O juiz, José Bonifácio Fortes Neto

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Por Gilfrancisco
Ele começou como a maioria dos nossos rapazes: escrevendo para eles mesmos ou quando muito, para um pequeno número de amigos. Quando conhecemos José Bonifácio, ele nos mostrou o “seu” jornalzinho datilografado. Só falava em esportes. Daqui, dali e d’acolá. Tanto comentava fatos do futebol de Sergipe, como da Bahia, Rio, S. Paulo ou Argentina. Este pormenor serviu para que profetizássemos uma corrida rápida de José Bonifácio, ia-nos encontra-lo escrevendo para o “Nordeste”.                                                     

                                                               R. Gonzalez

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Foi na noite de 24 de setembro de 2009, durante o lançamento do livro Os Segredos da Loba, do jornalista amigo Cleomar Brandi, que o saudoso professor José Paulino da Silva (1942-2022), me apresentou sua ex-aluna Ana Fortes, filha do juiz Bonifácio Fortes. Conversamos um pouco sobre meu primeiro contato com o pai e disse-lhe que gostaria de ter um exemplar do livro Evolução da Paisagem Humana da Cidade do Aracaju, publicação de 1955, portanto, considerada rara. Disse-me que não possuía exemplar disponível, mas que iria providenciar uma cópia. Dias depois me entregou a cópia, bem como um exemplar do livro Zeppelin, de 1998, com uma belíssima dedicatória.

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Filho do capixaba Aricio Guimarães Fortes e da sergipana Saudalina Passos de Guimarães Fortes, nasceu em Aracaju, a 26 de abril de 1926. Estudou no jardim de infância Maynard Gomes, o primário no colégio Nossa Senhora da Glória, no Colégio Tobias Barreto e no Colégio Estadual Atheneu Sergipense. Há não existência de uma Faculdade de Direito em Sergipe, os sergipanos que se destinavam ao curso de ciências jurídicas, tinha de emigrar para outros estados – quase sempre eram escolhidos Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro. A antiga Faculdade de Direito da Bahia, ficava em Salvador numa pequena travessa entre a Av. Joana Angélica e a Praça da Piedade. Hoje, nesse prédio funciona a OAB. Bonifácio Forte matricula-se na Faculdade de Direito da Bahia e conclui o bacharelado em ciências jurídicas e sociais em 1950.

Colou grau, montem, dia 8, em Ciências Jurídicas e Sociais, na Faculdade de Direito da Bahia, o jovem Bonifácio Fortes, que já é, entre nós, no mundo do jornal foro, um nome bastante conhecido e admirado.

Correio de Aracaju que tem um amigo no ilustre bacharel, sente-se satisfeito ao fazer o presente registro, augurando para o dr. Bonifácio Fortes uma carreira plenamente vitoriosa e brilhante, como brilhante e vitorioso foi o curso que vem de encerrar.

(Correio de Aracaju, nº5.132, 9 de dezembro de 1950)

Em julho de 1945, o poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973) esteve na Bahia a convite do romancista baiano, Jorge Amado. Pablo, visitou à Faculdade de Direito da Bahia, oportunidade em que o acadêmico sergipano, Walter Mendonça Sampaio, leu o poema de sua autoria “Pablo Neruda e nossa América”. Presente ao evento, Bonifácio Fortes, publicou em 9 de agosto de 1945, no Sergipe-Jornal, sua impressão dessa visita:

O poeta veio à Bahia e a velha cidade recebeu-o como a um filho. O poeta visitou os seus templos, as suas ladeiras, as suas praias, a Baixa do Sapateiro. Jorge Amado lhe contou muitas coisas belas desta Bahia estranha. E o poeta viu o mar que Guma cruzou com o seu saveiro valente, viu o seu claro da Bahia de Todos os Santos e do pai de Santo Jubiabá. Jorge Amado também lhe contou muitas coisas desagradáveis. E o poeta viu a Bahia dos Capitães da Areia, dos bairros oprimidos – a Bahia de um povo alegre explorado!

O poeta falou aos intelectuais, ao povo e aos estudantes. Neruda amou a Bahia e a Bahia amou Neruda porque viu nele o poeta do seu povo, um irmão de Castro Alves.

Casou-se em 21 de junho de 1952 com Marinalva (Mari) de Azevedo Menezes Fortes, após namoro de cerca de dez anos, com que teve seis filhos: Aricio, Marcel, André (falecido), Roseane (falecida), Bonifácio Filho e Ana Cecília.

