ESCULTURAS MINIMALISTAS DELICADAS DE PAULO PEREIRA

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Por Reynivaldo Brito

Paulo Pereira em seu ateliê com
vários elementos de novas
esculturas que vai montar.

Existe uma perfeita simbiose e harmonia entre o artista Paulo Pereira e as madeiras que utiliza para criar suas esculturas minimalistas cheias de delicadeza e sensualidade. Quando estamos diante da série Agulhas imaginamos as dificuldades que encontrou para chegar àquelas formas finas, delineadas e delicadas com a perfeição que exige muto controle e criatividade. Ao examinarmos a série Dentes aí surge a sensualidade das formas e contornos sinuosos e não relacionamos de imediato que aquelas obras foram inspiradas em dentes humanos, mesmo porque a beleza das esculturas e a sensação de suavidade nos remetem e afastam das lembranças dos sofrimentos que enfrentamos nas cadeiras dos dentistas quando nos submetemos a uma extração ou mesmo a um tratamento dentário qualquer. Sim, porque estamos diante de uma obra de arte que nos eleva o espírito e mostra que os quinze anos que o Paulo Pereira passou fazendo molduras, portanto manipulando as tábuas de cedro, pau d’arco, freijó, mogno, itaúba, angelim e outras para ele e seus colegas lhe proporcionou uma convivência e conhecimento do que cada tipo de madeira pode lhe oferecer para criar suas esculturas. Hoje completamente dedicado à sua arte escultórica Paulo Pereira carrega este conhecimento e a habilidade de trabalhar suas obras que primam pela ausência de muitos elementos e a presença da delicadeza. Neste processo criativo tem algo de poético e é preciso ter um olhar cuidadoso e sensível para alcançar a dimensão das formas que Paulo Pereira nos apresenta com seu fazer de um construtor de objetos tridimensionais que nos convida a identifica-los. Ah! isto parece uma agulha de costura, ah! este aqui parece um dente. Será? Ele nos coloca num plano de fantasia lúdica num jogo que flui com a busca suave da construção de imagens dentro de nossos saberes.

O artista folheando caderno com 
várias pinturas .

Fui encontra-lo em seu ateliê na Ladeira do Desterro, no bairro de Nazaré, em Salvador. Um local que tenho lembranças de quando estudante porque morei ali num pensionato juntamente com primos e amigos de Ribeira do Pombal. Já adulto estive na casa onde morava o artista Emanoel Araújo, que me chamou algumas vezes para entrevistar artistas seus amigos, que estavam ali hospedados. Um deles foi o polonês radicado no Brasil Frans Krajcberg, já falecido, que estava indignado em outubro de 1975 com pessoas que atribuíam de sua autoria 23 quadros que ele peremptoriamente negava dizendo que “nunca pintei marinhas e os quadros que estão afirmando ser de minha autoria jamais os vi, a não ser quando da realização de leilão numa galeria carioca.” Lembrei-me do Waldeloir Rego grande designer de joias e um etnógrafo de mão cheia autor do livro Capoeira de Angola. Voltando ao Paulo Pereira cujo ateliê dista poucos metros da casa onde moravam Emanoel Araújo e o Waldeloir Rego lá passei boa parte de uma tarde misturado entre tábuas, tubos inox, formões de todos os tipos e tamanhos, goivas, chaves de fendas, serras, serrotes, martelos, prensa, e vários relógios antigos de parede enfim um mundo diferente e de aparência caótica, mas que o Paulo Pereira sabe onde está cada coisa. 



Paulo Pereira na sua bancada de trabalho.

Disse com orgulho que no meio daquele ambiente que para o visitante pode parecer caótico ele transita com tranquilidade e afirma que até agora só não encontrou um pequeno tubo de cola que desapareceu misteriosamente. Mas, tem a esperança de um dia encontra-lo, diz rindo. Falei sobre o ambiente onde o artista trabalha para mostrar como ele consegue se abstrair do que lhe rodeia e concentra sua energia nas obras que imagina e passa a conceber utilizando a madeira, o aço inoxidável e outros elementos que compõem as suas esculturas. O que me impressiona é o rigor técnico das suas esculturas quando a gente as examina de perto. Procurando ver o que ele estava criando encontrei vários elementos em duas salas como madeiras em formas circulares, já cortadas e polidas, círculos de tubos inoxidáveis, fios e outros materiais que estão sendo manuseados pelo artista para criar as suas novas obras.  Falou da dificuldade de encontrar em Salvador pessoas capazes de fazer um polimento dos materiais que utiliza do jeito que ele exige, e do perigo de ter um assistente porque pode passar a tentar imitar o que o artista faz. Isto já aconteceu com ele.

