RICARDO SENA E A ARTE DE PENSAR A FOTOGRAFIA

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Por Reynivaldo Brito

A nossa Bahia sempre despertou interesse dos fotógrafos por sua arquitetura, natureza, gente e manifestações populares. Aqui é um ambiente rico para 0s praticantes  da fotografia e cada profissional tem sua visão única e especial na hora de clicar. Além das fotografias documentais eles criam composições admiráveis enriquecendo as fotografias com sua criatividade. Um desses fotógrafos é o Ricardo Sena que deixou a engenharia pelo caminho, e há anos vive envolvido com esta arte secular. É proprietário da Galeria Alma, que fica na Rua Bartolomeu Gusmão, no bairro do Rio Vermelho, e se diz fascinado pela fotografia surrealista porque ela permite aflorar imagens do seu subconsciente e algumas de suas fotos recentes se situam entre na fronteira do surreal e do sensual. Só que ele não foca no sensual como elemento principal de suas fotos, por não ser o objetivo  que busca.Gosta de fazer excursões por este Brasil afora. Já visitou a Amazônia inúmeras vezes, a Chapada Diamantina, entre outros lugares em busca de pessoas, animais, objetos e locais para fazer novas fotos. Ele prefere trabalhar em séries, assim capta e apresenta melhor a essência daquele local e de sua gente. Ultimamente tem retornado à Amazônia  levando consigo colegas ou pessoas que se

A ribeirinha d. Rosa Soares mostra a foto 
de sua filha falecida aos 28 anos de idade.

interessam pela fotografia. Costuma cuidar de toda a logística, dos roteiros, das pessoas que vão servir de guia em cada localidade e desta forma consegue realizar um trabalho que garante melhor aproveitamento do tempo. Como estudou engenharia tem esta vibe de organização cartesiana. Quando lhe perguntei se já enfrentou alguma dificuldade em suas expedições, lembrou apenas de uma viagem por um rio da bacia Amazônica e que o motor do barco parou de vez e em seguida um dos remos quebrou. Teve a sorte, ele e seus companheiros, que depois de algumas horas de muita apreensão, apareceu um barco de pesca pirata. Os pescadores relutaram em rebocar o seu barco à deriva e disse que precisou muita conversa e grana para convencer o pessoal do barco pirata a rebocar.

                               COMPANHEIRA ANTIGA

Quatro fotos do Terno das Almas, feitas  
no Xique-Xique de Igatu, na Chapada
  Diamantina.Por iniciativa do crítico
de arte  Paulo Herkennhoff farão
parte do acervo do Museu Nacional
de Belas Artes.

Seu nome de batismo é Ricardo 

Antônio Sena da Silva e nasceu em Salvador no dia treze de fevereiro de 1973. É filho de José Carlos Barros da Silva e Maria Hortência Sena. Seu pai trabalhava numa empresa que comercializava cacau, e depois migrou para trabalhar no  ramo da construção civil, portanto é de uma família de classe média. Morou inicialmente no bairro da Barra e depois no Jardim Apipema. Fez o primário no Colégio Nossa Senhora das Mercês, na Avenida Sete de Setembro, em Salvador, Bahia. Em seguida foi fazer o ginásio e o colegial no Instituto Social da Bahia, no bairro de Ondina, o qual não existe mais, e até o prédio foi demolido, e em seu lugar estão construindo um novo empreendimento imobiliário. Fez vestibular para Engenharia Civil, na Universidade Federal da Bahia e chegou a cursar durante três anos. Também estudou e concluiu Administração na Universidade Católica de Salvador. Foi trabalhar no setor das telecomunicações e em algumas instituições financeiras tendo ido morar em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mesmo assim nunca deixou a fotografia de lado. Afirmou que mesmo antes do Instagram e do Facebook a fotografia lhe acompanhava e que era um processo muito slitário o seu fazer fotográfico e do pensar fotografia. Para ele não é só fotografar porque a fotografia tem todo um arcabouço por trás que ela abraça como a literatura, a pintura, escultura e a música. “Todas estas formas de expressão eu alimento, e me expresso através da linguagem fotográfica que elegi para me expressar,” diz com satisfação Ricardo Sena. 

                                 O MERCADO

Fotos de  composições criativas num clima 
surrealista. Ele exerce  o controle da luz.

Quando falei se sobrevivia com a fotografia respondeu que a fotografia está realmente em crise, e quando  faz esta afirmação algumas pessoas envolvidas retrucam dizendo que atualmente tem muito mais gente fotografando.  É uma provocação do Ricardo Sena  aos seus interlocutores e quando as pessoas se incomodam e insistem negando a crise da fotografia, ele tem uma resposta para isto, dizendo que “se a Fotografia fosse Literatura 95% por cento ou mais dos escritores estavam escrevendo os mesmos livro; se fosse Pintura 95% dos pintores estavam pintando os mesmos quadros; se a Fotografia fosse Poesia 95% dos poetas estariam escrevendo os mesmos poemas, e se fosse Música compondo e cantando as mesmas músicas”.

Hoje as pessoas estão fazendo as mesmas fotografias, só 5% têm realmente um trabalho pensado, autoral, mais profundo e,  é aí que ele se identifica. Acha que a arte é o aprofundamento, o mergulhar. O seu processo está dentro disto. Os seus projetos são longos, tem projetos que começou em 2013 e não terminou ainda como o Pele Primária. Neste projeto que podemos chamar de série de fotografias ele trabalha fotografando pessoas com os corpos pintados  com pigmentos naturais, a exemplo da tabatinga, e outras argilas e materiais que colhe aqui, na Chapada Diamantina, na Amazônia e onde estiver trabalhando.

