VIGA GORDILHO E A TRAJETÓRIA DE SUA ARTE AFETIVA

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Por Reynivaldo Brito

Quando cheguei para conversar com a artista Viga Gordilho em seu apartamento-ateliê na Ladeira da Barra, em Salvador-Ba notei que a mesa estava repleta de livros e alguns catálogos. E à medida que a conversa fluía a artista apresentava alguns dos livros que escreveu durante sua trajetória de mais de cinquenta anos pintando, pesquisando, escrevendo e transmitindo ideias e seus conhecimentos sobre as artes visuais para centenas de alunos e pessoas de comunidades específicas. Vem realizando exposições em museus e espaços culturais aqui e no exterior. Atua como curadora  com ações educativas em espaços museológicos e comunidades às margens da Baía de todos os Santos e ribeirinhas. Suas pesquisas estão sempre voltadas para a arte e a natureza e também focadas nas raízes da formação do povo brasileiro,e em outros lugares. Agora mesmo encontra-se  no interior da Argentina trabalhando com uma pequena comunidade.

A artista Viga Gordilho falando durante a
Oficina realizada este ano chamada de
Entre o Cafezal e a Criação. Trabalhou
com corantes, terras e fibras de algodão.

Ensinou dezessete anos no Colégio Maristas fez o Mestrado, e depois foi fazer o Doutorado em São Paulo . Após décadas ensinando está aposentada, mas continua trabalhando e pesquisando diariamente. É sempre convidada a dar aulas e palestras sobre arte em outros estados e fora do Brasil. A exemplo desta sua presença neste momento numa região da Argentina chamada Humahuaca onde de 4 a 10 de agosto  ocorreu a Celebração e Cerimônia Ancestral dos povos locais. Ela vai fazer algumas palestras e trabalhar com arte com as pessoas interessadas da comunidade local. Esta já é a 17ª edição deste evento que ocorre anualmente. Com certeza a Viga Gordilho trará folhas, flores e outras lembranças que puder coletar. Essas coletas compõem os materiais que utilizará em suas obras futuras as quais sempre têm no âmago as reminiscências, suas lembranças afetivas por onde passa.

Obras em pequenos formatos  criadas aos
pares representando no  seu projeto
Cartas de Afeto as duas margens dos rios
onde esteve e escolheu para marcar sua
trajetória artística e suas lembranças.

No livro-tese que escreveu para o concurso de professora titular da Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia,   Compartrilhamentos Poéticos, de 2020, ela traça sua trajetória usando a metáfora dos cursos rios onde o passado e o presente estão fundidos e suas experiências ainda estivessem acontecendo.  Daí

 criou dois polos que chamou de canteiros o de imagens e outro de palavras. Nada mais são do que o registro temporal de sua trajetória como pessoa e artista. Ao examinar algumas obras de Viga Gordilho me veio a cabeça o fazer manual e a delicadeza com que aquela senhora alta e corpulenta consegue manusear elementos pequeninos e transforma-los durante o processo criativo em obras que nos impele a pensar na fragilidade. Traz consigo lembranças de sua infância na casa onde viveu em Salvador no boulevard Pedro Veloso Gordilho, em Nazaré, ao lado do Colégio Central ou da Bahia, localizado na Avenida Joana Angélica. Também  de sua vivência com seus avós maternos num casarão em estilo eclético em Santo Antônio de Jesus, no interior da Bahia que tinha porões e um extenso quintal cheio de animais e de árvores frutíferas. Disse que seus avós maternos moravam numa chácara na Rua da Linha, em Santo Antônio de Jesus, pediram a seus pais que deixassem ela ir por uns tempos a viver com eles. Viga Gordilho considera que foi uma época de ouro em sua vida. O sobrado onde eles moravam foi construído em 1912, infelizmente já demolido pela sanha da modernidade. Toda sua obra traz a marca de uma memória aguçada, sensível,delicada  e afetiva muito forte. Brincando revelou que suas irmãs dizem que ela não pode lembrar de tanta coisa e que é uma “infância roubada”. Porém, ela ri e reafirma que lembra inclusive do dia que sua mãe foi buscá-la na casa dos avós maternos e da roupinha que vestia e que tinham feito duas trancinhas em seus cabelos.

Viga  tendo ao fundo obras autorais.