Paulo com sua primeira escultura.

As obras de Paulo Pereira têm a redução formal com a ausência de muitos elementos e características claras do minimalismo movimento que veio para se contrapor ao expressionismo europeu e surgiu nos Estados Unidos na década de 60, depois se espalhou pelo mundo afora. Muitas vezes o artista chega a estas formas simples pelo ato de criar, de fazer, e encontra ali um porto, um lugar onde se sente apto e seguro para se expressar. Necessariamente não buscou entrar naquele movimento. Foi uma passagem natural que fluiu no decorrer da sua produção artística. Longe de ser cartesiano é um fazer espontâneo que vai buscando se adaptar aos elementos que utiliza e as formas que surgem subjetivamente no seu inconsciente.  O conheci quando estudante ele e mais dois colegas fizeram uma exposição chamada de Alchimia, em novembro de 1987, na Galeria do Instituto Cultural Brasil-Alemanha -ICBA, hoje, Instituto Goethe, no Corredor da Vitória. Estiveram na sede do jornal A Tarde e fiz um texto sobre o trabalho deles e a pintura de Paulo Pereira tinha uma tendência ao construtivismo.

                                                                  O COMEÇO

Objetos criados por Paulo e que 
foram premiados.

É natural de Salvador, nasceu na Rua Daniel Lisboa, no bairro de Brotas em 29 de março de 1962. É filho de Eliezer da Silva Pereira e de Carmelita Assis dos Santos Pereira, ambos falecidos. Seu pai era estivador, operava guindastes no porto de Salvador e depois foi trabalhar na Petrobras, também operando máquinas. Seu nome completo é Paulo Cesar Santos Pereira. Ele diz que mesmo não sendo pessoas instruídas os seus pais não colocaram qualquer empecilho para ele seguir a sua carreira de artista. Fez seu curso primário numa escola do bairro a Escola Municipal Sebastião Dias, e disse que levou muito bolo de palmatória. Em seguida foi fazer o ginásio no Colégio Estadual João Durval Carneiro, e depois se transferiu para o Colégio Luiz Viana Filho, em Brotas, e finalmente foi concluir o terceiro ano colegial no Colégio Águia, na Praça da Piedade.  Foi neste período que Paulo Pereira como já desenhava desde os 14 anos, e o que despertou para a arte foi uns desenhos que um vizinho chamado Elias, não lembra o sobrenome, fazia com regularidade. Disse que o Elias não é um artista profissional, apenas tem o dom de desenhar. Assim passou a copiar as figuras de revistas e jornais, e quando estava no Colégio Águia filava as aulas para ir ao Museu de Arte Moderna da Bahia, e também para visitar museus e ir às exposições. Depois participou das Oficinas de Expressão Artística, da qual após concluir a faculdade passou a lecionar aulas de pintura e depois de escultura. 



Quatro pinturas feitas em papel.

A ideia inicial era fazer Arquitetura, porém a dificuldade em Matemática o

afastou do projeto. Em 1983 decidiu fazer vestibular para a Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia, onde diz ter permanecido quase sete anos, devido as greves constantes que ocorriam na Universidade Federal na luta pela redemocratização do país. Nesta época já desenhava e pintava uns quadros, fazia gravuras, “portanto não cheguei completamente sem experiência na arte na Escola”. Lembra que nos tempos da EBA foi difícil porque ele não dispunha de livros e outros recursos. Confessa que “foi dolorida, a minha busca por um caminho onde realmente me sentisse confortável e também realizado com o trabalho que estava fazendo.” Colecionava a série Gênios da Pintura, lançado pela editora Abril e sempre estava procurando ler e pesquisar. No ano 1989 saiu da escola e casou. Tem um único filho.  Foi trabalhar numa gráfica. Acordava bem cedo e ia para o trabalho. Mas, não era a sua praia e depois de um tempo saiu   do emprego e foi aí que começou a fazer molduras para alguns colegas, atividade em que ficou durante uns quinze

