Mentalidade de abundância e de escassez

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Por Joaci Góes
(Para os queridos irmãos Joilda e Deusemar Nunes)
Na sociedade do conhecimento em que estamos inapelavelmente imersos, a partir da década de 1970, o conjunto das riquezas naturais passou ao terceiro lugar como fator da prosperidade dos povos, assumindo o saber o primeiro posto, ocupando a mentalidade nacional dominante o segundo. É por isso que nações como as europeias, Israel, Singapura, Coreia do Sul e Japão, apesar de destituídas de riquezas naturais, estão entre as mais desenvolvidas, enquanto países como o Brasil, Argentina e Venezuela, não obstante suas grandes riquezas naturais, encontram-se entre os mais pobres e desiguais, porque, além de terem uma péssima educação, em todos os níveis, são dominados por uma mentalidade de escassez que os leva a desejar o quanto pior melhor, desde que o antagonista leve à breca, realidade que conduziu o estadista baiano a cunhar frase famosa: “O baiano gasta 100 para o vizinho perder 50. Essa suicida mentalidade de escassez, que não é monopólio dos baianos, tem nome universalmente conhecido: inveja, o mais destrutivo de todos os sentimentos humanos, causa dos maiores males.

            Na atualidade, o Brasil vivencia a sua fase mais crítica do apogeu dessa mentalidade destrutiva, no plano de sua experiência política, quando nos encontramos sob o domínio pleno da mentalidade de escassez, fonte de nossos tropeços, bastando mencionar o que vem sucedendo no plano de nossa prática eleitoral quando destinamos o voto para escolher o mal menor, diante do favoritismo de candidatos que asseguram o impedimento da boa e frutuosa convivência, dando lugar ao exercício de um odiento divisionismo que compromete a conquista dos avanços de que tanto carecemos para alcançarmos as possibilidades compatíveis com as grandes riquezas naturais que possuímos. Todo esse funéreo cortejo resulta da mentalidade de escassez dominante que, vindo de longe em nosso passado, exacerbou-se nos últimos anos, sobretudo a partir de 2018, na eleição de Jair Bolsonaro, político sem qualquer passado relevante, por encarnar, precisamente, o antagonismo máximo ao longo domínio de um petismo que culminou com a prisão de seus principais líderes.

            Do mesmo modo que Deus e o Diabo precisam um do outro para existirem, os extremos desse conflito nacional, Lula e Bolsonaro, dependem um do outro para assegurarem as respectivas lideranças. De tal modo Bolsonaro partilhava do entendimento de que Lula não tinha a menor possibilidade de eleição que nada fez para impedir sua obscena descondenação por um colegiado que vem se firmando como o pior tribunal do mundo. Lula, por outro lado, percebia que seu retorno ao proscênio da política dependia de concorrer com Jair Bolsonaro. O resultado é o que se viu em 2022: o oposto das eleições de 2018, em que o antibolsonarismo levou ponderável percentual da direita brasileira a tapar o nariz para dar a Lula a mais apertada das vitórias entre todas as eleições nacionais brasileiras, deixando em plano muito secundário algumas candidaturas dotadas dos requisitos morais e intelectuais para ocupar o mais elevado posto da magistratura nacional.

            O resultado histórico acumulado dessa mentalidade de escassez dominante no Brasil é o que se vê: um país dotado de tão grandes possibilidades patinar no desequilíbrio das ingentes desigualdades sociais que comprometem a higidez da vida nacional, com uma população majoritariamente analfabeta, incapaz de qualquer protagonismo minimamente competitivo, deficiência agravada por uma vida de doenças ocasionadas pela precariedade do saneamento básico a que tem acesso.

           Tem razão o pensador francês Joseph De Maistre (1753-1821) ao dizer que “cada povo tem o governo que merece.”