Por Gilfrancisco
As recentes informações do pesquisador Isnard de Aguiar Cruz (sobrinho-bisneto) de Enoch Santiago, corrige alguns equívocos sobre a origem dos seus pais, as quais utilizamos nesse artigo.

Infância – Nascido na cidade de Lagarto no dia 10 de novembro de 1892, Enoch Mathusalém Santiago, filho de Ivo do Santiago Matusalém, fruto de um relacionamento extraconjugal, cidadão importante na cidade de Riachuelo, membro do Partido Republicano, era casado com Maria Pastora Alves de Melo e pai de sete filhos. A mães de Enoch, Maria Benvinda de Jesus (tratadeira e vendedora de “fato”, vísceras) era de origem humilde. Enoch conquistou elevada posição social e golpes de talento e uma força de vontade nunca desmentida. Iniciou seus estudos na Escola Agrícola Salesiana de Tebaida, no município de São Cristóvão, continuou em Aracaju em diversas escolas particular sendo seu professor de maior apreço, João Hemetério de Gouveia Silva.
Em novembro de 1906, aos quatorzes anos, residindo em Aracaju, ingressou no funcionalismo público no cargo de contínuo da Inspetoria de Higiene, gradativamente foi subindo nos cargos públicos. Em 5 de março de 1907, é transferido para igual cargo da Recebedoria do Estado, onde foi promovido a Guarda, na função de conferente (escriturário), a 28 de dezembro de 1911. No mesmo cargo foi nomeado para Maruim, fundando ali um jornal com o título de Ganhamoroba, sendo o primeiro número publicado em 14 de setembro de 1913. Assumiu a direção do semanário O Paladino, no dia 13 de maio do ano seguinte, foi secretário e o orador em duas gestões (1916-1917) e (1917-1918), do Gabinete de Leitura da mesma cidade.

Jornalismo – Sempre com vocação para o jornalismo, passou a escrever no Diário da Manhã, que tinha como proprietário e redator, o coronel Apulcro Motta (1857-1924) na sessão “Fitas”, utilizando o pseudônimo de Max. Foram dezenas de pequenas crônicas humorísticas, publicadas a partir de 20 de janeiro de 1912 estendendo-se até 16 de julho de 1914. Convidado pelo redator do Jornal do Povo que acabara de ser fundado em 1914, Enoch Santiago passa a colaborar com suas matérias, mas teve duas colunas intituladas “Rimas Alegres”, publicadas entre 7 de setembro a 23 de dezembro de 1914, assinadas com o pseudônimo de Kaiser, onde publicou 78 crônicas em versos e “Às Quintas” (1916-1919), assinando com o pseudônimo de Gil do Sul, ultrapassando mais de cem crônicas, que falam do cotidiano contra a carestia.
O lastro cultural que desde jovem adquiriu, serviu de base para os conhecimentos jurídicos que fora adquirindo com o tempo. Residindo em Aracaju, redigiu o semanário de Maruim O Comércio (órgão independente), que saiu o primeiro número em 1º junho de 1916. Em fevereiro de 1917 Enoch realizou no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe a conferência, A individualidade do Comendador Antônio José da Silva Travassos, segundo Ata do IHGSE, 17 de fevereiro, 1917:
Por fim, assomou à Tribuna o inteligente conferencista Enoch Santiago, que por espaço de 40 minutos, brilhantemente dissertou sob a vida do grande político e historiador sergipano comendador Travassos, rematando com muita dedicação o seu bem elaborado trabalho. Disse s. s. que Travassos falecera num Domingo e Ramos, e que enquanto Jesus Cristo entrava triunfantemente na cidade de Jerusalém, o comendador Travassos entrava glorioso nos domínios da história

Jornal do Povo – A imprensa local também noticiou o brilhante acontecimento (Jornal do Povo, 12 de fevereiro). onde o conferencista abordou sob diversos aspectos do eminente sergipano:
Enoch Santiago é uma esperança no meio lítero-histórico de Sergipe, pois a sua conferência de ontem foi o exemplo do que afirmamos.
Antes da conferência S. Ex. o Sr. General Oliveira Valadão, inaugurou o retrato do grande vulto que foi o comendador Travassos.
Depois, S. Ex. antes de levantar a sessão disse referindo ao trabalho do conferencista: – de conferências como esta é que o Instituto precisa para enriquecer o seu patrimônio.
Neste mesmo ano escreve para o Jornal do Povo dois artigos criticando a farsa do Alistamento Militar em Sergipe. Publica ainda um artigo sobre Inácio Barbosa no mesmo jornal, quando comemorava a passagem do 62º anos da mudança da capital da cidade de São Cristóvão para Aracaju, o nome de Inácio Barbosa foi prestado num obelisco em cujo pedestal foram enterrados os ossos do grande imortal. É preciso lembrar que foi Enoch Santiago que trouxe para a evidência o nome de Inácio Barbosa que há muito andava esquecido. Enoch publicou vários artigos e conferências sobre vários aspectos da mudança da capital, desde 1912 que ele vinha lutando em pró de Inácio Barbosa.

