JUSTINO MARINHO É UM CONHECEDOR DA ARTE

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Por Reynivaldo Brito

Justino Marinho em seu ateliê finaliza
uma obra onde vemos motivos afros.

Vou falar hoje de um artista de múltiplas facetas: é desenhista, cartazista, ilustrador, pintor, conhecedor do movimento de arte não somente na Bahia, um artista que tem um relacionamento extenso com outros atores da arte espalhados pelo país, curador e crítico de arte tendo atuado no Jornal da Bahia e no Correio da Bahia juntamente com seu colega César Romero. Confesso que nossa conversa fluiu tranquilamente e o Justino Marinho acostumado a entrevistar falou por mais de uma hora sobre a sua trajetória artística até hoje. Curador de vários projetos e exposições de artistas baianos e coordenou os salões regionais da Bahia, que foi um espaço fundamental o qual revelou muitos artistas que residiam e residem no interior do Estado. Disse que seu primeiro contato com a arte aconteceu quando seu pai Carlos Marinho, decidiu levá-lo para ver uma exposição de Mário Cravo, no Belvedere da Sé, quando ele tinha por volta de seis anos de idade . Ficou chocado com as esculturas que o artista  apresentava o Cristo em situações inusitadas  mostrando o órgão sexual ereto, completamente desfigurado. Seu pai o levou e disse “Lhe trouxe para mostrar o que você nunca deve fazer”. Mas foi na I Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia e no ambiente universitário em  1968 que teve seu contato com o universo da arte e dali em diante passou a se interessar pelo assunto. Justino tem facilidade em fazer amizades e o ambiente universitário era propício para isto e assim  passou a cultivar amizades com estudantes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia e com artistas através das exposições que ,

Quatro obras recentes em acrílica sobre  
tela de sua fase abstracionista.

passou a visitar. Viu as bienais de 1966 e 1969 e foi aí que decidiu que seria artista. No colégio tinha uma professora de Prática Educativa que era a artista  Marlene Cardoso que foi muito importante para que despertasse para a arte. Lembra Justino Marinho que seus colegas não se interessavam muito pela matéria, mas que ele tinha um interesse diferenciado e assim a professora Marlene Cardoso o incentivou ainda mais. Dois anos depois o colégio mudou para a nova sede na Rua da Mangueira, no bairro de Nazaré, em Salvador-Ba. Ela fazia o segundo ano de Belas Artes e naquele tempo podia ensinar nos cursos secundários. Ficaram amigos e ela me falava muito sobre arte. Foi Marlene Cardoso que lhe induziu a visitar a  I Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia e inclusive ela expôs um desenho que foi premiado.

Fez o primeiro e o segundo ano primário em na ilha de Itaparica-Ba onde o seu pai Carlos Marinho, que era filho de português, foi nomeado coletor federal depois de fazer um concurso público. Aí terminou indo para Lençóis e terra de sua mãe Vilah de Souza Marinho. Sua ida deu-se em virtude do falecimento de um tio chamado Paulo  Athayde de Souza.

Ele faleceu aos 18 anos de peste bubônica em Lençóis. Como seus avós maternos ficaram muito abalados com a morte do filho e o Justino Marinho parecia muito com o tio talvez por uma compensação ele foi mandado para Lençóis. Lá estudou o resto do primário . Seu avô Domingos Batista Souza era o dono da única padaria da cidade e tinha fazenda. Justino disse que o avô foi casado duas vezes, tendo sete filhos no primeiro casamento e oito no segundo.  Como diziam que ele parecia muito com seu tio Paulo as pessoas da família passaram a ter um carinho especial por Justino. “Alguns chegavam a dizer que era a reencarnação do tio Paulo”, diz Justino Marinho rindo ao lembrar da situação. Foi por isto que seu avô pediu a sua mãe que era filha dele a deixar o Justino passar um tempo por lá. Ele disse que no curso primário da época estudavam música e desenho. Falou também de outro tio o Manoel Marinho conhecido por Maneca, que era jogador de futebol famoso na época e que chegou até jogar na Seleção brasileira de 1950, que foi derrotada pelos jogadores uruguaios. Dizem que os uruguaios deixaram o Maracanã lotado de torcedores em silêncio total. O seu tio não jogou esta partida porque estava machucado, mas ele sentiu muito a derrota. O último time onde ele jogou foi o Bahia e veio a falecer aos 42 anos de idade.