Aprovação em Concursos

Aprovado em vários concursos públicos: Suficiência em História (1948), Promotor Público (1951), Juiz de Direito (1953) Juiz Federal do Trabalho (1960), Aposentado como Juiz do TRT (1979) e Professor da Titular da Universidade Federal de Sergipe (1991). José Bonifácio Fortes Neto exerceu as funções dos cargos de Promotor Público (1949-1953), Diretor do Serviço de Pessoal de Sergipe (1951-1953), Juiz de Direito (1953-1963), Juiz Presidente de JCJ (1963-1979), Procurador Geral do Estado (1979-1980), Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFS (1980-1984).

Atividades no Magistério

Bonifácio se notabilizou tanto como jornalista como professor, lecionando em vários colégios de Aracaju, além de duas Faculdades: Católica de Filosofia (1953-1968) as disciplinas Geografia Humana, Estética e História do Brasil. Serviço Social (1954-1960), disciplina Noções de Direito e na antiga Faculdade de Direito de Sergipe (1957-1991) ensinou Direito Administrativo, Direito Constitucional, Processual do Trabalho, Processual Civil, Sindical. Na Universidade Federal de Sergipe, integrou os dois Conselhos Superiores durante 17 anos. Participou de 22 Comissões de concurso público. Defendeu como advogado, a UFS em Juízo e foi Secretário de Assembleias que elegeram listas sêxtuplas de candidatos ao cargo de Reitor e outros.

Trajetória Jurídica

Aos vinte e seis anos, Bonifácio Fortes era promotor público da comarca de Itaporanga d’Ajuda, professor de História do Brasil, na Escola Normal Rui Barbosa, no Colégio Atheneu Sergipense e no Colégio Jackson de Figueiredo, do professor Benedito. Um ano depois logrou aprovação em segundo lugar de juiz de Direito, como titular da comarca de São Cristóvão. Na época, como juiz acumulava as competências jurisdicionais do juiz do trabalho e do juiz eleitoral, optando aos 34 anos por submeter-se definitivamente ao concurso público que o faria juiz do trabalho vinculado ao Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, com sede em Salvador – BA.

O Jornalismo

Bonifácio participou da vida estudantil e cultural de Sergipe e Salvador. Foi redator, colunista, repórter e colaborador de vários jornais: O Nordeste, Folha da Manhã, Correio de Aracaju, Sergipe-Jornal, Diário de Sergipe, Gazeta Socialista e A Cruzada, militando como crítico literário e político. Aos quinze anos de idade chegou a 2º secretário da Associação Sergipana de Imprensa, aos dezessete era redator do DEIP/SE e locutor da Rádio Aperipê, além de correspondente em Aracaju do Diário da Bahia (1942-1944)

O Jovem Bonifácio Fortes atuando n’A Voz do Estudante – órgão do Grêmio Cultural Clodomir Silva, do Colégio Atheneu, como aluno, colaborou em quatro edições. Vejamos:

 Camelot, nº 1 de 7 de julho de 1944

Lama, nº 2 de 26 de julho de 1944.

Aracaju Areia, Aracaju poema, nº 3 de 26 de agosto de 1944.

Seca, nº 5 de 31 de outubro de 1944

            Portanto, Bonifácio Fortes exerceu o jornalismo initerruptamente entre 1941 a 1962, em vários órgãos da imprensa sergipana (esporte, cinema, literatura e ciências política.

Cinema

            Em 1953, Bonifácio Fortes torna-se um dos fundadores e diretor do primeira cine-clube de Aracaju, o CICLA, e viria a integrar anos mais tarde (1958-1961), a diretora da Sociedade de Cultura Artística de Sergipe, se responsabilizando pelos encargos gerais de administração e pela divisão de cinema. Em 1973 atuou, como membro da Comissão Executiva do II Festival de Arte de São Cristóvão.

Publicações:

Livros:

Noções de Cinema (1953); Evolução da Paisagem Humana da Cidade de Aracaju (1955), – garantiu sua participação no Congresso Internacional de Geografia, no Rio de Janeiro, fazendo em seguida o curso de Altos Estudos Geográficos. Sergipe, Democracia de Poucos – um ensaio de ciências política, 1963 – um clássico, tanto pelo pioneirismo, como pelas análises que desnudam o processo eleitoral e seu resultado, com uma profunda interpretação dos dados e dos fatos. Poemas do meu caminho, edição da família do autor, 1986; Zeppelin (1998) seu último livro, composto de crônicas, contos e reportagens.