Mais pinturas onde podemos
ver a sua criatividade.

 anos. As exposições de Siron Franco aqui em Salvador foi o Paulo Pereira quem esticou as telas, colocava chassis e fazia as molduras encomendadas pelo galerista Paulo Darzé. Daí vem a sua relação com as madeiras que hoje utiliza para criar suas belas esculturas. Faz questão de dizer que fez o curso de restauração e “estes conhecimentos lhe ajudavam na arte de fazer molduras artesanais diferenciadas para cada obra. “Mas, tive que decidir em continuar moldureiro ou ser artista. Decidi ser artista, larguei as molduras e passei a criar minhas esculturas. Coloquei uma delas na Casa Cor, dei sorte porque as pessoas viram e gostaram do que fiz. Foi quando fui participar de uma exposição na Art Nata Galeria de Arte, de Rita Câmara, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador e de lá para cá nunca mais parei”, conta Paulo Pereira. Esta relação com as madeiras talvez tenha também algo de hereditário porque o pai de sua mãe era carpinteiro, mas tinha muito ciúmes dos seus instrumentos de trabalho e não deixava os netos nem chegar perto. Já o avô de seu pai, portanto seu bisavô, foi um santeiro conhecido na época e fazia muitos santos e restaurações para igrejas e outros clientes, mas Infelizmente ele nunca viu uma imagem feita por ele.

Neste instante lembrou da primeira escultura que fez durante as aulas de da professora e escultora Adele Bálazs, já falecida, na Escola de Belas Artes, da UFBA, e foi buscar para mostrar. Disse que a escultura com formas sinuosas tem muita influência do que a professora fazia e hoje está completamente distanciado. Perguntei por quê não faz mais molduras artesanais. “Talvez venha a fazer para minhas exposições. Não faço mais porque os caras não querem que eu faça do jeito que sei fazer. As molduras eram artesanais e têm um toque muito pessoal. Fiz para Justino Marinho, Jamison Pedra, Siron Franco, Lígia Aguiar, dentre outros. Quando passei a expor em instituições culturais como na Itaú Cultural, Caixa Cultural, Museu de Arte Moderna da Bahia e também no sul do país passei a ter um mercado que garante a minha sobrevivência.” Hoje disse que faz o que gosta. “Primeiro faço para mim e as coisas foram acontecendo”. Ele acha que é nestas instituições que forma e legitima o artista e não o mercado. Para ele o mercado é uma consequência desta legitimação do artista pelas instituições culturais e então o mercado vai fluindo naturalmente.  Acha estranho o mercado paulista, mas que continua insistindo. Disse que encontrou com o crítico de Arte o Ricardo Almeida e ele perguntou como estava indo no mercado paulista. Falou sobre esta dificuldade, mesmo depois de ter exposto em museus paulistas e que o crítico ficou surpreso e elogiou o seu trabalho. Lá já fez uma mostra no Museu Afro Brasil e também no Museu de Arte Contemporânea- MAC.

                                      VOLTA AS OFICINAS DO MAM-BA

O Edgard Filho, que era vice diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia, na

gestão de Heitor Reis, o convidou para ministrar aulas de pintura nas Oficinas de Expressão Artística. Ele recorda que tinha muita gente idosa que estava ali para ocupar o tempo e as senhoras faziam florzinhas e outros temas que ele procurava incentivá-las a criar livremente. Eram cerca de quarenta ou mais alunos e os que realmente tinham mais talento ele apenas de quando em vez dava uns toques e informações para prosseguirem criando livremente. Inicialmente eram aulas de pintura e depois foi ensinar Expressão Tridimensional e assim se passaram quinze anos até que o governo mudou, e a nova diretora Solange Farkas, que assumiu em 2007, resolveu acabar com as oficinas. Ao mesmo tempo que ensinava, disse que aprendia. Teve uma aluna de pintura e quando mudou para Expressão Tridimensional, ela quis fazer. Questionou, mas ela insistiu e lhe surpreendeu com os trabalhos que fazia e até participou de uma exposição da Galeria da ACBEU. Não lembra o nome da aluna, mas fica a lição para todos que ao ser procurado com insistência por alguém querendo realizar algo procure dar uma chance, esta pessoa pode lhe surpreender.

