Carvalho Déda, o Zeca Déda

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Por Gilfrancisco

O Sr. José de Carvalho Déda pertence ao grupo previdente desses estudiosos, despertando na madrugada do dia transfigurador, gravando a paisagem para que possam ver aquelas inteligências nascidas ou alertadas depois da abertura do novo ciclo. (…) Trata-se, evidentemente, de um livro útil, movimentado, bem brasileiro, dedicado às bases fundamentais e eternas do seu espírito, a cultura tradicional do seu povo.

                                                           Luiz da Câmara Cascudo

                                                        (1899-1986)

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Apesar de ter nascido no município Patrocínio do Coité, que passou a denominar-se Paripiranga, por força do Decreto Estadual nº 07.341, de 30 de março de 1931, no interior da Bahia, divisa com Simão Dias (ex- Anápolis), filho de José Antônio de Carvalho Déda e de Olivia Silveira Déda, nasceu em 1º de dezembro de 1898. Durante a infância acompanhou os pais e viveu por algum tempo em Riachão do Dantas, voltando para morar em Patrocínio do Coité, onde estudou com o professor Francisco de Paula Abreu. Tempos depois se mudou para Simão Dias onde atuou no comércio ao lado de alguns dos irmãos. Sob a influência do parente e amigo, o jurista Antônio Manoel de Carvalho Neto, exerceu advocacia com provisionado (rábula) por mais de quatro décadas.

            Com a implantação da revolução de 1930, ele assume o cargo de prefeito de Simão Dias, a convite do interventor do Estado Augusto Maynard Gomes. Em 1935 com a constitucionalização e a posse do novo governador Eronides de Carvalho, Déda disse que só aceitaria continuar no cargo com o respaldo popular. Como político foi vereador e intendente de Simão Dias e deputado estadual em mandatos sucessivos, a partir de 1947, quando teve a oportunidade de participar, como constituinte, dos principais debates da elaboração da Constituição Estadual, promulgada em 16 de junho de 1947.

            Advogado “provisionado”, ele construiu uma brilhante carreira em Sergipe e Bahia, além de dirigir um dos jornais de maior destaque na capital sergipana, o Correio de Aracaju, de 1955 a 1959.

A Semana (1946-1969)

            Jornal literário, noticioso e combativo, fundo por José de Carvalho Déda, circulou pela primeira vez no Estado de Sergipe, em 8 de setembro de 1946. Nessa primeira fase, A Semana, circulava em Simão Dias aos domingos, até 29 de julho de 1947, quando sua edição foi interrompida por força do encerramento do contrato de impressão. O semanário voltou a circula em 18 de julho de 1953, já dispondo de oficina própria na rua Dr. Joviniano de Carvalho, nº 37, em Simão Dias, ainda sob a direção de Carvalho Déda e passou a circular aos sábados.

            O próprio Carvalho Déda passou a confeccionar xilogravuras, imagens entalhadas em pranchas de madeira, ele produziu mais de quatrocentas, que satirizavam fatos de repercussão local. Foram muitos os colaboradores: Francisco Silveira Déda (seu irmão jornalista), Carlos Alberto de Oliveira Déda (seu filho), Antônio Conde Dias, Artur Oscar de Oliveira Déda (seu filho), Clarita Santana, Claudio Dinat Déda Chagas, Edson Carvalho Oliveira, Edson Freire Caetano, Ferreira Filho, João Lima Filho, José Osvaldo Machado e Silva, Luiz Santa Barbara, Max Neto, José Aloisio Freire e Renato Nunes.

            José de Carvalho Déda colaborou em vários jornais: O Paladino, O Cotinguiba, 13 de Julho, Diário de Sergipe, Correio de Aracaju (sendo diretor durante o período de 1955 a 1959, Estância, Oráculo, A Luta e A Semana.

Congresso Diocesano

            Durante o Congresso Diocesano de Simão Dias, realizado em 1954, o jornalista Carvalho Déda escreveu “A História da Freguesia de Simão Dias” e publicou primeiramente no jornal A Semana (Simão Dias) edições de 9, 15, 23 e 30 de janeiro de 1954, e republicado na revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, páginas 5-15, Vol. 20, nº 25, de 1960. Vejamos um trecho:

            A história cristã da Freguesia de Santana de Simão Dias, não é para ser narrada num discurso ou numa conferência. A despeito de ser uma Paróquia novo em comparação com outras Paróquias da Diocese de Aracaju, pois conta apenas 119 anos de sua criação, a marcha histórica e evolutiva do cristianismo neste rincão sergipano vem dos albores coloniais.

               Se nos transportarmos, numa visão retrospectiva, ao tempo em que o violento conquistador Conselheiro Luiz de Brito e Almeida ocupou o Governo do Norte do Brasil, iremos encontrar brilhando, dentro na mata virgem, nas serenas barrancas, do Caiçá, a segunda flama do cristianismo.

