MESTRE ZU CAMPOS O PEDREIRO QUE VIROU ESCULTOR

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Por Reynivaldo Brito
Desde jovem que acompanhava o seu pai que era mestre de obras e levava seus filhos para aprender uma profissão. Muitas casas de moradores da Cidade de Vitória da Conquista foram construídas sob a orientação de Júlio Campos de Oliveira e com a mão de obra de seus filhos. Ele ensinava aos filhos vários ofícios no ramo da construção civil. Um deles era Jesuíno Campos de Oliveira, o mestre Zu Campos, conhecido por suas esculturas e entalhes que estão em museus e coleções particulares espalhadas por este Brasil afora e até no exterior. Mas, ao completar vinte anos de idade no ano de 1958 decidiu vir para Salvador tentar a vida e até 1964 jogou futebol no quadro de atletas do Galícia Esporte Clube. Paralelamente foi trabalhar de pedreiro no Museu de Arte Sacra da Bahia. Curioso ficava observando as formas das belas imagens que compõem o acervo do museu e assim passou a rabiscar os primeiros desenhos tentando copiar. Com o passar dos anos exerceu as funções de porteiro, guia e às vezes quando o diretor do museu o beneditino Clemente Maria da Silva Nigri tirava uns dias de férias e ia para a Alemanha sua terra natal o Zu Campos ficava tomando conta do museu. Chegou a fazer alguns desenhos e pinturas de imagens. Porém, certo dia estava em sua casa na Ladeira de Santa Tereza, número três , nos idos de 1966 quando um grupo de artistas pernambucanos tinha vindo para Salvador participar de uma exposição numa galeria que funcionava na Avenida Sete de Setembro – não lembra o nome – e estavam com problemas de arranjar um espaço onde pudessem trabalhar. Ele ofereceu seu ateliê na Ladeira de Santa Tereza, número três ,  e assim eles vieram e já trouxeram suas ferramentas. Aí passaram a criar as peças para a exposição e Zu Campos  observando e conversando sobre a arte do entalhe e de esculpir com os pernambucanos. Eles faziam esculturas e entalhes em madeira. Como já manejava algumas ferramentas na sua profissão de pedreiro resolveu arriscar fazer um entalhe. Pegou um pedaço de janela antiga de demolição, e assim surgiu o seu primeiro entalhe que guarda até hoje com muito cuidado.

Tomou a iniciativa de fazer o vestibular para a Escola de Belas Artes da UFBA e na Universidade Católica do Salvador, mas optou pela federal que era gratuita enquanto a Católica cobrava CR$ 200,00 pela mensalidade. Fez o curso de Graduação em Artes Plásticas, e  tempos depois durante vinte e quatro anos ensinou escultura e entalhes na Oficina de Expressão Artística, do Museu de Arte Moderna da Bahia, no Solar do Unhão, em Salvador. Enquanto isto fazia suas exposições aqui, no eixo Rio de Janeiro, São Paulo, além de outros estados e até no exterior. Hoje é tratado carinhosamente como Mestre Zu Campos por ter repassado seus conhecimentos para centenas de alunos, e muitos estão aí produzindo sua arte. Lembro que um dos alunos  foi o também conquistense Edmilson Ribeiro, já falecido, que era também um grande artista do entalhe. Tenho no meu acervo um entalhe e um oratório de rara beleza feitos por Edmilson Ribeiro, onde está presente a influência do mestre.

                                                      

 QUEM É

Faz questão de dizer que entrou como pedreiro e foi depois aproveitado como guia e do Museu de Arte Sacra da Bahia e isto influenciou na temática de sua obra que é baseada em temas religiosos. Foram muitos anos andando naqueles corredores silenciosos do mosteiro e convivendo com centenas de imagens de santos, anjos e querubins. Embora seja um caboclo forte, parrudo como se diz no popular, tem um temperamento doce, calmo e plácido que combinou perfeitamente com o silêncio do um mosteiro secular. Nasceu em 9 de março de 1939, em Vitória da Conquista, filho de Júlio Campos de Oliveira, Maria Vitória de Oliveira, e o casal teve oito filhos, sendo quatro homens e quatro mulheres. 