Três esculturas do artista.

Paulo Pereira lembrou também que pintou três telas e levou para um fotógrafo japonês, que tinha seu estúdio do bairro do Rio Vermelho para que as obras fossem fotografadas. Guarda até hoje as fotos e disse que ficou impressionado porque o fotógrafo oriental fez rapidamente as fotos segurando a câmera fotográfica ao invés de usar o tripé. Também não lembra o nome do japonês, disse que era já um senhor de idade e que muitos artistas o procuravam na época para fotografar suas obras.O Paulo Pereira era pintor e tentou inicialmente se estabelecer com suas pinturas e a passagem para a escultura foi um processo gradual desde aquela primeira escultura que fez na EBA. Lembra que inicialmente criou três esculturas com a forma de espermatozoides e tem uma cabeça que ele disse que se parecem com muletas. Mas, na realidade quis mesmo fazer espermatozoides e isto aconteceu após se submeter a uma operação de vasectomia. A cirurgia lhe marcou muito e resultou nestas peças, que foram premiadas. As pessoas gostaram. Certo dia estava na Lapa e viu um cidadão com muletas. Aquilo lhe impressionou e decidiu fazer três esculturas inspiradas nas muletas. Estas seis esculturas hoje estão no acervo do MAM-Ba. Depois passou a fazer uns objetos utilizando caixas de pinho norueguês que serviam de embalagem para bacalhau e ele conseguia este material reciclado na Perini. Dai em diante a escultura foi se tornando sua principal atividade artística e agora já está há mais de vinte anos. Porém, ele não abandonou totalmente a pintura e vem exercitando com certa frequência. Tive a oportunidade de ver umas belas pinturas neo expressionistas em dois cadernos, que ele guarda com carinho. Um de tamanho médio e outro menor, e algumas dessas pinturas são inspirados em sua mãe. São realmente exercícios que podem se transformar em belas pinturas pela qualidade das cores e da composição.

                                                    EXPOSIÇÕES

Já fez importantes exposições individuais e participou de várias coletivas. Tem obras em museus e acervos particulares, a exemplo no Museu de Arte Moderna da Bahia, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu de Arte Contemporânea de Feira de Santana e no Museu de Arte Contemporânea de Curitiba e na Coleção Gilberto Chateaubriand. Em 1986 fez uma  exposição individual no Museu de Arte Moderna da Bahia.  Foi premiado no 12º Salão da Bahia, no Museu de Arte Moderna da Bahia; em 2002 no IX Salão da Bahia, no Museu de Arte Moderna da Bahia, recebeu o Prêmio Petrobras; 1998 – premiado no V Salão da Bahia, também no Museu de Arte Moderna da Bahia;1997 no Workshop Brasileiros e Alemães , realizado no MAM-BA foi contemplado com uma viagem de estudos à Alemanha; em seguida participou do Panorama de Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo – MASP; ganhou uma viagem de estudos aos Estados Unidos .



Exposição coletiva com mais 4 artistas.

Coletivas : 1994 – 1º Salão Baiano de Artes Plásticas – Museu de Arte Moderna – Salvador/BA;  1995 – II Salão Baiano de Artes Plásticas no Museu de Arte Moderna da Bahia e no  V Salão Alcy Ramalho Filho, Curitiba, no Paraná e do  XXVII Festival International de La Peinture Cagnes-Sur-Mer, na França; em 1996 no III Salão da Bahia, no Museu de Arte Moderna da Bahia e exposição no  Museu de Arte Moderna – Rio de Janeiro/RJ ; 1997 – Museu de Arte Moderna – São Paulo/SP; 1998 –  Panorama da Arte Brasileira, Museu de Arte Moderna, Niterói, Rio de Janeiro e Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, Recife, Pernambuco; 2000– Galeria Árvore – Porto/Portugal; Haus der Kulturen der Welt – Berlim/Alemanha; Rumos Visuais – Itaú Cultural – São Paulo/SP; Bahia Agora, Centro Cultural Ramón Alonso Luzzy, Cartagena, Espanha; I Bienal Internacional de Buenos Aires, Museu Nacional de Belas Artes, Buenos Aires, Argentina; 2002 – Mostra Rio Arte Contemporânea I – Rio de Janeiro/RJ e no  Museu de Arte Contemporânea, Curitiba, PR.