               Diz a história que ao chegar ao Brasil para ocupar o cargo de Governador Geral, Men de Sá procurou de logo desfazer o estado de desconfiança então existente entre colonos e jesuítas. Os últimos dias do Governo de D. Duarte da Costa tinham sido de maus presságios para a política de colonização. O antecessor de Men de Sá havia entrado em sérias divergências com o austero Bispo D. Pero Fernandes, dando lugar a formação de dois partidos; um para apoiar o nosso primeiro Bispo, e outro que se batia ao lado do segundo Governador Geral.

               Men de Sá, porém, político de rara habilidade arguto, inteligente, compreendeu que o êxito da sua política de colonização estava na colaboração do clero; por isso, antes de tomar posse do seu alto cargo “passou cerca de uma semana em exercícios espirituais, sob a orientação do Padre Manuel da Nóbrega, no Colégio dos Jesuítas”. Assumindo o Governo Geral depois desses piedosos exercícios, estabeleceu Men de Sá o seu programa de conquista em colonização, quem devia se estender para os lados de Sergipe. Após tão piedosos exercícios sob a orientação do Padre Nóbrega, que seria o seu melhor auxiliar no governo, claro que a palavra de ordem de Men de Sá, não seria senão aquela que lhe fora inspirada pelo santo missionário Jesuíta; – Conquistar Sergipe pelo Evangelho e não pelas armas! (…)

Um livro Inédito

            O livro Brefáias e Burudangas do folclore sergipano, de autoria do jornalista Carvalho Déda, desde 1956 que já estava concluído, pronto para ser editado. Mas continuava inédito e este motivo levou o poeta jornalista Freire Ribeiro, após atenta leitura, escrever um longo artigo, mostrando as autoridades governamentais, a importância da publicação do livro para o povo sergipano. A obra em questão, só foi publicada onze anos depois, (edição particular), pela Livraria Regina. Vejamos um trecho:

            (…)

               A carestia e o mercado, nas agruras do tempo, não conseguem calar, um só instante, a voz do nosso pensamento nas irradiações da Beleza. Agora mesmo, tenho em mãos, um trabalho magnífico de Carvalho Déda, em se tratando de desvelar para o Brasil o riquíssimo “folk-lore” sergipano. Trabalho de fôlego, de pesquisa e paciência beneditinos. Ditos, estórias, linguagem das cousas e da terra, provérbios, anedotas, comparações, crendices, cantadores, são o livro do Sr. Carvalho Déda que, com certeza alcançará da crítica aplausos merecido. Merece acolhido com simpatia pelas associações de cultura, Governo e povo o livro em tela, ainda inédito, mas já tão lido, tão saboreado e aplaudido pelos homens de cultura do nosso Estado.

            Com justiça, o Sr. Carvalho Déda continuou para o Brasil o que Silvio Romero escreveu sobre o nosso folk-lore, nesse documentário vivo da alma do nosso povo e de nossa gente.

               Que não lhe falte a necessária ajuda do Poder Público, do nosso Governador que, no momento, procura desvelar, mais do que nunca. Sergipe para o Brasil através dos nossos valores e do nosso trabalho.

            Está de parabéns no Sr. Carvalho Déda e, com ele Sergipe nesse documentário vivo d nossa inteligência no mundo do folk-lore. Sim Carvalho Déda sempre enamorado das cousas belas, ele que, num passado distante na velha Simão Dias ouvia, João Canário natural de Itabaiana a percorrer todo o território sergipano, espalhando, na espontaneidade da rima sertaneja, os mais perfeitos quadrões, sextilhas, galopes, martelos, lundus, rapaduras e outras modalidades de cantorias do ser perdulário e inesgotáveis veio poético. (…)

(À Margem de um livro de Folk-lore, J. Freire Ribeiro. Correio de Aracaju, Ano XLVII – nº5012, 6 de fevereiro de 1956)

Produção Literária

Na década de 1960, Carvalho Déda dedica-se à literatura, pesquisando e escrevendo sobre temas históricos e sociais. Vários dos seus artigos, depois enfeixados no livro Brefáias e Burundangas do folclore sergipano. Vejamos um pequeno comentário publicado na Revista Brasileira do Folclore nº20, Rio de Janeiro, 1967:

            Apresenta, o autor, uma coleta de manifestações folclóricas sergipanas, com predominância do setor da literatura oral, que se mostra em vários em capítulos, quer em prosa quer em verso. E ainda são anotados costumes e normas sociais, crendices e medicina popular, práticas religiosas, técnicas e diversões.

               Não houve uma sistemática para o levantamento nem para a ordenação dos capítulos – o que o título do livro, com seu modismo, nos avisa – tampouco foram os fatos interpretados cientificamente. O desejo do autor foi oferecer dados válidos que poderão servir de conhecimento, de confronto ou ponto inicial para levantamentos mais densos, norteados para fins de pesquisa.

            O material se em parte se incorpora aos registros de outros Estados, tem também sua feição regional, comprova o intercâmbio, o dinamismo cultural e ainda a unidade de nossa formação, do povo brasileiro, com soluções muito idênticas porque muito próprias e muito suas.

