Livro dos Cegos, do escritor Marcio Salgado, ganha tradução em espanhol

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O romance Livro dos Cegos (Caravana Editorial, 2024), do escritor e jornalista Marcio Salgado, ganhou uma tradução em espanhol, da editora e livraria argentina Caburé Libros. A nova edição foi lançada em Buenos Aires com a participação do autor.

No evento literário organizado pelo editor Leonardo Costaneto, houve lançamentos de livros, palestras e mesas de bate-papo entre os autores brasileiros e argentinos. O evento ocorreu na própria livraria, no tradicional bairro de Santelmo. O autor participou da mesa que abordou o tema Entre Nações e Narrativas: Literatura em Intercâmbio. Ao reunir vozes de diferentes contextos geográficos e linguísticos, os participantes convidaram a pensar os efeitos simbólicos, afetivos e políticos do encontro entre literaturas.

O romance Livro dos Cegos conta a história de um personagem em busca de sua mãe, desaparecida durante da ditadura militar no Brasil (1964-1985). Esta busca muda, radicalmente, quando o narrador encontra o livro, escrito numa linguagem não convencional, o Braille. A partir deste encontro, a busca do narrador-personagem e a história contada no Livro dos Cegos se entrelaçam. Segundo o escritor: “Então comprova-se que a verdade tem muitas moradas, a sua revelação pode surpreender, e não é tão certa como se espera.”

O autor observa que no decorrer do romance surgem episódios que fazem parte da história do país, são de domínio público, alguns os têm na memória porque viveram nesta época, outros apenas leram nos livros, assistiram a documentários, ouviram falar, mas encontram-se igualmente informados. Porém, adverte o escritor, “aqui trata-se de um romance, os episódios são narrados de uma forma muito particular, de forma que a realidade dos fatos não se sobrepõe à proposta estética do autor.”

Conforme Marcio Salgado, a tradução do seu romance para o espanhol tem significado especial, pois o livro reflete sobre um período em que os países da América do Sul encontravam-se, em sua maior parte, sob ditaduras políticas. O Brasil, com o golpe militar de 1964, foi acompanhado pela Argentina, o Chile, o Uruguai e a Bolívia. Em todos estes países instalaram-se, entre os anos 1960-1990, regimes que violaram os direitos humanos, causando a morte e o desaparecimento de militantes políticos. Era a época da Operação Condor – cooperação entre as ditaduras do Cone Sul, estimulada pelo governo norte-americano, para perseguir e eliminar os opositores políticos. Conforme diz um trecho do romance: “O sistema apresentava à opinião pública o país do futuro, onde vigorava um simulacro de democracia. Uma parte da população desconfiava do que via, a outra, enganava-se por falta de consciência política ou conveniência própria.”

O romance Livro dos Cegos reflete ainda sobre a conquista de democracia no Brasil, fazendo surgir novas formas de ação política. “Vários anos depois, muita coisa mudou no país, sendo a retomada da democracia a maior conquista desse período. Não se tornou um país maravilhoso para se viver, mas é bem melhor do que antes, ainda mais porque é possível desfrutar dessa sensação de liberdade.”

No capítulo final “Epílogo entre dois tempos”, o narrador convida a uma reflexão sobre as circunstâncias que se apresentam, sem ufanismos, com alguma esperança. “O sol surgiu lá fora após a noite de duas décadas, alguns voltaram do exílio, houve festas dos seus filhos e filhas, irmãos e amigos. Uma aura de bravura brilhou sobre suas cabeças. Os que guardavam a noite bateram em retirada, não satisfeitos com o que faziam, mas empurrados pelas circunstâncias. O povo havia tomado as ruas para dizer basta.”
Marcio Salgado é jornalista e escritor, com mestrado e doutorado em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduado em Jornalismo pela UFBA, trabalhou no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, e em outras mídias impressas e digitais. É autor dos romances O domador, O Filósofo do Deserto, e Livro dos Cegos, entre outros livros de poesia e ficção.

O romance Livro dos Cegos foi traduzido para o espanhol por Anderson Oliveira. Edição eletrônica de Ana Luiza Bilheiro Barata.

Trecho do Livro dos Cegos
“Até onde sei, Madalena partiu numa noite de chuva. Despediu-se do filho com um abraço apertado. Foi breve, como devia ser, do contrário se tornaria drama. Depois das lágrimas e da chuva sobreveio-me uma imensa falta. Não seria exato chamá-la de perda, pois só perdemos o que possuímos, mesmo que por curto tempo. Não sei como avaliar essa perda do que não tive. Se acho justo chamá-la assim é porque ser algum nasce de geração espontânea. Quando me entendi como gente percebi uma mácula turva à altura do peito que permaneceu todos esses anos. Muitas vezes a esfreguei no banho para removê-la, jamais obtive êxito.
Há muitas faltas, mas esta é irremediável – mãe de todas as faltas –, fez-me enxergar o mundo de um jeito estranho. Pensei que, se para tudo há um jeito, esse problema haveria de ter o seu. A solução, porém, não viria de uma forma direta, pois não se fabricam criaturas humanas, elas nascem, crescem e em pouco