EDSOLEDA PINTA INSPIRADA NA ANCESTRALIDADE

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Por Reynivaldo Brito

Edsoleda pintando no ateliê.

Há décadas que Edsoleda Santos  começou a pintar  umas formas orgânicas, em seguida ainda na década de 60 vieram composições inspiradas na paisagem urbana, onde mesclava os casarões coloniais com os prédios mais modernos em suas aquarelas e depois em pinturas de acrílica sobre tela . Nas composições já incluía rendas e figuras humanas , as festas cívicas e religiosas incorporadas à vida dos baianos. Finalmente, afloraram os sentimentos da convivência desde criança com a bisavó e um tio ligados à religião dos Orixás. Foi aí que ela terminou optando por seguir este caminho influenciada por seus ancestrais. Já escreveu e ilustrou doze livros sobre os Orixás, e está em vias de concluir o décimo terceiro, todos publicados pela Solisluna Editora unindo a natureza, a religião e a arte. Evidente que sua produção atual passou a ter como tema principal o candomblé com toda sua exuberância de cores, danças, a riqueza dos seus trajes e outras ferramentas que identificam cada um dos orixás. Mas, a produção de Edsoleda é diferenciada, sofisticada,uma produção artística realizada com muita técnica e criatividade. Foi premiada com um desenho na 1ª Bienal Internacional de Artes Plásticas da Bahia e no Salão de Vitória do Espírito Santo, dentre outros prêmios. Disse ter pesquisado várias técnicas durante a sua trajetória artística diversificada como pintora, figurinista, design gráfica e ilustradora.

                                               QUEM É

Quatro aquarelas sobre papel da artista.

Seu nome de batismo é Edsoleda Maria Maciel Santos, nasceu em cinco de fevereiro de 1939, filha de Jorge Adalberto Santos e d. Maria de Lourdes Maciel. Tem poucas lembranças do pai apenas que fazia contabilidade e que tinha uma voz de barítono. “Meu pai cantava muito bem, inclusive num coral e era fã de Vicente Celestino, mas fumava que nem uma caipora, então adoeceu e morreu cedo. Já na minha primeira exposição ele andava adoentado. Era muito amigo do pai de Dorival Caymmi, que morava nos Bandeirantes e sua família  na Ladeira dos Tupis, no bairro de Brotas, em Salvador.Ele ia para lá levando seu violão e os desenhos da filha Edsoleda Santos debaixo do braço os quais mostrava aos amigos com muito orgulho . Sua mãe e tias não gostavam e achavam que aquilo não ia levar a nada e nem garantir o seu futuro. “Edsoleda disse que ele foi realmente uma pessoa que apoiou a minha decisão de ser artista. A minha família não apoiava e quando decidi estudar na Escola de Belas Artes minhas tias e outros parentes não gostaram, mesmo porque a escola funcionava na Rua 28 de Setembro, que na época era em pleno brega.”  Disse que certo dia vinha descendo a Rua 28 de Setembro à caminho da Escola de Belas Artes quando encontrou umas conhecidas de suas tias. Elas ficaram surpresas, e uma delas perguntou: O que você está fazendo aqui? Foi aí que respondi eu estudo ali, e apontou para o antigo e majestoso prédio da Escola. Lembrou que elas fizeram caras de espanto e desaprovamento.

Edsoleda Santos e alguns livros de sua
autoria sobre os orixás.

Estudou o primário no Liceu Brasileiro de Educação, que funcionava bem no meio da Ladeira da Fonte Nova, no bairro de Nazaré, em Salvador, e o professor era Eufrates Meireles. ele tinha a pedagogia antiga e aplicava bolo quando os alunos erravam ou faziam alguma traquinagem, e não valorizava a arte. Quando acontecia ela fazer algum desenho num dos cadernos escolares ele mandava escrever cem vezes: Não devemos riscar os cadernos.  Foi em seguida estudar no Ginásio Bahiano de Ensino, que funcionava no Campo da Pólvora, do professor Hugo Baltazar da Silveira, e depois recebeu uma bolsa de estudos para o Colégio de Aplicação, onde terminou o ginásio e fez o colegial. Ali como era um colégio modelo, pertencente a Universidade Federal da Bahia,  tinha vários professores de faculdades. Certo dia resolveram fazer um Teste Vocacional com os alunos. Foi um trabalho com questionários, várias etapas,  profundo e quando saiu o resultado para ela deu que sua vocação era para artes. Edsoleda Santos tinha passado em quase todas as disciplinas no Colégio de Aplicação, mas perdeu a disciplina Física, na primeira e segunda épocas. Lembra que o professor era muito rigoroso. Como na Escola de Belas Artes podia entrar apenas com a conclusão do ginasial, decidiu fazer o vestibular nos anos 60,com apenas dezessete anos.  Já em 1965 fez sua primeira exposição na Galeria Convivium, que ficava na Rua Senador Costa Pinto. O professor e artista visual Juarez Paraíso era diretor da galeria e os proprietários os irmãos  Antoni Bloise e  Liana Bloise.