Quando veio para Salvador foi estudar o ginásio no Colégio Dois de Julho e ao terminar o ginásio foi para o Colégio Teixeira de Freitas fazer o curso de Técnico em Contabilidade. Aí conheceu muitas pessoas que eram mais desenvolvidas e como os artistas têm mais sensibilidade foi se entrosando com o movimento de arte baiano.

Obra sem título em acrílica sobre 
tela de 2019, onde prevalece o
grafismo.

Lembrou como conheceu seu colega e parceiro nas escritas do jornal o César Romero  quando ainda estudava no Colégio Mário Augusto Teixeira de Freitas, que na época funcionava junto à Casa da Itália, no Campo Grande. Justino e alguns colegas saíram caminhando até a Praça da Piedade e ao passarem em frente ao majestoso prédio do Gabinete Português de Leitura tinha um rapaz na porta que os convidou para entrar para ver a exposição que estava montada ali. Era o Cesar Romero que foi logo informando que um de seus trabalhos expostos foi premiado. Eles entraram e viram a exposição e dali em diante a amizade foi se consolidando através dos anos. A exposição era promovida pelo Colégio Maristas, onde estudava o Cesar Romero e  funcionava no bairro do Canela, sendo que o grande premiado foi o filho do pintor Jorge Costa Pinto, o João Jorge Costa Pinto que era um executivo e pintava, e o Cesar Romero ganhou um Prêmio Especial, isto no ano de 1965.

Finalmente foi realizada a I Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia montada  no Convento do Carmo em 1966-1967 e veio muita gente de fora. Teve uma sala especial com as esculturas de Mário Cravo e contou com obras de  muitos artistas consagrados em todo o país. Foi aí que decidiu de vez seguir a carreira artística.  Frequentando a Galeria Convivium esteve nas  exposições de Leonardo Alencar, Pietrina Ceccacci, e de muitos outros artistas e foi lá que viu pela primeira vez obras de Aurelino que já faziam parte do acervo da galeria. Veio a II Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia em 1968/69 que teve a participação de artistas mais ativos na luta pela redemocratização e foi realizada no Museu de Arte Moderna da Bahia. A bienal foi fechada e alguns organizadores foram chamados pela Polícia Federal, mas depois foi reaberta. Na época estudava Economia e conheceu o crítico Théon Spanudis que fez uma série de palestras para depois escolher os monitores da Bienal. Com esses contatos já estava mais decidido a fazer arte e partiu para a busca de um caminho que identificasse a sua arte. Foi quando o Antônio Pastore que era chefe de redação do Jornal da Bahia o convidou para escrever uma coluna de arte e juntamente com Cesar Romero iniciaram escrevendo, inclusive trocaram os sobrenomes. Justino Marinho assinava JR e César Romero como CM. Ficaram de 1975 a 1979.Lembra Justino que fez muitas entrevistas com Mário Cravo, Sante Scaldaferri, Calasans Neto, Jenner Augusto, Carlos Bastos e muitos outros. Naquela época esses artistas tinham status, consagradas, e eram celebridades na Bahia. Ai já assinavam com seus nomes verdadeiros. Viajou para o Rio de Janeiro que era o centro das artes onde conheceu os críticos Frederico de Morais, Walmir Ayala, Geraldo Edson de Andrade, Roberto Pontual, que era muito ligado à sociedade carioca.  Fizeram matérias com eles. Os artistas baianos consagrados  tinham uma ligação forte com Jorge Amado, que sempre os promovia. Foi o tempo que a arte da Bahia era muito 