 Ela conta que a casa de seus pais em Salvador-Ba foi construída em 1953 num terreno deixado por seu avô, onde seus tios também construíram suas residências. No entanto a Rua começou a se desfigurar como local residencial a partir dos anos 70. Estudou inicialmente na Escola Nossa Senhora Auxiliadora, dirigida por d. Anfrísia Santiago, localizada na Avenida Joana Angélica, quase na descida da Ladeira da Fonte Nova, em Salvador-Ba. A educadora d. Anfrísia Santiago era conhecida por ser rígida e exigir além de bom comportamento que suas alunas se dedicassem aos estudos. Também as mensalidades eram altas e Viga Gordilho foi compelida a ser transferida para a Escola Ana Nery, no bairro da Saúde, e lá concluiu o curso primário. Lembra da professora Maria Guiomar Ramos nas aulas de redação colocava reproduções das obras do artista francês Jean Debret (1768-1848) para que os alunos dissertassem sobre o que estavam vendo. A imaginação da criançada era livre e assim surgiam as mais diferentes interpretações,e isto o influenciou a gostar de arte.

Confessa Viga Gordilho que nunca teve dúvidas de que iria seguir a carreira artística e que também abraçaria o magistério para retransmitir ideias e os conhecimentos que adquirisse durante a vida para os jovens e outras pessoas interessadas. Estudou o ginásio no Colégio Estadual Severino Vieira em 1968, enquante sua mãe Maria Sanches de Almeida Gordilho na época ensinava Desenho e Trabalhos Manuais no mesmo estabelecimento de ensino. Nos finais de semana sua mãe costuma usar a garagem da casa para pintar e fazer trabalhos manuais. Ao terminar o ginásio foi estudar no Colégio Nossa Senhora do Carmo de Olga Meeting, na Rua da Mangueira, onde formou-se em professora primária e chegou a dar aulas durante um ano numa escola no Largo de Dois Leões. Fez o vestibular em 1970, com vinte anos de idade para a Escola de Belas Artes, da UFBA. Foi quando o Ministério de Educação e Cultura mudou novamente de nome do ensino da Arte. “Nunca vi uma matéria mudar tanto de nome como o da arte”, pontuou Viga Gordilho. A disciplina passou a ser chamada de Educação Artística, depois foi feita uma Reforma Universitária e mudou novamente para Integração Artística, passamos a trabalhar com quatro linguagens: teatro, dança, artes visuais e música. Foi aí que fui ser aluna de Possi Neto, em Teatro, de Ernest Widmer em Música, de Zélia Póvoas, em Artes Visuais e Marta Saback em Dança.”

Aqui ela utilizou galhinhos
de cerejeira que recolheu na
Coréia do Sul quando foi
expor e palestrar.

Quando estudava fez muita amizade com os colegas Maria Adair, José Dirson, que hoje é um restaurador reconhecido e Goia Lopes. Foi através de Maria Adair que soube que o Colégio Maristas, então localizado no bairro do Canela, próximo a EBA estava precisando de professor de Arte. O colégio era todo masculino e eram muitas turmas aí Maria Adair já não conseguia ensinar em todas elas. Foi fazer o teste sendo aceita pelos irmãos maristas que mandaram a propósito de um teste que ela restaurasse a escultura de uma pomba que tinha no estacionamento e estava muito danificada.  A escultura foi levada para a Escola de Belas Artes e lá restaurou. Quando entregou a obra restaurada os irmãos maristas gostaram e a contrataram para ensinar Arte aos alunos. “Brincando, brincando fiquei lá durante dezessete anos e meus quatro filhos estudaram em regime de bolsas nos Maristas. Até que fui conversar com os irmãos que pretendia fazer um concurso para ensinar na Escola de Belas Artes como professora substituta e eles concordaram e passei em segundo lugar. Porém, como só existia uma vaga não consegui entrar imediatamente. Aconteceu que tinha um vaga de professor colaborador e foi assim passei a ensinar em alguns horários conciliando minhas aulas nos Maristas e na EBA. Posteriormente teve outro concurso que fez e foi aprovada em primeiro lugar, isto em 1990. Aí teve que deixar de vez os Maristas e foi ensinar na EBA em tempo integral quando conheceu mais de perto o professor João José Rescala . Passou a ministrar aulas de Teoria e Técnica de Pintura e adotou o seu livro repleto de informações valiosas sobre pigmentos, tintas etc. Neste período fez muitos cenários para peças de teatro e balé e pintava suportes com 21 m x 9 m, e com este trabalho ajudava no orçamento doméstico. “Hoje é tudo no computador, antes era na mão grande”, arremata Viga Gordilho.