                                  FORMAÇÃO

Três representações de Exu, Laroyê,
e Baiana do Acarajé.

Na Escola de Belas Artes passou quatro anos fez Bacharelado em Artes Plásticas e em seguida   Licenciatura em Desenho, porque “eu era uma pessoa pobre e precisava trabalhar”. Quando estava ainda estudando trabalhou como recepcionista na Sutursa, que era o órgão de turismo da Prefeitura Municipal, e sua função consistia em falar das igrejas, do casario colonial e dos pontos turísticos da Cidade aos turistas que visitavam a Cidade. Em 1970 surgiu um concurso para professor do ensino médio. Fez o concurso, foi aprovada e passou a trabalhar no Colégio Estadual Severino Vieira, no bairro de Nazaré, em Salvador, que era dirigido pela professora Amália Magalhães. Disse que a diretora  criou um Centro de Educação Artística e gostava muito de arte. Lá estavam também Emília Biancardi, ligada à música a cultura,Elíbia Portela,Nildéia Andrade e Nini Gondim,  dentre outros. Ela apresentou um projeto de arte As Quatro Estações, que foi aprovado e  passou a trabalhar com os alunos e até funcionários. Cuidava   das vestes, alegorias e adereços dos desfiles olímpicos e também montavam peças teatrais. Considera que foi um período prazeroso, e de aprendizagem. Quando Amália Magalhães foi afastada do cargo de diretora Edsoleda Santos  afirmou que  decidiu também sair. Nesta época já trabalhava no Departamento Cultural, da Universidade Federal Bahia, cujo Diretor era o professor espanhol Valentim Calderon, que era arqueólogo. Ele queria que ela fizesse os desenhos de pedras e outros artefatos, mas confessa que não gostava de copiar, e que havia no departamento uma colega que tinha extrema facilidade em fazer este trabalho. “Ela copiava tudo certinho.” Aí  permaneceu  fazendo cartazes e outros trabalhos ligados à divulgação e  comunicação. 

Litografia  duas iabás, de Edsoleda

Em seguida foi trabalhar na Coordenação da Extensão, e o cargo era de Figurinista. Fez o Mestrado e sua tese foi Oxum, todo o universo de Oxum. Trabalhou com Conceição Castro, hoje professora aposentada da Escola de Dança da UFBA, criadora do Grupo Odundê, que teve um papel importante na divulgação da dança baseada em nossas origens.Foi ela quem convidou Edsoleda para criar o figurino e os adereços. Queria figurinos inspirados na força e energia dos orixás. A artista  foi assistir muitos ensaios e passou a desenhar os dançarinos em movimento  no palco.  Surgiu então com mais força seu interesse pelas coisas de santo. Este trabalho durou  dez anos e neste período foram apresentados vários espetáculos. Esta oportunidade de desenhar corpos em movimento foi muito importante para a artista Edsoleda Santos quando foi   ilustrar seus livros onde  as figuras  aparecem dançando, se movimentando. 

Veio o período Collor de Melo e viu que tudo parou, não tinha como crescer. Na época conversando com uma amiga ficou sabendo  que ia ter um concurso para o mestrado na Escola de Belas Artes. Decidiu fazer o concurso mesmo sabendo que era mais destinado aos professores . Foi aprovada , e escolhida sua  orientadora  a professora e artista visual Celeste Almeida . Seu objetivo era fazer carreira como escultora, mas lhe inscreveram para Pintura. Edsoleda Santos  tinha estudado escultura  com o professor Ismael de Barros, logo  quando entrou para a Escola de Belas Artes e  depois foi aluna  também de escultura de Juarez Paraíso . Para sua surpresa  quando recebeu  o resultado do concurso tinha passado  em primeiro lugar, concorrendo com vários professores. Fez um memorial e uma série de  aquarelas.   Coube à professora  Maria Helena Flexor a  correção  das provas escritas. Lembrou que ela  lhe disse que a sua prova estava perfeita, e recebeu na prova escrita 9,99. 

Depois  passou a se interessar em estudar e ver toda a parte bibliográfica  do candomblé. Já tinha a pesquisa de campo com sua bisavó Ebami Maria Augusta Pires, conhecida por Ebami,  e com o tio Raimundo Pires  , pois iam para as festas da Casa de   Maria Bernadete  dos Santos, a Dona Detinha, no terreiro de  Awzidi Junçara . Ele era filho de santo de d. Detinha, e tinha  referência Tatakamukengue. A mãe de santo d. Detinha    era de Ogum com Nanã. 