Curso de Direito – Por decreto de 16 de setembro de 1918, foi nomeado 3º escriturário da recebedoria Estadual. Em 1920 publica uma série de seis artigos que se referem à última Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa pelo Governador do Estado de Sergipe (24.10.1918 a 24.10.1922), Coronel José Joaquim Pereira Lobo (1864-1933).
Embora lutando com sérias dificuldades de ordem financeira, ingressou na Faculdade Livre de Direito da Bahia aonde veio a se diploma no ano de 1925. Exerceu a promotoria pública da capital sergipana até 1932 quando assumi a função de Procurador Fiscal dos Feitos da Fazenda, cargo em que deixou merecido renome. Três anos depois mediante concurso, foi nomeado Juiz de Direito de Santo Antônio de Vila Nova (Neópolis), sendo pouco depois transferido para a comarca de Maruim.
Resistência – Dotado de um caráter firme, alheio às injustiças políticas, entrou em conflito com as violências e arbitrariedades do governo na época. Sua independência havia lhe custado o cargo que exercia. Como consequência da mudança da situação política do Estado foi aposentado pelo cruciante art. 177 da turva Constituição de 1937. Enoch negou-se a partilhar das violências e injustiças que o Poder de então pretendera impor à sua judicatura, obrigando-o a deixar o Estado.
Como Juiz o Dr. Enoch Santiago destacou-se pela sobriedade de suas atitudes independentes no pronunciamento dos seus julgamentos, o que o levava constantemente a discrepar dos seus pares, em notáveis votos vencidos, podendo atribuir-se-lhe no Tribunal sergipano. Da sua atuação justa e segura na justiça eleitoral, em um meio pequeno, turbado por violentas paixões políticas, somente com o curso do tempo será possível fazer-se-lhe a necessária justiça, reconhecendo-se as qualidades de Juiz sereno e imparcial.
Por sua atitude de magistrado impoluto, pela sua inteireza moral, que defendeu a Justiça Eleitoral, o Tribunal Eleitoral de Sergipe, acusado em entrevista pública de subordinado, por um candidato a governador, que no último pleito conseguiu vencer e diplomar-se…
Sul baiano – Enoch mudou-se para Ilhéus e Itabuna, ambas as cidades do sul baiano, onde exerceu a advocacia, ocupando ali o cargo de secretário da subseção da Ordem dos Advogados de Itabuna e militou na imprensa local. Em 1942, a Imprensa Oficial publicou: Discursos pronunciados no Banquete oferecido ao Dr. Enoch Santiago, em 11 de junho de 1942, na cidade de Itabuna.
Vencida aquela fase amargurada de sua vida, até quando lhe foi possível voltar a Sergipe, na Interventoria Maynard Gomes, seu amigo, que soube reparar-lhe as injustiças, exercendo o cargo de Chefe de Polícia do Estado de Sergipe.
Em 1943 foi nomeado Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca de Aracaju, época em colabora na imprensa local, assinando uma seção no Correio de Aracaju, intitulada Correio Judiciário. Dois anos mais tarde em 1945 foi nomeado Desembargador do Tribunal de Justiça, cargo que desempenhou até a sua morte. Enoch exerceu ainda as funções de Corregedor Geral da Justiça, membro do Tribunal de Justiça Eleitoral, e seu Presidente.
Morte do poeta – Em fevereiro de 1945 o Desembargador Enoch Santiago é abalado pela morte do filho, Enoch Santiago Filho (1919-1945), no último ano do curso de Direito. cujo prematuro desaparecimento jamais se refizera de todo, pela profunda amizade que o ligava ao filho. Foi um dos fundadores da Faculdade de Direito de Sergipe, onde era titular da cadeira de Direito Judiciário Civil, tendo sido por duas vezes eleito Vice-Diretor. Como professor o traço marcante de sua personalidade era a afabilidade para com os alunos, achando-se sempre em rodas de alunos. Enoch Santiago era membro da Academia Sergipana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, em cuja Presidência faleceu.
Magistrado, professor, ensaísta, dedicado às letras, foi notável poeta lírico, cujas produções figuram em várias antologias. O jornalista Enoch Santiago escreveu também uma peça de teatro, em três atos, intitulada A Calúnia e outros estudos que devido a sua importância se destacaram na época: Percorrendo Sergipe (série de cinco textos); Carta de exposição Casa de Saúde do Dr. Eiras; Mudança da Capital, Gumersindo Bessa; Silvio Romero; Otávio Leite, o magistrado; Centenário de Monsenhor Olímpio Campos, dentre outros.
Falecimento – Vítima de mal súbito (hemorragia cerebral devido a arterio esclerose) que lhe tirou a vida em poucas horas, o falecimento em sua residência, nesta capital, do Professor e Desembargador Enoch Matusalém Santiago em 16 de fevereiro de 1957, causou geral consternação na sociedade sergipana onde gozava do mais elevado conceito.
Logo que soube de seu falecimento, a direção da Faculdade de Direito suspendeu o expediente, providenciando diversas homenagens à sua memória. O seu corpo foi trazido para o edifício da Faculdade de Direito em cujo hall ficou exposto à visitação pública. Ao sair o féretro da Faculdade falou em nome do corpo docente o Professor Manuel Cabral Machado, e em nome dos estudantes o acadêmico Elieser Oliveira.
Por deliberação dos estudantes foi à urna funerária levada a pé até o cemitério Santa Isabel onde à beira do túmulo falaram: o Dr. Osmar Hora Fontes pela Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. Luiz Carlos Rollemberg Dantas pelo Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, o Dr. Durval Lima Santos pela Associação dos Ex-alunos da Faculdade de Direito de Sergipe e o poeta Freire Ribeiro pela Academia Sergipana de Letras.
Cortejo – Presente ao cortejo, estiveram os Desembargadores acompanhados de esposas e filhos, residentes na cidade do Salvador, Orlando Imbassahy da Silva e Carlos Linhares de Albuquerque, genros do falecido. Ambos tiveram a oportunidade de manifestar-se mui agradecidos às homenagens que a Faculdade de Direito, a Ordem dos Advogados, o Instituto Histórico e Geográfico e a Academia Sergipana de Letras prestou ao seu sogro, Desembargador Enoch Santiago, falaram do brilho, inteligência e a cultura de Enoch, além do papel destacado por ele no Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, pelo seu espírito de justiça e amor a liberdade e ao direito.
Tribunal de Justiça – Todavia, ambos não esconderam a grande mágoa e repulsa diante da atitude do Tribunal de Justiça, presidido à época pelo Desembargador Otávio Teles de Almeida (1894-1965), fugindo de prestar ao ilustre morto às homenagens a que ele faria jus. Era inadmissível a ausência de um representante do Poder Judiciário no momento derradeiro de um dos seus membros mais dignos. Durante a entrevista concedida à Gazeta Socialista concluiu:
o tribunal de Justiça de Sergipe pela sua maioria, desonra a memória dos seus ilustres membros falecidos, obscurece a inteligência e a tradição de nobreza dos sergipanos, com tal atitude. Não conheço semelhante fato já ocorrido em outro Estado. É de pasmar de tanta falta de ética.
O Desembargado Enoch Matusalém Santiago, era casado desde 1917 com a professora da Escola Normal Adília Rocha Santiago, com quem teve três filhos; Cândida Maria, Maria Conceição e Enoch Santiago Filho.