Têmpera sem nome, onde vemos
losângulos que lembram balões
juninos e mancha

respeitada por esses críticos de nomes nacionais. Veio depois a geração de Emanoel Araújo, José Maria e outros. Fez sua primeira exposição em 1968 com sua professora Marlene Cardoso na Associação Cultural Brasil-Estados Unidos. Recebeu um convite do publicitário Marcos Gavazza para expor numa galeria que ele tinha na Avenida Sete de Setembro, galeria Scada, que funcionava junto ao seu escritório de publicidade foi quando José Dirson viu seus trabalhos e perguntou ao Gavazza quem era e escreveu um artigo sobre suas obras e ficaram amigos até hoje. José Dirson  organizou em 1968 no Gabinete Português de Leitura a exposição chamada de Jovens Artistas da Bahia e Justino  participou com dois trabalhos em bico de pena. Não usava cores. Lembrou que também o artista José Arthur integrou esta exposição e teceu comentários sobre a obra do artista que morreu cedo. “Ele sabia pintar muito bem, era uma pessoa de fácil relacionamento, mas parece que não deu sorte mesmo com o talento que tinha”.Ressaltou que nos anos 60 viu uma exposição de Emanoel Araújo no USIS, que funcionava no Politeama, no Centro de Salvador-Bahia, e aí ele já mostrava uma arte mais geométrica, talvez sob a influência do que ele tinha visto na Nigéria onde ocorreu  um festival e contou com as presenças de alguns artistas baianos como Yedamaria, Juarez Paraíso, dentre outros . Logo depois a convite de um diretor do Hotel Meridian, no Rio de Janeiro, expôs uma coletiva na Galeria do Instituto Brasil-Estados Unidos. Participaram Justino, César Romero, Bel Borba, dentre outros , quando conheceram o crítico Marc Berkovitz que ficou muito amigo do grupo e fez um bom trabalho sobre esta nova geração de artistas baianos. Muitos críticos e galeristas despertaram e tomaram consciência  que era uma nova geração que estava chegando, disse Justino Marinho.

Quando inaugurou o jornal Correio da Bahia ele e o César Romero deixaram o Jornal da Bahia e foram pra lá e passaram a ter um bom espaço de 1979 a 2008.  Quando o jornal diminuiu sensivelmente o espaço o Justino Marinho saiu, mas o César Romero continuou. Lembrou que entrevistaram  o famoso escultor Bruno Giorgi que estava expondo na Galeria Scultura, em São Paulo. Lá fez amizade com o editor de Cultura da Revista Veja, que estava no auge, que era o Cassimiro Xavier de Mendonça.  

ASSALTADO

“Cotidiano III”,têmpera de 2017,
com profusão de elemenos
 geométricos em cores quentes
.

Mas, como na vida nem tudo são flores um certo dia ao parar na porta do Hotel da Barra para deixar uns amigos que estavam ali hospedados foram assaltados por um casal que se dizia revolucionário, de revólveres em punho obrigou o amigo a entregar as chaves do carro e depois de rodar muito terminaram deixando-os no Núcleo Jota K, que é uma colônia de agricultores japoneses que fica no município de  Mata de São João-Ba. Eles conseguiram já pela manhã uma carona com os colonos que iam levar seus hortifrutigranjeiros para o Ceasa, em Salvador. Aproveitando este episódio desagradável fez uma exposição em 1978 na ACBEU inspirado no assalto sob o título Bandidos ou Heróis? Foi quando Matilde Matos escreveu o texto sobre a exposição.

Logo depois trabalhou um tempo no Museu de Arte Moderna da Bahia, com o diretor Heitor Reis e em seguida foi coordenar os Salões Regionais quando juntamente com Juraci Dória e Eduardo Evangelista dividiram o Estado em sete regiões distintas, sempre procurando incluir cidades que tivessem Centro Cultural para ter um local onde selecionar os artistas. Ai já estava formado e trabalhando como economista na Ematerba que depois se transformou em Ebal, e que  fechado recentemente. 

                                                    SUA ARTE

Disse o Justino Marinho que inicialmente fazia suas obras usando a técnica de bico de pena, o lápis de cor e depois o pastel a óleo . Já na sua primeira exposição realizada na ACBEU como dominava a técnica suas obras foram marcadas pelo pastel a óleo, o lápis de cor e as transparências de recortes de figuras neo expressionistas. O tema inicial era a luta do homem e a máquina e posteriormente passou a focar na discussão sobre solidão vivida na cidade grande e depois, as implicações provocadas na sociedade pela ditadura militar.

Afirma que o artista Gustav Klimt lhe influenciou neste início de carreira principalmente as décadas de 70 a 80 quando fez muitas exposições e participou de vários salões. O Gustav Klimt foi um famoso pintor austríaco simbolista que nasceu em 14 de julho de 1862, em Baumgarten, em Viena, na Áustria e morreu em 6 de fevereiro de 1918, na mesma cidade.

Para continuar com sua arte o  Justino Marinho teve que conciliar sua carreira de economista e artista, pois neste período o movimento de arte era muito ativo na Bahia. Ele entende que hoje vê uma desmotivação dos artistas, embora não tenha apontado as razões desta desmotivação.Hoje me falou  que tem especial apreço pelas obras de Paul Klee que foi um pintor e desenhista suíço nascido na comuna de Münchenbuchsee. Consta em sua biografia que foi influenciado pelo expressionismo, cubismo e surrealismo. Nasceu em 18 de dezembro de 1879, em Münchenbuchsee, Cantão de Berna, de influência alemã e morreu em 29 de junho de 1940, em Muralto, Suíça.