Quando começou a fotografar e 1990 estava apaixonado pelas fotografias de Natureza e tinha a certeza que era um fotógrafo de Natureza. Resolveu ir para a Chapada Diamantina. Revelou que na época tinha duas opções: Chapada Diamantina ou o Litoral. Achou que o Litoral era mais fácil e decidiu ir para a Chapada Diamantina porque gosta de desafios, coisas mais difíceis. Fez muitas fotos da Natureza e quando estava fotografando e acontecia  passar um homem da roça, um garimpeiro ou vaqueiro esperava eles passarem para não atrapalhar a cena que queria fotografar, para não interferir na sua fotografia. Mesmo assim de quando em vez àqueles personagens anônimos surgiam nas fotografias e “fui percebendo que eles ajudavam e enriqueciam a composição de minhas fotografias, me ajudavam a contar as histórias. Portanto, fui do macro, do grande panorama, das paisagens e aos poucos  incorporando o elemento humano.” Daí resolveu se aprofundar naqueles personagens e passou a conversar e ouvir as pessoas, observando as expressões corporais, entender as suas vidas simples, seus dramas pessoais. Começou a se interessar pelo humano na fotografia. Saiu das belas paisagens e grandiosos cenários para a paisagem humana.

                                   CERTEZA DA MUDANÇA

Pescador jogando a tarrafa no Rio
Solimões,na Amazônia.

“O melhor da fotografia é a certeza da mudança”, disse Ricardo Sena que no começo de sua carreira tinha certeza e jurava que era um fotógrafo da Natureza. Mas, depois imaginou que era fotógrafo Documental do humano, via como se apresentava e fotografava. Uma fotografia documental clássica. Sempre mergulhando nesses universos do sertanejo, do garimpeiro, dos remanescentes de quilombos, pequenos agricultores, focando nas suas expressões humanas. Portanto, imaginava que jamais deveria compor uma imagem, tudo teria que ser natural. Aí confessa que de novo a fotografia lhe deu outra rasteira e migrou da Documental para a fotografia Performática, onde passou a compor as cenas. Chama a atenção que “isto não significa que estas fotografias Performáticas sejam maiores ou menores que as demais linguagens. Hoje fotografo como estivesse pintando uma tela. Penso na composição, penso na expressão. Para mim na arte a beleza não basta! O decorar pra mim não basta! Busco a relação do pensar e dentro disto me volto para analisar a condição humana. Vejo metaforicamente a minha fotografia como um trem com vagões. Num está a questão mitológica, noutro a sexual, depois vem a religiosa. Nas minhas fotos tem alguma reflexão. Penso na foto, procuro fazer uma dissertação dela, acompanhando a minha reflexão, o meu pensar. Apesar de estar contactado com a tecnologia não sou um fissurado em postar algo todos os dias. Estamos na era fotografia digital e como passei muitos 

anos fotografando com equipamentos analógicos, penso minhas fotos analogicamente. Sem ansiedade, um fazer mais consciente. Antes usava um filme de 24 ou 36 fotos, hoje com um cartão de memória posso armazenar até 10 mil fotos.” Brincando disse: “hoje a máquina fotográfica não faz mais clic, e sim chilique.”

O fotógrafo Ricardo Sena entende que suas fotos são autobiográficas.  Citou que quando se separou fez uma série chamada Ectoplasma Ceifado, que mostra isto, mas de uma forma muito poética. Quando a mãe faleceu, e este fato triste coincidiu com a pandemia voltou para as questões existenciais e da fé, e daí fez uma série que mostra muito aquele momento que estava vivenciando. Para ele é também fundamental a parte do pensar e a estética. Cuida muito da luz. A fotografia é o seu meio de transporte, é a forma que encontrou de aumentar seu conhecimento dos lugares, de aumentar seu ciclo de relacionamento e diz ser um eterno inconformado. Gosta de desafios e se acha com seus 52 anos de idade um jovem e que tem muita energia para se dedicar à fotografia.

Imagine o isolamento e o dia a dia desta
família, no Lago de Piranhas.

Chegou à Amazônia através da leitura em 2016, antes deste foco internacional que hoje está. “Se eu tiver três vidas não vou conhecer todo aquele universo. Já fiz cinco viagens pra lá em um ano, são viagens longas e caras, os deslocamentos são grandes e cada vez que vou me fascino e me surpreendo.” Começou indo só, e hoje vai com pequenos grupos de fotógrafos, artistas e outras pessoas que se interessam pela Amazônia . Assim viabiliza suas expedições e fica mais tempo por lá. Foi a solução que encontrou e vem dando certo. Alguns desses companheiros de viagem  já voltaram duas ou  três vezes. Está preparando um livro sobre a região chamado de Amazônia Incógnita. Neste livro constarão fotos do natural, o humano e o mitológico. Pretende enfocar esta tríade e elegeu o Lago de Balbina, que é o maior paliteiro de árvores mortas do mundo. Estou falando de uma área tamanho do Estado de São Paulo onde tem milhares de árvores morreram  devido a inundação para construção da Hidroelétrica de Balbina. O Lago tem mais de três mil pequenas ilhas, na região do município de Presidente Figueiredo,no estado do Amazonas, e a usina foi construída nos anos 80. Ressalta que na área a natureza  criou um novo ecossistema e tem uma quantidade de peixes considerável, principalmente de tucunaré.