Nos anos que  trabalhou com seu pai e lembra que ainda com quinze anos já era oficial de pedreiro e que foi um aprendizado muito bom porque aprendeu a lidar manualmente com muitas  das ferramentas que veio  utilizar em sua arte. Ao completar vinte anos resolveu vir para Salvador, jogou futebol do Galícia Esporte Clube , mas a arte foi mais forte e decidiu ser artista. E o trabalho de pedreiro  no Museu de Arte Sacra da Bahia foi suficiente para fortalecer esta ideia. Passou desenhar as imagens sacras e depois leu muito enquanto exercia a função de guia do museu, e em consequência “virei fazedor de santos”, diz brincando.  Se desenvolveu tanto que passou a viajar pelo Brasil afora para ensinar sua arte escultórica. Tem um trabalho diferenciado como entalhador porque ele fazia sulcos profundos que lhe permitiam criar perspectiva e diferentes planos. Você olha um entalhe de Zu Campos e observa que ele faz uma rua, um beco em baixo-relevo, dando movimento com as figuras humanas que compõem a sua obra. Ainda tem a parte da pintura, porque  ao términar de esculpir pintava o casario, a rua e as figuras humanas ou religiosas que esculpia na madeira. Outro detalhe é que durante todo o tempo que trabalhou dava preferência ao uso de madeiras vindas das demolições de casarões coloniais. Era nesta madeira carcomida pelo tempo e abandonada que criava suas esculturas e entalhes. 

Tem seis anos que não mais trabalha com madeira, e isto aconteceu após ser acometido por um câncer de mama. Foi operado e de lá para cá vem se submetendo a um tratamento continuado, e o médico recomendou  não  continuar trabalhando com madeira. Diante desta dificuldade de fazer esforço físico está agora fazendo umas pinturas que lembram seus entalhes. Sempre os temas populares e religiosos surgem com as cores primárias, alegres. Já produziu umas trezentas dessas pinturas, diz sua esposa Maria Luiza Fontes, com quem está casado a cinquenta e quatro anos, tem um filho e uma neta. Está atualmente residindo no Areal de Baixo, número onze. Saiu da Ladeira de Santa Tereza,  onde residiu por várias décadas porque o ambiente nos arredores ficou pesado com a presença de muitos usuários de drogas e prostituição. A sua atual moradia ele adquiriu há mais de quarenta anos e agora vem reformando devagar. É um verdadeiro museu de esculturas, painéis e entalhes, inclusive o belo painel que ele fez e que ficava na entrada do prédio da TV Itapoãn está lá porque quando foi adquirida pelos dirigentes da  Igreja Universal os novos donos exigiram a sua retirada porque o painel é de temas do candomblé.

 Em 1977 escrevi: “A Via Crucis de Zu Campos : Zu Campos é o pai de uma gama de entalhadores baianos. Mestre no ofício de entalhar. Zu desliga-se do Museu de Arte Sacra e passa a viver do fruto do seu trabalho. Daí vieram várias exposições aqui e fora do Estado. Os sulcos feitos na madeira tornaram-se mais profundos num caminho natural em busca de novos espaços. A escultura passou a ser sua preocupação e, hoje, Zu Campos inicia vamos assim dizer sua carreira de escultor. 

Ele próprio diz das dificuldades que encontrou para fazer suas primeiras esculturas e conseguir formas equilibradas. Recentemente esteve em Brasília e Belém do Pará a convite de órgãos culturais dando aulas de entalhe. Formou uma escola que ganha e vence nossas fronteiras. Embora com essa imensa atividade, Zu Campos é um artista cuidadoso e meticuloso. Todas as peças que faz são documentadas fotograficamente e os desenhos que lhes dão origem são guardados. Tem uma preocupação desesperada em não se repetir.”

                                                      EXPOSIÇÕES

Fez sua primeira exposição na inauguração do Teatro Castro Alves em 4  de março de  1967. Lembra que aconteceu um fato curioso é que na abertura da exposição ele foi barrado na porta porque era exigido terno e gravata para a solenidade. Mesmo insistindo que era o artista que estava expondo não conseguiu entrar. No dia seguinte providenciou um terno e gravata e assim pode ver a sua própria exposição montada no foyer do Teatro Castro Alves. Ministrou cursos de entalhe na Associação Mineira de Imprensa – A.M.I, em Belo Horizonte; em 1972; Ministrou Curso de Entalhe no Teatro Paiol, em Curitiba e em 1973 na Esphera Galeria, em Porto Alegre, em 1973.

