O PELOURINHO TEM O SEU PICASSO AFRO

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Por Reynivaldo Brito

Menelaw Sete com obras em seu ateliê no Pelourinho.

Vou falar hoje do artista Menelaw Sete. Ele é ágil, articulado,organizado,  falante,

performático e vaidoso.Sem dúvidas é o artista baiano mais conhecido fora de nossas fronteiras e que mais usa as redes sociais. Já fez exposições em vários países, foi entrevistado por jornalistas de publicações importantes daqui e do exterior, tem alguns documentários e outras publicações feitas sobre sua obra. Criou um personagem e quando pedi para fazer umas fotos ao lado de  algumas de suas obras expostas no ateliê imediatamente vestiu um casaco muito colorido. Assim fica fácil identificá-lo como o Menelaw Sete. Inconfundível. Com toda esta bagagem ele relembrou que fui o primeiro a escrever sobre o seu trabalho. “Você fez a minha primeira crítica como Jorge Ramos”, disse rindo. Isto foi em abril de 1990 quando apareceu na redação de A Tarde acompanhado do arquiteto Sérgio Fontes, meu conhecido, para falar sobre a exposição que iriam fazer na Galeria Panorama, que nesta época funcionava na Rua Nelson Galo, nº 19, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador. Menelaw Sete assinava como Jorge Ramos, seu nome de batismo, e pintava casario, festas tradicionais e personagens populares. Infelizmente seu colega o arquiteto e expositor o Sérgio Fontes foi uma das vítimas desta violência que vive a nossa Bahia . Ele estava num caixa eletrônico e foi reclamar da demora quando o usuário que era um policial civil partiu de lá e deu-lhe um soco no peito matando-o instantaneamente.

Com seu jeito fácil de se comunicar Menelaw Sete relembra que passou algum tempo sendo um pintor impressionista e que este aprendizado deve ao pintor Almiro Borges, natural de Araci, interior da Bahia. Conheci o Almiro Borges, inclusive divulguei algumas de suas exposições. Era um homem simples e gostava de pintar casario, coisas ligadas as ferrovias, paisagens rurais e marítimas. Ele nasceu em 29 de abril de 1933 e morreu em 2014, em Salvador, quando morava no subúrbio ferroviário. 

Voltando ao Menelaw Sete indaguei o porquê deste nome já que antes assinava suas telas como Jorge Ramos? Foi aí que tive mais uma surpresa quando respondeu “fui ao bairro de Ondina onde fica a escultura Cetro da Ancestralidade, de autoria do Mestre Didi, já falecido, e foi ali que tive uma iluminação para trocar o meu nome. Daí em diante tudo mudou para melhor em minha vida!”

O Menelaw Sete gosta de trabalhar em grandes espaços e me disse que ultimamente está pintando em telas de 2m x 2m. Sua obra se destaca pela qualidade da composição e apresenta linhas grossas que vão se entrelaçando num vaivém que resulta em espaços que vai preenchendo de cores fortes e variadas. Tem uma excelente visão espacial dos objetos e figuras humanas e formas que compõem as suas obras, algumas abstratas com tendência ao cubismo e outras ao figurativo, todas são obras contemporâneas e de grande impacto visual.  Quando lhe perguntei se já tinha ouvido e se ficava incomodado quando lhe diziam que de longe sua arte lembra as criadas pelo genial pintor espanhol Pablo Picasso ele riu e respondeu. “Sou o Picasso afro!” Aí é que está a razão da lembrança porque tanto o genial pintor espanhol Pablo quanto o baiano Menelaw Sete beberam na mesma fonte que é a arte das máscaras e ícones africanos.

Seu ateliê fica na Rua João de Deus, 13,no antigo Maciel de Cima, no Pelourinho, este que é o maior conjunto arquitetônico colonial da América do Sul. Localizado numa esquina de confluência de outras ruas, portanto num ponto estratégico que facilita a visão dos milhares de turistas de todo o mundo que visitam o nosso Centro Histórico. Ele pinta e expõe suas obras na calçada atraindo a atenção de quem passa também pelo diferencial de sua obra em relação a muitos de outros artistas que têm seus ateliês no Pelourinho, porque a maioria faz pintura naif que são adquiridas por turistas como lembranças de suas viagens à Bahia.

