma exposição de suas obras nos Estados Unidos. Vamos torcer para que esta ideia se concretize e sua arte seja também mostrada aos americanos.