“Deus em Questão”

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Por Eliecim Fidelis

O título entre aspas refere-se ao livro do psiquiatra e professor da Harvard, Armand M. Nicholi (1927-2017). Esse livro inspirou a peça A Última Sessão de Freud e mais tarde o filme homônimo. Uma versão da peça dirigida por Elias Andreato foi apresentada em Salvador, no mês de agosto, no Teatro Sesc Casa do Comércio.

Enquanto a peça e o filme trazem um diálogo fictício entre Freud e C. S. Lewis, o livro apresenta fatos documentados em cartas, textos científicos, depoimentos de próprio punho e de biógrafos ou de terceiros, bem como numa rica pesquisa sobre a experiência de vida de ambos. Procurando colocar-se de um ponto de vista neutro, o autor parte de uma questão básica como fio condutor do enredo: Por que Lewis, que teve uma infância marcada por fatos similares à infância de Freud, inclusive quanto à posição de ateu, optou por converter-se e se tornou posteriormente um defensor fervoroso da existência de Deus, ao passo que o pai da Psicanálise manteve sua posição de ateu convicto até a morte longeva? Com base na documentação, Nicholi analisa comparativamente as ideias dos dois intelectuais sobre temas relevantes: a existência ou não de uma inteligência além do universo chamada de Deus; a existência ou não de uma lei moral universal; o sentido da vida; a natureza humana; o problema do sofrimento; a felicidade, o amor, o sexo, a dor e a morte. Entre os argumentos, questiona-se a convivência do grande amor de Deus por seus filhos concomitante com a miséria decorrente da guerra, da crueldade, da perversão sádica e da maldade humana, que podem levar à revolta de alguns. A resposta está no livre-arbítrio. Afinal, o que seria do mundo se o homem não pudesse ter a prerrogativa de escolher seu caminho? Se assim não fosse, o Criador, antes de um Deus bondoso, portar-se-ia como um déspota. Contrapõe-se ao livre-arbítrio a questão de saber se o homem foi preparado para fazer escolhas, uma vez que até então tristes escolhas tem se disseminado pelo mundo.          

Para não alongar muito, fica a dica do livro e o esclarecimento de que não há neste artigo nenhuma pretensão de defender qualquer tipo de crença. Penso que as opções pessoais concernentes ao poder, ao amor, à religião, política e futebol tendem a se tornar inalienáveis e indiscutíveis. E quando são temperadas com o condimento da paixão, passando a ser defendidas como a Única Verdade, podem significar uma das principais causas de muitas das situações catastróficas presentes na humanidade. Neste advento natalino, estou apenas aproveitando este espaço privilegiado para exercer o direito de pensar, antes que essa regalia até então privativa do ser humano venha a ser surrupiada pela Inteligência Artificial.
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Psicanalista e escritor, membro do Espaço Moebius Psicanálise/fidelis.eli@gmail.com