É um performático por natureza já tendo feito várias performances  e algumas foram  registradas em documentários a exemplo de uma feita em 2005 debaixo das águas da Baía de Todos os Santos intitulada Lágrimas de Zambi quando expôs vários objetos de cerâmica pintados representando os escravos que eram jogados ao mar na travessia do Atlântico nas viagens  da África para o Brasil. Muitos não aguentavam as condições precárias onde eram aprisionados nas caravelas e morriam e logo depois eram lançados ao mar. O Menelaw Sete vestiu uma roupa de mergulhador e transitou por entre os objetos colocados estrategicamente no fundo do mar. O Zambi é o Deus Supremo do candonblé de origem bantu,e segundo os estudiosos corresponde ao deus Olorum que é reverenciado no candoblé de origem Queto e sincronizado com o Senhor do Bonfim. No candomblé não existe um culto específico para Zambi, apenas os cultos são para seus intermediários chamados de inquices. Não confundir Zambi com o líder negro da revolta dos escravos o Zumbi.

 Já fez uma performance com paraquedistas na ilha de Itaparica em 2006 intitulada Asas da Imaginação. Pintou alguns pequenos aviões, os macacões dos paraquedistas e ele próprio vestiu um daqueles macacões e com seu rosto e mãos lambuzadas de tinta se atirou do alto e os participantes faziam acrobacias até chegar ao solo. Com aquelas acrobacias, os aviões e paraquedistas pintados se formavam no ar várias imagens coloridas. Foto ao lado.

Tem um documentário datado de 2016 de autoria do cineasta italiano Eduardo Veneziano chamado Um Baiano Pirandelliano onde o Menelaw Sete faz outra performance mostrando a sua origem e reclama das dificuldades que enfrentou para chegar aonde está.  Fala do Planeta que sofre a ação nefasta do homem. Revela que sofreu com o caos do Terceiro Mundo, e este documentário foi feito sob o patrocínio da cidade italiana Sciaca Terme. Ao lado Menelaw Sete sendo filmado.

Outro documentário de  2018 é de autoria do cineasta francês Pierre Meynadier chamado  Origem onde ele contracena com a velha ceramista Ricardina Pereira da Silva, mais conhecida por d. Cadu, tem 103 anos de idade, nasceu em 14 de abril de 1920. Ela reside na localidade de Coqueiro, no município de Maragogipe. O documentário foi feito aí nesta localidade que fica nas margens do Rio Paraguaçu e participaram alguns índios da tribo Kiriris que habitam o município de Banzaê,interior da Bahia.Ao lado o artista Menelaw Sete e a ceramista d. Cadu.

No dia 2 de Julho de 2023 acompanhado por uma parte dos músicos da Banda Swing do Pelô fez uma performance em frente ao seu ateliê no Pelourinho, em Salvador, atraindo centenas de pessoas enquanto ele pintava freneticamente uma grande tela com seus traços e cores. 


Participou de uma performance chamada de Cavalete Elétrico e depois batizada de Pós Tudo  juntamente com o cantor e compositor Carlinhos Brown e o ator Jackson Costa.Depois de algumas apresentações em Salvador foi apresentada em São Paulo com o apoio da Acrilex. Foto 1. Carlinhos Brown, o empresário italiano Ezio Dellapiazza que na sua trajetória artística o apoiou. Foto 2. Carlinhos Brown e Menelaw Sete. Foto 3. As mulheres que contracenaram com os artistas. Foto 4. Carlinhos Brown e Menelaw Sete em plena performance

O Jorge do Nascimento Ramos, este é o nome de batismo do artista Menelaw Sete  foi registrado em 01 de agosto de 1964, no subúrbio de Pirajá, em Salvador. Diz que nasceu no terreiro da Mãe Sabina. É filho de Helena Rita do Nascimento e Jovino Oliveira Ramos que narrou o seu nascimento dizendo que ela foi para o terreiro para ter a criança. Quando nasceu a parteira deu poucos dias de vida. Foi aí que a Mãe Sabina acendeu um charuto e apelou para o Caboclo e deu umas baforadas no rosto da criança. Disse ela que incrivelmente a criança acordou e sobreviveu. Porém tinha a saúde frágil e até os dois anos de idade não andava. Certo dia estava sentado no chão do terreiro da Mãe Sabina, que era um terreiro de Umbanda, quando entraram alguns cachorros brigando e assustado ele levantou e passou a andar a partir daquele dia.

