Por Joaci Góes
(Ao eminente amigo Desembargador Maurício Szporer!)
Quando pensamos no Presidente da República do Brasil, somos tentados a fazer uma comparação com seus colegas do Primeiro Mundo, dos quais podemos dizer que despacham do gabinete presidencial, enquanto o presidente brasileiro despacha, metaforicamente, de um hipermercado ou shopping-center. Esclareça-se. Apesar de governarem as mais avançadas sociedades do Globo, esses presidentes não teriam como premiar, graciosamente, ou fazer favores ilegítimos. A menos que se dispusessem a incorrer num inevitável processo de impeachment. Já com o presidente brasileiro, terceiro milênio adentro, a história é outra. As Megabrases estão ali, sensíveis ao seu mais leve sinal. Ou seja: os presidentes brasileiros se não dispõem do poder político, tecnológico, científico e militar dos pares do Primeiro Mundo, detêm uma capacidade de fazer favores, infinitamente superior à deles. A grande holding pública brasileira congrega empresas poderosíssimas, que vão do setor bancário ao petrolífero, com passagem pelo siderúrgico, energético, de telecomunicações, transporte marítimo, ferroviário, etc… Esta parafernália que, sob a crítica inclemente das atrasadas esquerdas brasileiras, começou a ser desmontada a partir de 2017, ao invés de facilitar, dificulta, sobremaneira, a boa Administração, na medida em que habitua as bases de sustentação do governo a recorrer ao pedido de obséquios e regalias especiais, como pagamento do apoio parlamentar a questões do interesse do governo, presumivelmente, de interesse de toda a sociedade. E o presidente brasileiro tem dificuldades para negar, porque, de fato, estas empresas públicas, de há muito passaram a pertencer a condomínios formados por líderes sindicais, políticos influentes e empresários privados, especializados em explorar a ineficiência da administração pública e a debilidade moral de burocratas, como ficou comprovado no Mensalão e na Operação Lava Jato, comandados, respectivamente, pelo Ministro Carlos Ayres Brito e o juiz federal e hoje senador Sérgio Moro.
Agravando esse estado patológico, a Administração Pública Brasileira, envolvida com a gama de interesses representados pelas Megabrases, termina negligenciando os setores mais diretamente responsáveis pela construção da boa cidadania. Vamos a um exemplo: o autor destas linhas, deputado federal constituinte, foi presidente da Comissão de Defesa do Consumidor e do Meio Ambiente, cuja sala de reunião ficava defronte à sala da Comissão de Orçamento, que tanto reboliço viria a provocar. Muitas vezes, deputados da Comissão que presidíamos tinham dificuldade de acesso às reuniões, tendo em vista a multidão de lobistas que transbordavam da Comissão de Orçamento, bloqueando a passagem dos corredores, agarrados aos seus respectivos parlamentares, responsáveis por emendas do seu interesse. Vejam bem: a Comissão de Defesa do Consumidor e do Meio Ambiente ficava às moscas, enquanto a Comissão de Orçamento – a que distribui as verbas – enxameava.
O ex-governador de São Paulo, Franco Montoro, fraternal amigo, falecido em julho de 1999, contava que o programa social do seu governo não conseguia atrair o interesse das pessoas, porque não havia fartas verbas a serem manipuladas. Ele e a primeira dama, D. Lucy, eram quem superintendia, diretamente, durante fins de semana subtraídos ao descanso e à convivência com a família, programas como os das hortas coletivas, ou o intercâmbio de jovens estudantes, entre o interior e o litoral, transportados pelos carros ociosos dos trens da Rede Ferroviária. Enquanto isso, as questões vinculadas às grandes empresas estaduais e os programas de investimentos em infraestrutura física borbulhavam de voluntários.
Esta deformação de priorizar as atividades que possibilitam a manipulação de recursos materiais, com descaso para as que se destinam à promoção da cidadania, contaminou todas as esferas do Governo, municipal, estadual e federal, e dos poderes executivo, judiciário e legislativo, este último chegando ao ponto de ter alterado, substancialmente, o perfil dos seus membros, dando assento a um contingente de bandidos e malfeitores, em proporção nunca vista na história da instituição. O poder judiciário, cujos titulares mais altos foram considerados por Rui Barbosa “maiores do que a coroa dos reis”, vive no Brasil uma quadra lamentável.
O jornalista Roberto Pompeu de Toledo sintetizou bem a situação que vivemos ao dizer que “tal é a quantidade de escândalos que o Brasil não é mais um país onde a corrupção floresce, mas um país, em si, corrupto” (Veja, edição 1643 de abril, 2000).