Por Victor Pinto
Diante da fumaça branca, a pergunta que ecoou nos corações e nos corredores do Vaticano foi uma só: quem foi o escolhido e qual nome foi adotado? E quando o novo papa — norte-americano de nascimento, latino-americano por vocação — revelou-se como Leão XIV, o gesto não soou neutro. A Igreja Católica, por sua natureza, é tecida de símbolos, e o nome de um papa costuma ser o primeiro sinal daquilo que está por vir. Nesse caso, o símbolo fala alto: há uma continuidade evidente com a linha reformista e progressista de Francisco.
Eu mesmo disse, em mais de uma ocasião, que o raio não cairia no mesmo lugar ao lembrar da América Latina. Que depois de Francisco, a Igreja tenderia voltar para um perfil mais moderado conservador, mais tradicional. Mas me enganei. Leão XIV – escolhido pelo Cardeal Robert Prevost – pode ter nascido nos Estados Unidos, mas é no Peru, onde atuou por décadas como missionário, que moldou sua visão eclesiais e o projetou até a Cúria Romana, pela lógica da leitura da sua biografia. E essa é uma América Latina onde a Igreja é viva, popular, pastoral — e muitas vezes o último refúgio dos pobres.
A escolha do nome Leão tem peso duplo. De um lado, remete a Leão XIII, o papa da Rerum Novarum, que lançou as bases da Doutrina Social da Igreja e abriu a instituição para os debates sociais modernos. De outro, evoca o afeto entre São Francisco de Assis e Frei Leão, seu amigo e companheiro fiel, a quem dedicou bênçãos e orações escritas à mão. A aproximação com esse símbolo é uma continuidade espiritual com o papado de Francisco, ancorado na simplicidade, na escuta dos pobres e na coragem pastoral.
Se há expectativa, há também vigilância. A Igreja de Francisco inverteu lógicas, incomodou setores conservadores e trouxe de volta um Cristo próximo dos marginalizados. Isso é evidente diante do legado de gestos e ações, mais do que escritos. Leão XIV, com sua trajetória latino-americana e sua experiência em comunidades periféricas, tende a não romper com esse legado, mas aprofundá-lo.
O desafio, claro, será enorme. Leão XIV herdará uma Igreja com suas tensões internas peculiares, muitas delas com resistência às mudanças e também com urgência por reformas — sobretudo em temas como o papel das mulheres, o acolhimento a grupos antes excluídos e a justiça climática, assunto já tratado em encíclicas de Franciscos.
Os sinais e a semiótica do prenúncio do nome escolhidos valem algo: indica que não há retorno ao passado. O raio caiu de novo na América Latina católica. E, mais uma vez, pode iluminar novos caminhos para a Igreja. A conferir.
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