Nos anos 80 Justino Marinho passou a trabalhar com tinta acrílica sobre tela e seu trabalho  tem  uma pegada figurativa “mais denso e mais amplo. Saí dos limites do papel e as cores passaram a ser muito mais profundas.”  Hoje disse lidar com a figura e com a abstração e que suas cores estão entre os amarelos, azuis, vermelhos e as tonalidades de sépia. O cotidiano está sempre presente nas suas obras mais recentes e que se sente atraído pelas pichações dos muros, o grafismo e manchas nas paredes e vez por outra surge uma figura humana. Também me disse  que não está mais preocupado com exposições e que prefere a solidão de seu ateliê e que  não se preocupa com o ecletismo e nem em conceituar as fases de sua arte.

                                                    EXPOSIÇÕES

Obra “Cotidiano XXV”, de 2012 ,
técnica mista

INDIVIDUAIS – 1970 – na Biblioteca Municipal Juracy Magalhães Júnior, Itaparica-Ba; 1976 – Galeria da Associação Cultural Brasil-Estados Unidos-ACBEU, Salvador-Ba; 1978 – Galeria da Associação Cultural Brasil-Estados Unidos,Salvador-Ba;19080 – Dom Camilo Galeria de Arte,Salvador-Ba; 1990 – Galeria Cañizares, da Escola de Belas Artes da UFBA,Salvador-Ba; 1990-  Pontifícia Universidade Católica , Curitiba-PR; 1998 – Galeria Prova do Artista, Salvador-Ba; 2005 – VI Mercado Cultural – Caixa Cultural Salvador, Salvador-Ba; 2006 – Centro Cultural Correios, Salvador-Ba.

 SALÕES  E COLETIVAS – 1975– LXXX Salão Nacional de Belas Artes , Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro-RJ; lº Salão de Artes Plásticas Souza Cruz, Automóvel Clube do Brasil, Rio de Janeiro-RJ; 1976– IX Salão de Arte Contemporânea de Santo André, Centro Cívico de Santo André, Santo André-SP; 1977 – lº Salão de Verão da Bahia, Museu de Arte da Bahia,Salvador-Ba; 1977 – III Concurso Nacional de Artes Plásticas da Caixa Econômica do Estado de Goiás – CAICEGO- Parthenon Center, Goiânia-GO; 1978 – lº Encontro de Artes da Fundação da Cidade do Salvador, FUNCISA, Museu de Ate da Bahia, Salvador-Ba; 1979 – lº Salão de Artes Plásticas do Museu Regional de Feira de Santana, Feira de Santana-Ba; 1980 – IV Salão Nacional de Artes Plásticas , Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ; 1981 – XX Premi Internacional de Dibuix Joan Miró, Fundação Joan Miró, Barcelona, Espanha; 1984 – O Rosto e a Obra nº 7; Galeria do Instituto Brasil-Estados Unidos-IBEU, Rio de Janeiro-RJ; 1985 -Velha Mania: Desenho Brasileiro: Escola de Artes Visuais do Parque Laje, Rio de Janeiro-RJ; 1986 – XXXIX Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Museu do Estado de Pernambuco- Recife-PE; 1987 -Panorama da Arte Brasileira, Museu de Arte Moderna de São Paulo-SP; 1988 – A Mão Afro-Brasileira, Museu de Arte Moderna de São Paulo-SP; 1991 – 6ª ARTEEXPO, Los Ângelis ,Califórnia,USA; 1993 – Artistas Baianos, Galeria de Arte da TELEMIG, Belo Horizontem; 2001 -Arte-Arte Salvador 450 Anos, Lisboa- Guimarães, Portugal e Macau, China; 2007 – Viva  Cultura Viva do Povo Brasileiro – Museu Afro Brasil, São Paulo-SP; 2011 – Exposição da Coleção Inicial do Acervo do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira, Salvador-Ba.

PREMIAÇÕES – Prêmio de Aquisição Fundação cultural do Estado da Bahia; l Salão de verão da Bahia, Salvador-Ba; 1978 – Prêmio Aquisição Fundação Museu Cidade do Salvador, l Encontro de Arte da FUMCISA, Salvador-BA; 1998 – Prêmio COPENE de Cultura e Arte, Salvador-Ba.