Por Eliecim Fidelis
“The answer, my friend, is blowin’ in the wind”(Bob Dylan)
Sé vacante. As atenções voltam-se para Roma. Sob os cuidados do Camerlengo, o Vaticano está em ordem, mas a humanidade cristã está órfã, aguardando a representação divina maior, aquele que se sentará no trono de Pedro. Parodiando o poeta, podemos dizer que a fumaça esvoaçada ao vento é que vai responder em que momento o cardeal protodiácono dirigir-se-á à sacada da Bênção para o Habemus Papam.
A fumaça é um signo do fogo, e a expressão “onde há fumaça, há fogo” passou a ser usada figurativamente como suspeita de algo a mais por trás dos indícios: uma trama, um ardil. A forma de escolha do papa ao longo da história justifica a desconfiança ainda presente no imaginário popular de muita gente. No caso atual, a metáfora se literaliza, na medida em que existe mesmo a fumaça. A escura diz: ainda não, e a branca traz a boa nova. Só essa preferência binária pelas cores já merece uma reflexão nos dias atuais.
O conclave (trancados a chave) se tornou norma no século XIII, quando os cardeais passaram quase três anos para eleger o papa, e foram confinados à força. Selava-se aí o destino do mundo cristão até a morte ou rara renúncia do eleito. E então, “… a depender do caráter do homem eleito, o mundo teria um período de tranquilidade ou desordem, de justiça ou de venalidade, de paz ou de guerra” (A. Dumas, Os Bórgias, p. 14).
De lá para cá, inegáveis aperfeiçoamentos foram feitos, mas a lógica se mantém: a portas fechadas, em nome da fé, a política e os interesses rezam de mãos dadas. No alto da Sistina, a chaminé exala mistério — ou disfarça, com elegância, o cheiro de um velho jogo de poder.
Lá dentro, 133 homens vestem vermelho para decidir, em nome de Deus, quem usará o branco. Do lado de fora, as ruas circundantes transbordam, e na Praça de São Pedro uma multidão circula. Uns oram, outros, de olhos atentos à fumaça, visando a hora certa para o flash, o post, o vídeo ao vivo. Entre a fé e a euforia, há peregrinos em busca de bênção, turistas atrás de selfie.
Mas não deixa de ser curioso esse código de cores. O preto, mais uma vez, representa a recusa, o que não serve. O branco, a aceitação, a pureza, o escolhido por Deus. A fumaça sobe, o mundo aplaude, crendo que o céu opinou. Mas onde há fumaça, há fogo. E nem sempre o fogo que ardeu era sagrado. Às vezes a brasa é apenas humana: política, terrena, bem-vestida, mas disfarçada de incenso. A fumaça preta diz “não houve acordo”; a branca diz que houve. Resta saber entre quem. Nem todo sopro do Espírito Santo exclui a articulação prévia. E o assunto da mídia voltará às mesmas questões: o escolhido seguirá a cartilha do antecessor ou aventurar-se-á fora do script divino?
Esperar o sopro do vento é o que nos resta.
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Psicanalista e escritor, membro do Espaço Moebius Psicanálise/fidelis.eli@gmail.com