Conversa na sala do consultório

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Por Eliecim Fidelis

Cadeiras ocupadas, pessoas apoiadas nas paredes e na porta do sanitário. O consultório médico atende por convênios e pelo SUS. Todos conectados, ninguém olhava ninguém. Ouviam-se ruídos e clicks. Alguns tensos, outros com os olhos franzidos como se tivessem esquecido os óculos.

Uma senhora de bolsa vermelha correu apressada para se sentar na cadeira que vagou nos fundos. Logo que se sentou, cumprimentou a vizinha à esquerda e disse: “Acabei de mandar a mensagem diária no grupo; se não mando, elas cobram, mas só posto coisa positiva”. A vizinha concordou com a cabeça, e demonstrou estar a fim de uma boa conversa. Elogiou as palestras do TEDx a que assistiu em Praia do Forte. A outra não soube o significado da sigla. “É um evento que compartilha ideias e inspira pessoas a encontrarem propósitos”. A outra se mostrou impressionada ao saber que a Preguiça de Coleira estende a mão aos humanos para agradecer por uma boa ação, e reagiu: “Hoje são raros os humanos que estendem as mãos”. Sobre a conexão que existe entre as plantas através dos galhos e raízes, disse: “E hoje as conexões humanas tornaram-se líquidas”. Quando ouviu dizer que o sexo das tartarugas se define em função da temperatura da areia, ela disse: “o sexo humano hoje se define em função das cores”.  

O assunto mudou para o uso nocivo das redes, e passou a interessar à jovem morena, sentada ao lado de um senhor de óculos escuros. Sobre a série Adolescência, da Netflix, houve discordância quanto à omissão dos pais ou da escola, ou à permissividade do uso da Internet. Sobre os termos usados no seriado, a jovem foi comentando: “Incel é uma comunidade de homens que odeiam as mulheres porque não conseguem estabelecer relações afetivas ou sexuais; e os emojis são usados para expressar ideias misóginas: a dinamite, pílula vermelha, indica adesão à comunidade Incel; o ícone 100 reforça a teoria 80/20 que diz que 80 por cento das mulheres se interessa apenas por 20 por cento dos homens; e o coração com fogo simboliza desejo sexual intenso”.

“O doutor já chegou?”, gritou o homem de óculos escuros. Era um senhor de corpo esbelto, mãos apoiadas nos joelhos. Era o único que não usava celular, o único com expressão serena, e sua pergunta ecoou fazendo todos olharem os relógios.

Vários perguntaram. A mesma resposta se repetia: “um minutinho”. A vizinha pediu silêncio, a outra se levantou: “Isso é um desrespeito!”. Todos pareciam ter acordado. Enfim, a recepcionista informou que o médico se atrasou nas cirurgias e pediu para remarcar os horários. A jovem encerrou a conversa sobre emojis, pegou na mão do homem de óculos escuros e disse: “Vamos, vô, dá tempo pegar o aparelho auditivo e assistir à aula de braile”. 
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Psicanalista e escritor, membro do Espaço Moebius Psicanálise – fidelis.eli@gmail.com