Des. Enock Santiago)
Faleceu, em dias da semana passada, deixando um grande vácuo, nas letras jurídicas e na magistratura sergipana, o Des. Dr. Enock Santiago, uma das reservas morais do nosso Estado.
Caráter reto, homem de fibra, desde os seus tempos de Chefe de Polícia, em nossa Capital, que se manifestou um homem à altura das responsabilidades que lhes eram confiadas.
Advogado, fez desse mister uma profissão de sacrifícios, e, não, um meio equívoco de ganhos fáceis. Tal como Carvalho Neto, amou e respeitou o exercício da advocacia, que, embora por pouco tempo, se atendo a ela, nem por isso deixou de tê-la em grande consideração.
Equânime e bondoso, justiceiro e simples, foi, como juiz de Direito, um exemplo, uma afirmação de fé, na Ciência Jurídica, e pô-la em prática, confiante, numa demonstração do a propósito, que o orientava nessa comunicação. Certo de uma certeza lutava pelos princípios do Direito, com denodo, sem estardalho, com energia, sem desespero.
Feito desembargador o Dr.Enock Santiago, pôde, com mais largueza de coração e de espírito entregar-se inteiramente, ao Direito, a quem sempre amou e a justiça, por quem sempre pugnou, em lides, no Fórum, em aulas na Faculdade de Direito, em Acórdãos, no Tribunal de Justiça.
Simples e erudito, inteligente e bom, conciso e breve foi, como intelectual, uma afirmação de espírito, foi como homem uma lealdade à prova, uma dignidade à vista, um caráter à mostra.
Por tudo isso, os que fazem o “Diário de Sergipe” se aliam a dor de sua enlutada família.
(Diário de Sergipe, 19 de fevereiro, 1957)
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GILFRANCISCO é jornalista, escritor, Doutor Honoris Causa concedido pela UFS. Membro do Grupo Plena/CNPq/UFS e do GPCIR/CNPq/UFS