Faltaram as pautas musicais dos Reisados, São Gonçalo, Toré, Valor da Galinha, Velórios, Barricão, Parafuso e outras mais que, além de enriquecer o livro e complementar o informe, seriam elementos indispensáveis para cotejo e estudo das características de nossa música folclórica.

O capítulo final “Vocábulos”, ordenado alfabeticamente, contém algumas centenas de palavras então registradas com o sentido que a gente de folk lhe dá e é contribuição de muito mérito para a dialetologia de Sergipe.

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Morte

José de Carvalho Déda faleceu em 2 de setembro de 1968, antes de completar 70 anos. Vejamos uma Nota publicada na Gazeta de Sergipe, nº 3649, de 3 de setembro de 1968:

Morre Carvalho Déda

Repentinamente, vítima de um enfarte, faleceu ontem na cidade de Simão Dias, o senhor Carvalho Déda, ex-deputado estadual, líder do governo e jornalista brilhante, além de ter almas obras publicadas, versando sob o folclore sergipano.

A norte do sr. Carvalho Déda – pai do juiz Artur Déda, de Maruim – consternou a cidade de Simão Dias, onde residia e que compareceu em peso ao seu sepultamento, ocorrido a tarde de ontem, no cemitério local. Da capital sergipana seguiram representações do Poder Legislativo, Judiciário, políticos, amigos e admiradores do diretor do jornal “A Semana”, de Simão Dias.

Quem foi

            “Na juventude, o senhor Carvalho Déda foi operário”, conforme lembrou o deputado Francisco Novais, na Sessão de ontem da Assembleia, suspensa, pouco depois, como homenagem póstuma. Depois, tornou-se comerciante, dedicando-se em seguida à Política.

Foi eleito deputado estadual e durante a administração do senhor Leandro Maciel, foi líder dom governo. Advogado provisionado, fundou o jornal “A Semana”, em Simão Dias, que circula até nossos dias, graças a persistência e a obstinação do seu trabalho.

Recentemente, o senhor Carvalho Déda lançou livros sobre o folclore sergipano – matéria que o fascinava -, obtendo aplausos da crítica nacional.

Sepultamento

               A morte do senhor Carvalho Déda consternou a cidade de Simão Dias onde residia.  Ao seu sepultamento, representações das escolas locais compareceram misturando-se a representações do Poder Legislativo (Comissão composta pelos srs. Francisco Novais, Baltazarino Santos, Edson Mendes de Oliveira e José Valadares), Judiciário, políticos da terra, etc.

               A beira do túmulo, falaram – prestando a última homenagem ao diretor de “A Semana” – o ex-governador Celso de Carvalho, o deputado Francisco Novais, em nome do Poder Legislativo e o prefeito Antônio Valadares, Raimundo Diniz, todos destacando o trabalho empreendido, quando em vida pelo senhor Carvalho Déda.

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Reedição da obra

Em dezembro de 2008 foram reeditadas antigas edições e alguns livros inéditos, edição comemorativa 110 anos de nascimento e 40 de morte. Uma caixa reúne um DVD biográfico com duração de 20 minutos, um CD Rom contendo todas as edições do jornal A Semana, referentes aos anos de 1946/1947, patrocinado pelo Banese Card. Estão na mesma caixa quatro volumes: a reedição de Brefáias e Burundangas do folclore sergipano (1ª ed. 1967); a reedição de Simão Dias – Fragmentos da sua história (1ª ed. 1967), a primeira edição do romance Formigas de Asas e um livro que traz um texto biográfico sobre Carvalho Déda, depoimentos de contemporâneos dele, artigos, discursos parlamentares, conferências e outros textos escritos por ele. Sob a curadoria de Luiz Antônio Barreto (1944-2012) foi organizada uma exposição O Mundo de Carvalho Déda, onde foram apresentados 50 painéis distribuídos em torno de cinco eixos temáticos: o cidadão, o político, o intelectual, o jornalista e o xilógrafo.

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BOX

José de Carvalho Déda, Zeca Déda, autodidata, rábula, deputado estadual constituinte em quarenta e sete, deputado estadual por três mandatos, jornalista e folclorista. Era, no prosear roseano do grande mineiro, de uma raça de homens que o senhor mais não vê, mas eu vi ainda. Ele tinha conspeito, esse neologismo belíssimo criado pelo Guimarães Rosa. Conspeito, consideração e peito, ele tinha um conspeito tão forte que perto dele até o doutor, o padre e o rico se compunham. Dele carrego o legado ou o carma da minha vocação política.

               Marcelo Déda, Discurso de posse como Governador do Estado de Sergipe, em 1º de janeiro de 2007.
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Jornalista, escritor, Doutor Honoris Causa concedido pela UFS. Membro do Grupo Plena/CNPq/UFS e do PCIR/CNPq/UFS/gilfrancisco.santos@gmail.com