Composição com a velha Salvador e prédios
modernos envolvidos numa renda.

Edsoleda Santos  desde criança lembra que  assistia as festas  do candomblé. Quando sua bisavó  veio a falecer ela adoeceu com uma doença de pele e a mãe de santo d. Detinha jogou os búzios e revelou que “sua bisavô  já  nasceu feita, e você é herdeira, e tem uma missão na sua vida.” Não quis lhe passar qualquer remédio caseiro ligado ao candomblé para a doença de pele que ela estava acometida, porque segundo d. Detinha os parentes não iam aceitar , e aconselhou a procurar um médico. Isto ficou para trás, aconteceu há muitos anos, e hoje Edsoleda Santos pinta e escreve sobre os Orixás e manifestações ligadas a religião de origem africana, e tem convicção que está cumprindo a missão que lhes destinaram seus ancestrais.

         REFERÊNCIAS

Xangô numa bela pintura de
acrílica sobre tela de Edsoleda.

professor Juarez Paraiso escreveu em 1967: “Edsoleda Santos é um extraordinário exemplo, principalmente se considerarmos as transformações por que tem passado, tanto sugestivas quanto autênticas e espontâneas. De uma estrutura ortogonal, onde predominam os grandes planos geométricos e transparentes, suporte plástico da linguagem lírica, Edsoleda Santos atinge a maturidade de um franco expressionismo, surpreendentemente rico de implicações surreais, onde a curva melhor reflete as influências locais, geográficas, onde o barroco é a referência suprema”. 

Também o artista e professor Riolan Coutinho deixou o seu testemunho em 1973: “A monumentalidade arquitetônica e barroca de suas composições, aliada ao colorido lírico e poético, talvez seja a característica mais marcante de seus trabalhos atuais. E a Bahia lá está: luminosa, colorida, monumental, decorativa, doce, quente, poética e cheia de mistério”.

                                        EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS

Em 1965 – Galeria Convivium – Salvador-Ba; 1966 – Galeria Convivium – Salvador-Ba; 1973 – Galeria de Arte da Bahia, Salvador-Ba; 1974 – Museu de Arte Moderna da Bahia MAM, Salvador-Ba; 1975 – Série de Aquarelas  Histórias em Quadrinhos , Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador-Ba; 1981 – “ O Atelier “ Vitória da Conquista, Vitória da Conquista-BA; 1987 – Bon Vivant – Galeria de Eventos, Salvador-Ba; 1988 – Galeria do Complexo SESC-SENAC, Salvador-Ba; 1993 – Instalação Oferenda às Águas de Oxum- Galeria Cañizares , Salvador-Ba; 1995 – Onímàle Odó – As lendas de Oxum Galeria Solar Ferrão, Salvador-Ba; 1997 – Tramas Visuais no Universo Onírico – Galeria ACBEU, Salvador-Ba; 1997 – Ilustração de Três Poemas de Amor, na Comemorativa 150 Anos de Nascimento de Antônio de Castro Alves, com exposições das obras no Teatro Castro Alves, Salvador-Ba; 2000 – Bahia Mito Magia e Rendas – Conjunto Cultural da Caixa, Salvador-Ba;  2003 – Florais de Bach : Uma Jornada Poética – Conjunto Cultural da Caixa, Salvador-Ba.

                               EXPOSIÇÕES COLETIVAS 

E1965 – Coletiva – Instituto Cultural Brasil – Alemanha, onde foi escolhida por uma comissão formada por Genaro de Carvalho, Adam Firnekaes, Jacyra Oswald e Juarez Paraíso, para representar a nova geração de artistas baianos na Alemanha ; II Salão de Arte Moderna do Distrito Federal; 1966 – 1ª Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia – Prêmio Estadual de Desenho ;  III Salão de Arte Moderna do Distrito Federal; 1967 – Recebeu o 3º Prêmio de Desenho no 2º Salão Nacional de Artes, concedido pela Reitoria da Universidade Federal do Espírito Santo; 1970 – Coletiva Bahia Década 70 – Prêmio de Aquisição BANEB;  Criação e Coordenação do

Pintura de Oxóssi e o dragão.