COLETIVAS: 1967 – Exposição na Toca de Arte, no Rio de Janeiro; 1967 – Exposição na Galeria G.H, no Rio de Janeiro; 1969 – Participou da 2ª Bienal de Artes Plásticas da Bahia; 1970 – Exposição Artistas do Nordeste – na A Galeria, em São Paulo; 1970 – Exposição Artistas da Bahia – na A Galeria, em São Paulo; 1972 – Participou do 4º Salão de Verão, no Rio de Janeiro; 1972 – Participou da Exposição do Sesquicentenário da Bahia; 1973 – 5º Participou do 5º Salão de Verão no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro.

INDIVIDUAIS : 1967 – Exposição no foyer do Teatro Castro Alves, em Salvador, Bahia; l967 – Exposição na Galeria Montmartre  , no Rio de Janeiro; 1968 -1970 – Exposições na A Galeria, em São Paulo; 1971 – Exposição na Galeria Chica da Silva, no Rio de Janeiro; 1972 – no Teatro Paiol, da Fundação Cultural de Curitiba, no Paraná, 1973- Esphera Galeria, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul; 1973- Exposição na Galeria Montparnasse Jorgestyle, no Rio de Janeiro; 1973- Exposição no Hotel Machado, em Governador Valadares, Minas Gerais; 1974 – Exposição no Touring Club do Brasil, em Brasília ; 1974 – Exposição na Galeria Valença Veículos, em Brasília; 1974 – Exposição na Associação Mineira de Imprensa – AMI, em Belo Horizonte; 1975 – Exposição no Teatro da Paz, da Fundação Cultural de Belém, Belém , do Pará; Exposição na Assembleia Paraense , em Belém do Pará; 1975 – Exposição na Escola de Belas Artes ,da UFBA, Salvador, Bahia ;1977 – Exposição Marinhas no Clube Naval;1976 -Exposição no III Concurso Nacional de Artes Plásticas-Caixego, Goiânia , Goiás; 1977 – 1º Salão de Verão, Salvador, Bahia; 1977 – Exposição na Beto Galeria , Salvador; 1977 – Exposição na Muldu Art., Salvador, Bahia; Exposição na Galeria Paço das Artes, em São Paulo -1978 – I Confronto de Escultores, na Panorama Galeria de Arte, Salvador Bahia. 

                                                               REFERÊNCIAS

Vários críticos escreveram sobre a obra de Zu Campos e escritores e poetas. Estes textos de Jorge Amado e de Vinicius de Moraes foram escritos nos idos de 1978. Veja o que escreveu o escritor Jorge Amado que era um grande apreciador e incentivador das artes: “Alguns obtêm sucesso fácil, quase sem esforço. Outros devem entregar-se de corpo e alma ao trabalho, romper o coração, sangrar sobre a obra construída. Os primeiros vão com o primeiro vento, só os últimos permanecem. Zu Campos é um deles, nas cores de seus santos e de seus anjos há sangue dos homens, derramado. Não será ele próprio um anjo barroco, escuro anjo baiano fugido de uma igreja grávida de ouro para ir dançar num terreiro de candomblé em honra dos orixás? Um mágico, um guerreiro, um professor, um amigo, um artista da Bahia, dos mais sérios e mais legítimos, Zu Campos”.

Já o poeta Vinicius de Moraes escreveu: “Zu Campos tem as mãos fortes, e amigas.Quando ele aperta a sua mão, você sente a pressão de sua ternura humana na palma, e você se comove com seu modo simples e honesto de transmiti-la através da pele. Essa ternura penetra também a madeira que ele entalha, a madeira rugosa e curtida que ele cata por ai, em demolições, velhos objetos que ele renova com seus instrumentos de trabalho, antigas portas jogadas fora das quais surge um ingênuo mundo de beleza; ingênuo, sim, mas com muita arte e sabedoria, pois a meu ver Zu Campos, já transcendeu o primitivo; é, a bem dizer um escultor de baixos relevos coloridos de gosto popular, mas com grande artesanato. Um poeta da arte de entalhar, Zu Campos, cujo lirismo se revela na feliz combinação de formas e cores, e em lindos achados de figuras e perspectivas que dimensionam a gravura bem para lá da matéria sobre a qual é trabalhada. Um artista de grande pureza, Zu Campos. Um bom homem simples e tranquilo, em merecedor do sucesso que vem atingindo”.