                                                             

QUEM É

Viga Gordilho mostra o casarão onde seus
avós maternos moravam . Esta tela foi
pintada por sua avó Donina.

A Maria Virgínia Gordilho Martins, que assina Viga Gordilho Nasceu em oito de maio de 1953, em Salvado. Filha de José Geraldo Gordilho e Maria Sanches de Almeida Gordilho. Sua mãe era professora de Desenho e Trabalhos Manuais e gostava de pintar. Também sua avó materna Donina pintava e seu avô era fotógrafo profissional e cuidava da chácara que produzia frutas e verduras que ele comercializava em Santo Antônio de Jesus. Logo depois que nasceu foi morar com seus avós maternos em Santo Antônio de Jesus, interior da Bahia. Desde criança que tem a mania de recolher conchas, pedrinhas, penas, folhas, pequenos galhos de árvores por onde passa. Atualmente coleta esses materiais os quais são utilizados  em suas obras. Disse que quando criança ia para a praia e seu pai sempre que via ela coletando conchas e pedrinhas coloridas  dizia “guarde porque daqui a alguns anos não vão mais existir.”

Na conversa com a Viga Gordilho lembrei que quando estudava no ginásio e colegial, principalmente as meninas, costumavam guardar folhas, flores e pétalas de flores dentro dos livros e cadernos. Geralmente eram reminiscências de um namoro, de um local especial onde estiveram com seus pais, amigos ou namorados.

MaNinHo  defende a natureza

No ano de 1986 publiquei na minha coluna sua exposição quando ela nos apresentou seu personagem MaNinHo.  O nome foi escolhido em homenagem aos  filhos MAria,NINa e PaulinHO.  E o MaNinHo foi assim apresentado.  Vejamos: “Quem é você?” Eu sou MaNinHo, /a Terra vim conhecer. / Enviado por um astronauta, / que me disse que ela é bonita e feliz: / Pessoas, casas e animais. / Como você, num dado eu moro, / nele vemos tudo… / É o dado do faz-de-conta MaNinHo é um defensor ferrenho do meio ambiente, que naquela época era a pauta em todo o mundo.  Com sua cara gorducha e seus cabelos lisos ele chega como um anjo em visita a esta Terra tão conturbada. A aquarelista e colorista Viga é uma ilustradora de mão cheia de livros infantis. Utilizando principalmente o verde, amarelo e o azul ela introduz Maninho em situações as mais diversas. Numa delas MaNinHo protesta contra a falta de respeito para com o meio ambiente, lembra das brincadeiras infantis, da roda, do chicotinho queimado, do esconde-esconde, os quais foram substituídos por figuras grotescas que dão tiros para todos os lados sob o pretexto de defender o bem e a felicidade.”

Em janeiro de 2001 depois de apresentar em São Paulo sua exposição Cantos, Contos e Contas a artista Viga Gordilho  expôs aqui no Museu de Arqueologia e Etnologia da UFBA, no Terreiro de Jesus, onde mostrou seus experimentos com ceras, metais, contas, pigmentos, corantes, terra e fibras naturais brasileiras, criando formas harmoniosas e espaços bi e tridimensionais. Ela continuava fazendo doutorado em Artes Plásticas na Escola de Comunicação e Artes da USP, tendo como linha de pesquisas Poéticas Visuais, com o projeto Cantos, Contos e Contas. .

Voltei a publicar um novo texto dezembro de 2015 com o título Operária da Arte quando ela buscou a relação do homem com a Terra e dei este título por entender que a artista se joga de corpo e alma nos projetos que abraça. Ela é acima de tudo uma Operária da Arte, uma criadora que se envolve com o todo o processo criativo, que busca novidades.  É um xamã na medida em que desempenha o papel de criadora, com um ritual delicado e único, tem funções e habilidades inerentes àqueles que aqui chegaram com este destino e souberam desenvolver o seu ofício criativo e espiritual.