Bela obra que é a  representação de uma Guernica afro

“Minha vida é um pouco complicada porque nasci em Pirajá e só fui registrado poucos anos depois. Acredito que minha idade real está perto dos 64 a 65 anos de idade.  Saímos de Pirajá e fomos morar no bairro da Federação na Rua do Acaçá.” Esta Rua tem este nome porque um vendedor do tradicional Acaçá construiu várias pequenas casas com o dinheiro da venda dos acaçás que é uma comida de origem africana feita de milho branco ou vermelho e enrolado num pedaço de palha de bananeira. Conheci este vendedor de acaçá. Ele saía mercando seus acaçás num tabuleiro de madeira que carregava na cabeça e ao chegar em frente a uma casa que seus moradores costumavam comprar o seu produto gritava o número da residência. “O 28 e 26 vão querer?” Na realidade tratava-se dos números 128 e 126 da Rua do Amparo do Tororó, no bairro do Tororó, em Salvador, ele resumia para ficar mais fácil ser ouvido e assim prosseguia sua jornada. Se não estou enganado o nome dele era Lourival, não tenho certeza. Procurei pesquisar e não encontrei nenhuma referência até agora.

Enquanto trabalhava no Banco do Brasil já pintava os seus quadros e conseguia vender para alguns aos colegas do banco e outras pessoas conhecidas. Decidiu em 1991 largar o emprego de segurança e se estabeleceu no Pelourinho num pequeno espaço dentro do Hotel Pelourinho e começou sua carreira de pintor. Continuou pintando no estilo impressionista e com outros artistas fundou um grupo teatral chamado Filosofia Vertical e levaram a peça Tubo de Ensaio. A peça foi apresentada no Teatro Raul Seixas, pertencente ao Sindicato do Bancários. Confessa que a experiência de trabalhar com o coletivo é muito difícil e resolveu deixar o teatro e cuidar de sua pintura.

Foi se desenvolvendo e deixou de pintar casarios, festas populares e outros motivos ligados às tradições baianas e passou a pintar abstratos foi quando sua arte ganhou projeção nacional e internacional. Recentemente esteve em Portugal e na Itália. Em Portugal uma obra de sua autoria ficará em exposição permanente no Museu Santo Antônio, na cidade de Lisboa, enquanto na Itália, na cidade de Sciacca Terme, que fica na Sicília pintou uma obra para a universidade local e tem uma sala especial onde suas obras ficam expostas permanentemente no museu local. Aproveitou sua ida à Europa e visitou sua filha que mora em Londres e  para   pintar, mostrar a sua arte e conhecer outros países.

                                                          ORGANIZADO

Disse que resultado  da venda de seus quadros adquiriu o imóvel na Rua João de Deus,13, no Pelourinho, onde tem seu ateliê e um apartamento no bairro Politeama, em Salvador, onde mora com sua esposa Jaci Ramos com quem está casado já mais de trinta anos e têm três filhas e dois netos. Pela manhã vai para o Pelourinho e inicia a sua jornada. Tem uma rotina de começar a pintar pela manhã, “com inspiração ou não tenho que pintar! Só deixo de pintar se estiver com um problema que venha a me preocupar muito”. Entende que tem que produzir para quando uma pessoa interessada em sua arte entrar no seu ateliê tenha à sua disposição várias obras porque uma daquelas certamente vai lhe emocionar e ela vai comprar. “A arte é o encontro. Tem que ter as obras para que as pessoas vejam, analisem e se emocionem”.

