Por Alberto Freire

Sem nenhuma surpresa para quem já assistiu, segue em cartaz nos cinemas o documentário Milton Bituca Nascimento, dirigido por Flavia Moraes (2025).
O filme acompanha os shows da turnê ‘A Última Sessão de Música’, de 2022, quando Milton decidiu despedir-se dos palcos. Partindo de apresentações na Europa e Estados Unidos, seguiu por capitais brasileiras, até encerrar no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, um local simbólico, como se fosse uma volta definitiva pra casa. Ao mesmo tempo, registra o enorme desafio de Bituca encarar as muitas viagens, para um artista então com 80 anos e a saúde fragilizada.
A narração é de Fernanda Montenegro. Com sua voz e seu inconfundível jeito de interpretar, ela nos emociona com um texto muito bem concebido para a linguagem cinematográfica.
Nas primeiras cenas a voz de Fernanda lança a pergunta existencial, “o que é uma despedida, diante da imortalidade?”. Ao longo do filme, vai se construindo pequenos fragmentos que podem servir como respostas.
Em cada entrada em cena da turnê, Milton demonstra que ao deixar o camarim, uma surpreendente e inexplicável força toma sua mão e o conduz até o palco. E sua voz se impõe, como se fosse um indecifrável instrumento.
No documentário, fica evidente que a música em sua existência ultrapassa os limites da recorrente comparação entre “inspiração” versus “transpiração”. Para Milton Nascimento, a música parece assumir o papel da sua respiração, como algo que lhe é essencial para viver.
E o documentário registra isso com bastante competência a partir de uma impecável trilha sonora e uma segura direção musical. De uma forma muito natural, os grandes sucessos se entrelaçam com as chamadas músicas lado-B.
Além da turnê, o filme traz momentos da vida pessoal, da sua introspecção, do sofrimento por conta do racismo excludente desde a infância em Minas Gerais, além da consolidação de uma unanimidade sobre seu talento singular, que foi construída numa potente e elogiável rede de grandes músicos e outros artistas ao longo dos anos.
E nesse ponto, a diretora Flavia Moraes acerta de forma precisa na escolha dos entrevistados. O filme apresenta uma pluralidade de artistas e parceiros estrangeiros e nacionais que se descolam do mero elogio laudatório, tão comum em documentários que se dedicam a revisitar personalidades e suas obras.
“Eu tive muita preocupação em não fazer um documentário chapa branca, em que todo mundo falasse bem. Mas que ele tenha muitos elogios, é inevitável. E é um recorte, não uma biografia de forma cronológica. Até porque um documentário de duas horas não conseguiria dar conta da grandiosidade do Bituca”, revelou a diretora à Agência Brasil.
No time de primeiríssima convocado pela produção, estão dentre os estrangeiros, Esperanza Spalding, Carminho, Pat Metheny, Quince Jones, Herbie Hancock, Wayne Shorter, Paul Simon e Fito Paez.
Estilos musicais múltiplos que convergem na difícil tentativa de decifrar o claro enigma chamado Milton Nascimento e sua música. O cineasta americano Spike Lee comparece para revelar o seu encantamento pelo cantor e compositor.
Dentre os brasileiros, estão alguns contemporâneos como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, João Bosco, Simone e a trupe mineira do Clube da Esquina.
Da geração mais jovem estão lá Criolo, Mano Brown, Maria Gadu e Djonga. A filósofa e escritora Djamila Ribeiro traz seu olhar sempre instigante ao lembrar que Milton conecta gerações e travessias em sua longa jornada.
“Meu sentimento em relação ao filme é de muita felicidade, principalmente quando penso nos tantos amigos preciosos que a vida me deu e que estão ali presentes. Sou grato por todo o carinho e amor que recebo de tanta gente. Durante toda a minha trajetória, fui guiado pelas amizades e pela música e isso é o que realmente importa na minha vida”, disse Milton Nascimento à Agência Brasil.
Os artista nacionais e estrangeiros presentes no documentário, cada um ao seu modo, tenta decifrar o mistério Milton Nascimento e sua musicalidade. Não há consenso. Uma definição possível nos levaria por caminhos pouco ou nada ortodoxos. Mas Gilberto Gil arrisca ao dizer que Milton Nascimento é um enorme mistério que vem das montanhas mineiras e sua música ecoa como se também viesse desse lugar.
Confesso que ao longo do filme, em vários trechos, tive que segurar as lágrimas e também as mãos, naquele desejo impulsivo de aplaudir junto com a plateia que se emocionava na telona. Mas ao final da exibição me redimi. Aplaudi junto com todos que estavam na sessão, durante longos minutos. Milton Nascimento e o filme merecem.
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Jornalista, Mestre em Comunicação e Cultura (Ufba), Doutor em Cultura e Sociedade (Ufba)