Prefeitura de Conquista fechou R$70 milhões em contratos com empresa criada há 5 meses

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A Consorcio V. da Conquista, segundo denúncia publicada hoje pelo site Conquista Repórter, que possui o mesmo dono de empreiteira ligada ao chamado “cartel do asfalto”, recebeu cerca de 37% das despesas com obra no município em 2024:
R$70.237.167,72. Esse é o valor total de contratos fechados com dispensa de licitação entre a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista (PMVC) e a Consorcio V. da Conquista, de acordo com o Portal da Transparência do município. O montante chamou a atenção do Conquista Repórter durante uma pesquisa sobre as despesas com obras de infraestrutura urbana na cidade. Ao buscar o CNPJ da empresa e quem está em seu comando, descobrimos que essa história vai além dos contratos milionários e envolve personagens já conhecidos pela mídia nacional.

A empreiteira, que é responsável por obras de drenagem e pavimentação nos bairros Bateias II, Jardim Guanabara, Cidade Modelo e Vila Marina, tem contrato inicial de R$56.329.456,72 e um aditivo de R$13.907.711,00. Somados, os dois valores correspondem a cerca de 37% das despesas com obras no município em 2024. Até 21 de agosto deste ano, foram gastos R$188.586.302,26 no total, valor aproximadamente 69% maior do que o gasto durante todo o ano de 2023 para a mesma destinação, conforme o gráfico abaixo.

Na ficha de empenho do contrato inicial (nº 006-35/2024) realizado com a Consorcio V. da Conquista consta que o processo de contratação foi feito em conformidade com o edital de concorrência eletrônica 01/2024, realizado no dia 28 de fevereiro de 2024. Menos de um mês depois, em 21 de março, o contrato com a empresa selecionada foi efetivado. Mas o que chama mais atenção é que ela foi criada no dia 13 de março deste mesmo ano, apenas 14 dias após a abertura do edital e 8 dias antes da publicação do convênio.

Além disso, ao buscar a aba “Outras informações” na ficha de empenho, é possível verificar ainda que a modalidade da contratação tem base na Lei 14.133/2021, Dispensa, Art. 75, Inciso I. A legislação estabelece que é dispensável a licitação para contratações diretas de pequeno valor, que não ultrapassem os R$100.000,00 no caso de obras e serviços de engenharia, um custo muito abaixo do que foi fechado com a Consórcio V. da Conquista.

Vale ressaltar que a gestão Sheila Lemos tem recorrido com constância a essa modalidade, como aconteceu com os vários contratos emergenciais firmados com as empresas Viação Rosa e Viação Atlântico para operação do sistema municipal de transporte coletivo antes da abertura da licitação do serviço. Mas por que a Prefeitura fechou um contrato milionário na mesma modalidade para obras de drenagem e pavimentação no município com uma empresa cujo Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) havia sido registrado há apenas oito dias?

Ligação com o “cartel do asfalto”
Ao investigar mais a fundo, verificamos, diz o site Conquista Repórter, que a Consorcio V. da Conquista é como uma “irmã mais nova” da Liga Engenharia, empreiteira baiana que ficou conhecida nacionalmente por ser suspeita de integrar o chamado “cartel do asfalto”. Ambas têm o empresário Pedro Garcez Souza como administrador e sócio.

A Consorcio V. da Conquista tem ainda a Liga como sociedade consorciada ao lado da CBS – Construtora Bahiana de Saneamento. No próprio cartão CNPJ da empresa, consta o email liga@ligaengenharia.com. Entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2023, a empreiteira também fechou contratos com a Prefeitura de Vitória da Conquista que totalizaram R$11.755.182,46 para realizar obras de drenagem e pavimentação.

A suposta relação da Liga Engenharia com o cartel do asfalto foi destaque em uma reportagem da Folha de São Paulo publicada no dia 10 de outubro de 2022, com o título: “Empreiteira ligada a ex-líder de Bolsonaro atuou em cartel do asfalto, diz TCU”. A denúncia veio à tona após uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) revelar indícios da ação de um grupo de empresas do qual a Liga faz parte em fraudes a licitações bilionárias da estatal Codevasf no governo Jair Bolsonaro (PL).

Na matéria, Pedro Garcez Souza ainda é citado por ter elos familiares com Fernando Bezerra Coelho (União), que chegou a ser líder do ex-presidente no Senado federal. Segundo o TCU, sua empreiteira ganhou um contrato de R$200 milhões com a sede regional da Codevasf em Pernambuco, sendo uma das beneficiadas do cartel.

Relação com o “Movimento Invasão Zero”
Em fevereiro de 2024, Garcez Souza voltou a ser citado pela mídia nacional em uma reportagem publicada pelo observatório “De olho nos ruralistas”, uma iniciativa jornalística que busca mapear os impactos sociais e ambientais do agronegócio no Brasil. A investigação aponta o empresário como sobrinho da coordenadora nacional do “Movimento Invasão Zero”, a advogada Renilda Maria Vitória de Souza, filha do ex-deputado estadual Osvaldo Souza.

Conhecida como Dida, a proprietária de fazendas integra uma família que fez fortuna com a produção do cacau. Seu nome, ao lado do empresário Luiz Uaquim, ganhou notoriedade após terem sido apontados pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) como líderes do “Invasão Zero”. A articulação indígena entrou com representação criminal contra o movimento depois do assassinato da pajé Nega Pataxó, durante um ataque armado no Sul da Bahia.

Já no Sudoeste do estado, a gestora Sheila Lemos (União Brasil) recebeu em seu gabinete representantes do “Invasão Zero”, em junho de 2023. Na ocasião, Luis Uaquim esteve presente. Ele chegou a afirmar que, na Bahia, Vitória da Conquista seria a cidade onde iniciaria uma “campanha que visa combater a invasão ilegal” e que para realizar tal feito contaria com o apoio da prefeita.

Outro lado
O Conquista Repórter solicitou esclarecimentos da Prefeitura acerca dos contratos fechados com a empresa Consorcio V. da Conquista. Por e-mail, questionamos os critérios para a escolha da empresa no processo de contratação citado nesta matéria e se o tempo de existência do seu CNPJ não foi observado no momento da escolha.

Também perguntamos se as obras de drenagem e pavimentação para a qual a organização foi contratada já foram iniciadas e se a gestão municipal tinha conhecimento da vinculação da Liga Engenharia com o “cartel do asfalto”. Pedimos ainda esclarecimentos a respeito da modalidade de contratação utilizada. Não recebemos respostas até esta publicação. A Liga Engenharia também não respondeu ao nosso pedido de posicionamento. O espaço segue aberto.
Do Conquista Repórter