Conheceu no Pelourinho um pintor italiano chamado de Gentili que lhe contou uma história interessante. Um marceneiro produzia várias cadeiras e não conseguia vende-las. Certo dia um amigo disse-lhe por que você continua fazendo cadeiras se não consegue vende-las? Mesmo assim o marceneiro continuava a fazer as suas cadeiras. Foi quando chegou na cidade um circo e houve um problema com as tábuas das arquibancadas do circo. Então o dono saiu desesperado procurando onde poderia adquirir cadeiras para substituir as arquibancadas. Foi assim que o marceneiro vendeu de uma só vez todas as cadeiras que tinha produzido. Daí em diante o Menelaw Sete tomou esta lição de forma literal e não parou de pintar as suas telas.

Menelaw pintando na exposição  em Paris,  França,  Galeria
Espaço Cinco, em 2010.
                                   

 PRECONCEITOS

Ele reclama que teve que enfrentar vários preconceitos e a arte estava sempre presente em sua vida pintando em pedaços de papelão e compensados que achava. Foi aí que nos anos 70 o pintor Almiro Borges, que era um homem simples e tranquilo foi morar no subúrbio e lhe passou algumas telas, tintas e pincéis além de orientação como pintar. Mostrou livros dos grandes pintores. Tudo era novidade para ele e que na época só “persistia em existir”.

Falou que os oriundos da academia sempre “olharam com certo preconceito para sua arte por não ter frequentado a Escola de Belas Artes.” O fato é que Menelaw Sete cresceu e prosperou como artista e hoje talvez seja o artista baiano que tem mais reconhecimento nacional e internacional. Nas suas telas podemos ver e sentir a presença da cultura africana nas figuras que pinta, nas angulações que lembram as máscaras e ícones que tanto encantam os que têm oportunidade de conhecer. Podemos dizer que Menelaw Sete e o grande Picasso beberam na mesma fonte na cultura africana e que hoje com a globalização tudo é exposto e se multiplica digitalmente.

O Menelaw Sete pinta visceralmente, é um artista que vive a arte durante vinte e quatro horas. Pode não ter o refinamento comportamental e mesmo a erudição dos acadêmicos, mas tudo isto é superado por seu talento e por esta sua capacidade de transcender. Ao vermos ele pintar temos a impressão de que baixou um caboclo ou orixá de um terreiro de Umbanda ou Candomblé e o impulsiona a pintar freneticamente e a gente fica com a sensação de que ele está com uma pressa inexplicável. Tem um controle excepcional dos pinceis, das tintas e dos espaços que estão diante dele. Quando os espaços estão já preenchidos ele não para e repinta por cima e cria novos elementos.

                                                       MICROUNIVERSO

O Pelourinho é um microuniverso. Se você for ao Pelourinho numa  tarde de verão e não está acostumado ficará chocado com o movimento. Parece que já estamos em pleno carnaval pelo vaivém daqueles personagens únicos, da presença de turistas de todo o mundo falando idiomas os mais diversos. De repente passa uma banda tocando, umas filhas de santo vestidas a caráter, um vendedor de frutas, uma baiana do acarajé. Com as portas do seu ateliê estrategicamente abertas e imensas telas expostas na calçada como produtos de uma feira livre o Menelaw Sete é um dos mais vistos, visitados e solicitados entre os artistas que trabalham na área. Ele já recebeu a visitas de personalidades de várias partes do mundo como Bill Clinton, Peter Fonda, Jô Soares, Gabrielle Lazure, dentre outros. Foi homenageado em 2005 no Rio de Janeiro e recebeu das mãos do arquiteto Oscar Niemeyer um diploma emitido pela Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro. Já recebeu também honrarias na Itália e Argentina. Fez mais de cinquenta exposições entre coletivas e individuais inclusive expôs na Suíça, Bélgica, França, Itália, Estados Unidos, Portugal, Espanha e Alemanha. Tem obras em museus e coleções particulares em várias partes do mundo. Ele continua pintando freneticamente e tem uma cabeça aberta para novas informações e na busca de novos horizontes.