Por Joaci Góes
(Ao amigo e Reitor José Carlos Almeida da Silva!)
“A alegria pelo prejuízo do próximo é, teoricamente, crueldade; crueldade, na prática, significa felicidade pela miséria dos outros” (Parerga e Paralipomena). Os crimes praticados em nome do egoísmo gozam da atenuante de serem meios para alcançarem um fim, enquanto a crueldade vê na miséria alheia um fim em si mesma, traço exclusivo do humano, em toda a escala animal. Observa Schopenhauer que a mediocridade, frequentemente associada à inveja, perturba-se com a excelência, disso resultando enorme atraso do progresso, em todos os domínios. Ele cita inúmeros exemplos de contribuições do maior peso que não foram reconhecidas, enquanto vivos seus autores, seja porque não houvesse pessoas capazes de entender as propostas, seja porque, havendo, fosse preferível o silêncio e a indiferença à dor de se verem assoalhadas em sua pequenez relativa. Schopenhauer denunciou a inveja dos músicos alemães como a causa responsável pelo não reconhecimento dos méritos de Rossini, célebre compositor italiano, seu contemporâneo. O boicote a Rossini chegou a ponto de um compositor, Giacomo Meyerbeer (1791-1864), pagar a espectadores para dormirem durante suas óperas (Jules Combarieu, 1859-1915, Histoire de la Musique, 1955).
Dentre os procedimentos que sugere, como proteção contra a inveja, Schopenhauer coloca a modéstia no primeiro plano, mesmo conhecendo a opinião de Goethe, para quem “só os canalhas são modestos”. Por isso, adverte: “Não provoque inveja”. O invejado deve manter distância do invejoso e, se possível, evitar qualquer contacto para neutralizar as causas. “Talento e genialidade devem pedir perdão ao mundo, já que coragem e orgulho não são suficientes para desprezá-lo”. “Quanto maior o talento, maior a solidão” (Parerga e Paralipomena). Há momentos, lembra, em que é tamanha a unanimidade do “silêncio ensurdecedor”, em torno de feitos grandiosos, que fica a impressão de um concerto prévio.
Porque sub-reptícia e inconfessável, a inveja passa a servir de arma, excepcionalmente lesiva, de que as mediocridades se valem para destruírem o que não são capazes de ser ou de fazer. O invejoso “recorre a todo tipo de manobra e artifício para esconder seu sentimento, tão cuidadosamente como o faria um pecador lascivo. Desse modo, passa a fingir que ignora a superioridade dos outros, superioridade que devora seu coração, como se não os escutasse, não os visse, como se não tivesse, sequer, notícia de sua existência. Torna-se um mestre da dissimulação. Paralelamente, procura, com o máximo empenho, evitar que a superioridade invejada tenha projeção. Mas, se tiver projeção, o invejoso procurará obscurecê-la, criticando-a, acerbamente, ironizando-a e caluniando-a, como o sapo que cospe veneno do seu buraco.
Por outro lado, o invejoso elogiará muito as pessoas sem expressão, medíocres, e até mesmo os inferiores que se dedicam ao mesmo tipo de atividade” (Parerga e Paralipomena). Schopenhauer incorporou à sua obra um artigo do London Times, de 1858, transcrito por Helmut Schoeck, onde se lê: “Não há vício de que um homem possa ser incriminado, não há vergonha, não há vileza, não há truculência que desperte tanta indignação entre as pessoas – contemporâneos, amigos e vizinhos – quanto o êxito de alguém. Este é o crime imperdoável, por excelência, que nem a razão defende, nem a humildade mitiga. O sentimento ‘Se os céus o abençoaram tanto assim, não tenho o direito de achar ruim?’ constitui uma expressão genuína e natural da mente humana vulgar. Quem escreve como não somos capazes de escrever, quem fala como não falamos, produz o que não podemos produzir, prospera como não prosperamos, atrai para si todas as acusações que podem condenar um ser humano. Abaixo com ele! Por que deixá-lo congestionar nosso espaço?”
Na próxima semana, veremos o que disse Sören Kierkegaard sobre este tema.