Colaboração em Revistas:

            Os cursos jurídicos e a realidade nacional. Revista da Faculdade de Direito de Sergipe, nº5, 1958; Felisbelo Freire, o homem público, o escritor e o constitucionalista. Revista da Faculdade de Direito de Sergipe, nº5, 1958; Gumercindo Bessa e o Direito Público. Revista da Faculdade de Direito de Sergipe, nº6, 1958; O Governo Inácio Barbosa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, nº22, 1955/1958; Delegação Legislativa. Revista da Faculdade de Direito de Sergipe, nº7, 1960; Contribuição à História Política de Sergipe (1933/1958), Belo Horizonte, Revista Brasileira de Estudos Políticos – Univ. de Minas Gerais, nº8, 1960; O Poder Regulamentar. Revista Forense, nº 189, RJ, 1962 e Revista de Direito Administrativo, nº 742, RJ, 1962; História das Atividades Salineira e Saladeiril no Brasil. Revista da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, nº1, 1962; O Direito do Trabalho e as Constituições. Revista da Faculdade de Direito de Sergipe, nº10, 1963; Relação de emprego do profissional liberal – especialmente do advogado. Revista da Faculdade de Direito de Sergipe, nº IX, 1967; Democracia de Raros. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais nº 22/23, 1968; Os Servidores Públicos e o Direito do Trabalho. Revista da Faculdade de Direito de Sergipe – UFS, 1967; A Sucessão de empresa, o ato de autoridade e o Direito do Trabalho. IV Congresso Ibero-Americano de Direito do Trabalho e Previdência Social, São Paulo, 1972. Revista da Faculdade de Direito da UFS, nº 15, 1972; General Calasans – 1º Presidente Constitucional de Sergipe. Revista da Faculdade de Direito da UFS, nº15, 1972; A Reforma do Poder Judiciário. Revista do Tribunal de Justiça de Sergipe, nº2, 1978; Aposentadoria. Direito Administrativo. Revista da Ordem dos Advogados de Sergipe, nº1, 1981; Anatomia das Revoluções – Crine Briton. Revista Brasileira de Estudos Políticos, nº10, Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais; Cargos de Confiança no Direito do Trabalho. LTR, nº4; Discurso de posse na Academia Sergipana de Letras, nº28/1981; José Rollemberg Leite, um estadista, Caderno de Cultura do Estudante-UFS, nº8, 1991; Sergipe na obra de Jorge Amado. Caderno de Cultura do Estudante-UFS, nº8, 1991; Discurso de Recepção na Academia Sergipana de Letras, Wagner Ribeiro (1980), Revista da Academia Sergipana de Letras, nº33, 1997. Bonifácio Fortes colaborou na revista modernista sergipana, Época, nº 1, agosto de 1948, com o texto Negação, dirigida por Walter Sampaio

Horarias

            Em 1972, a Câmara Municipal de São Cristóvão, município em que atuou como juiz de Direito por mais de dez anos, outorgou-lhe o título de cidadão cristovense. Nesse mesmo ano, recebeu o título, por uma comissão seleta de advogados, de “Melhor juiz do trabalho de Sergipe no ano de 1972. As honrarias continuam, em 1994 o Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região, conferiu-lhe a “Ordem Sergipana do Mérito Trabalhista”.

Falecimento

José Bonifácio Fortes Neto faleceu em 5 de novembro de 2004 aos setenta e oito anos, após longa enfermidade. Seu corpo foi velado na Sala dos fundadores da Academia Sergipana de Letras, cabendo ao amigo acadêmico Wagner da Silva Ribeiro (1944-2017) fazer a oração fúnebre, destacando o perfil do mestre e seu ex-aluno na Faculdade de Direito de Sergipe. O Secretario da Cultura, José Carlos Teixeira, em nome do Governo do Estado, expressou o sentimento de luto, evocando a contribuição dada por Bonifácio Fortes à Sociedade de Cultura Artística de Sergipe, no final dos anos 1950, especialmente no concernente ao teatro e ao cinema.
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Jornalista, escritor, Doutor Honoris Causa concedido pela UFS. Membro do Grupo Plena/CNPq/UFS e do CPCIR/CNPq/UFS – gilfrancisco.santos@gmail.com