Lições do desabamento na Igreja de São Francisco

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Por Victor Pinto

O desabamento do teto da Igreja de São Francisco de Assis, em Salvador, foi uma tragédia que ceifou uma vida, feriu seis pessoas e deixou marcas profundas na memória histórica e cultural do Brasil. A igreja, reconhecida mundialmente como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, é um ícone da riqueza arquitetônica e histórica baiana. Creio que o episódio expõe não apenas a fragilidade das estruturas físicas, mas também as falhas do sistema de preservação do patrimônio histórico no Brasil.

Li uma entrevista recente de Ernesto Carvalho, arquiteto e urbanista, e ele foi enfático ao analisar o caso. Para ele, desabamentos como o da Igreja de São Francisco são resultado de uma combinação de fatores: falta de manutenção, insuficiência de recursos e ausência de uma política de preservação eficiente. Eu concordo. Segundo o especialista, a preservação do patrimônio precisa ser entendida como um plano de Estado, não de governo. Para mim, a gestão fragmentada e desarticulada entre os entes federativos apenas agrava a situação.

A tragédia na Igreja de São Francisco é um reflexo da realidade do patrimônio histórico no Brasil. Em Salvador, cidade com um dos maiores acervos históricos do país, a falta de estrutura é evidente. A ausência de um sistema eficiente de preservação coloca em risco não apenas edifícios, mas também a história e a identidade cultural de inúmeras cidades brasileiras.

A responsabilidade pela preservação é muitas vezes confusa. No caso de bens tombados, como a Igreja de São Francisco, a manutenção deve ser compartilhada entre o proprietário e os órgãos públicos. No entanto, a falta de apoio financeiro e técnico deixa muitos proprietários de imóveis históricos em uma posição delicada. Sem incentivos ou subsídios, é quase impossível para particulares arcarem com os altos custos de conservação.

A preservação do patrimônio histórico precisa ser encarada como uma prioridade nacional e isso, na minha opinião, requer não apenas investimentos financeiros, mas também uma mudança de mentalidade. A educação patrimonial deve ser introduzida nas escolas, promovendo o reconhecimento do patrimônio como parte integrante da história e da identidade coletiva. Conforme o mesmo especialista que li a entrevista, quando a população valoriza e se apropria do patrimônio, a preservação deixa de ser um tema restrito às elites acadêmicas e se torna uma causa de toda a sociedade.

Os governos e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) também precisam assumir uma postura mais proativa. A burocracia e a falta de clareza nas diretrizes de preservação muitas vezes afastam potenciais parceiros, como empresas e investidores privados. 

Em alguns municípios, iniciativas como o IPTU histórico oferecem descontos fiscais para proprietários de imóveis tombados que realizam obras de conservação. Já a Lei Rouanet e outras leis estaduais de incentivo à cultura têm se mostrado ferramentas úteis para atrair recursos privados.

No exterior, países como Portugal e Itália têm modelos de preservação que envolvem a integração entre Estado, iniciativa privada e sociedade civil. Essas experiências mostram que é possível preservar o patrimônio de forma eficiente, mesmo em cenários de recursos limitados.

O desabamento do teto da Igreja de São Francisco não pode ser tratado como um evento isolado. Em 2023, parte do pátio da igreja foi interditada devido ao risco de queda de um pináculo, um sinal claro de que as condições estruturais estavam comprometidas. A remoção do pináculo pelo Iphan foi uma medida paliativa, mas insuficiente para garantir a segurança do edifício como um todo. Este episódio é um alerta sobre a precariedade do monitoramento e da manutenção de nossos patrimônios históricos.

Temos um lembrete doloroso de que o patrimônio histórico do Brasil está em risco. Mais do que lamentar a tragédia, é hora de agir. A Igreja de São Francisco, com seu valor cultural e histórico inestimável, merece ser restaurada e preservada como um símbolo da rica história brasileira. Precisamos de uma mudança real e efetiva na forma como cuidamos de nosso patrimônio. Afinal, preservar nossa história é preservar nossa identidade. A conferir.