 Para escrever o Memorial sobre sua trajetória ela vinculou suas lembranças a seis rios o Paraguaçu, na Bahia; o Douro, em Portugal, o Tietê em São Paulo, o Orange na África do Sul, o rio Tória na Espanha e o Reno considerado o rio mais importante da Europa que nasce nos Alpes suíços e percorre a Alemanha. Já fez várias exposições individuais e coletivas aqui e fora do país, além de participar de inúmeros projetos coletivos. Viga Gordilho tem uma vitalidade ímpar e uma sensibilidade aguçada de coletar e vê importância em elementos da natureza e objetos que passam por nós despercebidos .

O Projeto Carta de Afeto ela fez algumas exposições com obras apresentadas aos pares porque estão relacionadas com suas reminiscências nas visitas que fez a esses rios. Cada obra representa uma margem desses rios e são feitas em pequenos formatos usando fibras, folhas, pequenos galhos e outros materiais recolhidos por ela nesses locais e colocados nos suportes de pequenas telas.

                                           EXPOSIÇÕES E ATIVIDADES 

Nome artístico: Viga Gordilho. Graduação: Desenho e Plástica – Escola de Belas Artes -EBA Universidade Federal da Bahia – UFBA (1972-1975); Mestrado em Artes EBA/UFBA (1993-1995); doutorado em Artes pela Escola de Comunicações e Artes- ECA Universidade de São Paulo- USP (2000-2003) e Pós Doutorado pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto FBAUP. 2019. Professora Titular- 2020 – Departamento I – História da Arte e Pintura. Atua no Programa de Pós Graduação em Artes Visuais-PPGAV, como aposentada, atendendo a Resolução nº02/2014, que institui o Programa Especial de Participação de Professores Aposentados nas Atividades de 

Viga  participa de todo o processo de sua arte.

Ensino de Graduação e Pós-Graduação, de Pesquisa e de Extensão na UFBA. Coordenadora do PPGAV 2006-2008, quando o PPGAV recebeu a nota 4. Membro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas- ANPAP, desde 1996 e eleita Presidente, 2009/10, organizando o 18 e 19 Encontros Nacionais, respectivamente na UFBA e na UFRB. Membro da Academia de Ciência da Bahia, desde 2012. Recebeu bolsa da CAPES (PICD), bolsas de estudos PCI-Programa de Cooperação Interuniversitária como Professora Visitante no Departamento de Escultura e Novas Tecnologias na Faculdade de Belas Artes de São Carlos da Universidad Politécnica de Valencia- UPV na Espanha (2000 e 2001). Professora visitante na Escuela de Bellas Artes de Rosario – 2013, Escola de Belas Artes da Universidade Provincial de Córdoba – 2015 (Argentina), da Escola de Música e Belas Artes do Paraná-EMBAP, nos anos 2013,2014 e 2015). Trabalhos selecionados para participar do Projeto Fraenkulturforum nas cidades Esen e Hagen na Alemanha (2002), para o projeto itinerante VisibleVisions em Johannesburg na África do Sul (2003), em Nairobi no Kenya (2005), e projeto aprovado de curadoria, para a Embaixada do Brasil em Seul, Coréia do Sul (2023). Coordenou o Eixo de Artes do projeto multidisciplinar Baía de Todos os Santos- BTS, de 2007 a 2012. Recebeu o prêmio COPENE de Cultura e Arte – (1996) e como Artista Residente SACATAR (2004). Vem realizando mostras no Brasil, África, África do Sul e Europa. Obras, artigos e capítulos publicados em anais da ANPAP, revistas, livros nacionais e internacionais. Autora dos livros: “Cantos  Contos Contas – Uma trama às águas como lugar de passagem; Onde Se Esconde O Cinza Luminooso Onde  As Casas e Vestem De Céu; Ruínas da Fratelli Vita (Org.); Anais 18 e 19 Encontros da ANPAP (Org); “Entre  Territórios – Mesas Redondas” (Org); “BTS em Retalhos” (Org.), “O Vestido Fuxiqueiro”, ComparTRILHAmentos Poéticos, um memorial em tempo gerúndio, Trilhas De Cristal e “Outros comparTRILHAmentos”. Líder do grupo de pesquisa,Mameto MAtéria, MEmória e conceiTO em poéticas visuais contemporâneas, credenciado pelo CNPq, desde 2006. Pesquisa a natureza, especialmente as folhas sagradas e outros símbolos oriundos do entrelaçamento cultural afro-indígena-luso brasileiro, e tem como campo de referência metafórica as margens dos rios como guardiãs de uma poética do silêncio, usando a pintura expandida, arte têxtil e a criação de objetos como linguagens sem fronteiras.