desfile As Quatro Estações para as Olimpíadas Baianas da Primavera, promoção do Colégio Severino Vieira, premiada em primeiro  lugar; 1971 – Criação e Coordenação do desfile Olimpíada Intergalática, para as Olimpíadas Baianas da Primavera, promoção do Colégio Estadual Severino Vieira; 1972 – Coletiva Festival do Caribe; 1980 – 1º lugar no Concurso de Cartaz para o Festival de Arte – Bahia 80; 1983 – Coletiva Itinerante – Circuito do Nordeste; 1984 – Coletiva em homenagem à Mãe Menininha do Gantois; 1985 – Criação de Figurinos para o filme Jubiabá dirigido por Nelson Pereira dos Santos; Coletiva de litogravuras nas Oficinas do Museu de Arte Moderna da Bahia; 1992 – Classificada em 1º lugar no primeiro Mestrado em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia ; 1994 – Pesquisa de Moda Século XVI para os figurinos da peça dirigida por Manoel Lopes Pontes “A Mandrágora”; 2001 – Participação do livro + 100 Artistas Plásticos da Bahia com exposição das obras no Museu de Arte Sacra; 2004 – Coletiva “ Arte Negra Brasileira “ Pelourinho; 2007 – Exposição ao ar livre em homenagem a Cosme e Damião, no Campo Grande;  Coletiva Mulheres em Movimento, na Galeria Cañizares; 2010 – Coletiva –  Jornada Ecológica Move Arte; 2015 -Convidada Especial no Salão Bahia Marinhas ; 2016 – Coletiva – Artes Visuais na Bahia – A Produção da Mulher na Contemporaneidade – Museu de Arte da Bahia; 2020 – Participação da XXIV edição do evento Antônio, Tempo, Amor e Tradição com o tema Toinho por Toda Parte – Realização virtual na forma de Instagram de 1º a 13 de junho; 2021 – Participação da XXV edição do evento – Antônio, Tempo Amor e Tradição com o tema – Toinho por Toda a Parte com instalações de arte na Casa Atelier do professor Luiz Mário, em transmissão virtual de 1 a 13 de junho; Criação de vinheta para o portal de abertura do Museu Virtual Casa de Ganho do Grupo Musical – As Ganhadeiras de Itapuã, projeto desenvolvido pela Solesluna;  2022 – 13 de janeiro Inauguração do Projeto de Arte Pública Caminho da Fé autoria do artista plástico Juarez Paraíso, do qual participou com a obra linear – Cortejo das Baianas; 2023– Exposição na Galeria Cañizares em homenagem ao Bicentenário do 2 de Julho -Independência da Bahia.                                                      FEIRAS LITERÁRIAS

E2010 – 21ª Bienal Internacional do Livro – São Paulo como artista ilustradora dos livros Oxalufã e A Dama de Branco; 2011 – Autora e ilustradora dos livros Ibeji e Oxum nas comemorações do Novembro Negro, patrocinado pela Fundação Pedro Calmon;  Ilustrações para o livro 21 Poemas de Amor, autoria Cyro de Mattos; 2012 – Outubro Literário – Shopping Salvador; Participação na FLICA – Cachoeira Ba; 2013 – Participação na Feira Internacional de Frankfurt; Participação na Feira Internacional de Frankfurt

Iemanjá com belas tonalidades de azuis 
e ao fundo silhuetas de igrejas.

2014 – Participação na Feira Internacional do livro infantil de Bolonha; 2015 – Participação do Salão do Livro em Paris; 2016 – Lançamento do livro Iemanjá no espaço Ciranda Café Cultura & Artes; Feira do Livro UFBA no CAMPUS comemoração dos 70 anos UFBA; 2017 – Paraguassu Feira de Impressos no Palacete das Artes; Participação na Mesa – Mestres do Saber – FLIPELÔ; Colômbia – Medellin, exposição de livros na conferência de Valéria Pergentino, editora da Solesluna sobre – Alteridade, identidade e diferença nos livros para crianças; Feira do Livro de Sarah nos Emirados Árabes; 2023 – A Feira do livro de Pacaembu – São Paulo; Palestrante, “Nas asas da ancestralidade, , FLIPF Festa Literária Internacional de Praia do Forte; Bate-papo – Imaginários Plurais e suas representações simbólicas na Literatura 14 de julho no Museu de Arte da Bahia; Bate-papo na FLIPELÔ em homenagem a Mãe Stella de Oxóssi participantes: Enéas Guerra, designer gráfico, diretor da Solesluna, Edsoleda Santos artista visual e designer gráfico e Nelson Pretto professor universitário, Bate-papo sobre Arte Ancestral no Espaço Empoderamento – Casa Vale Do Dendê, na Festa Arte e Identidade no Instagram; 2024 – 26 de setembro. Contação da história de Ibeji para as crianças da Escola Gira Girou; Exposição Negras Memórias do design Brasileiro 14 Bienal Brasileira do Design Centro de Convenções – Aracaju.