ANA MARIA VILLAR A PROTETORA DAS OBRAS DE ARTE

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Por Reynivaldo Brito

Manter e conservar o patrimônio e bens culturais requer do seu proprietário ou gestor público sensibilidade e conhecimento da importância que representam para si e para a sociedade, porque é através deles que conhecemos a história e tudo que a envolve.  Isto pode ser feito com a arte, as tradições, e os saberes disseminados entre a população. Portanto, é de suma importância a preservação e valorização desses elementos históricos e culturais para preservar viva a identidade do povo daquela localidade ou país. É o exercício da cidadania e para isto é preciso atentar para a necessidade muitas vezes de intervenções que venham restituir e prorrogar a existência daquele patrimônio. É imprescindível que seja restaurado através de intervenções pontuais que são feitas por especialistas devidamente treinados e capacitados, como é o caso de Ana Maria Villar Leite que há anos vem se dedicando a salvar o nosso patrimônio histórico e cultural. As intervenções objetivam dar ao objeto do restauro suas características originais, sempre mantendo a identidade da época em que foi concebido e adaptando a um contexto atual quando necessário.

A artista Ana Maria Villar foi responsável juntamente com sua equipe da qual faz
parte seu filho e arquiteto Álvaro Villar pela restauração do majestoso monumento a Riachuelo que fica em frente ao prédio da Associação Comercial da Bahia, na Cidade Baixa, em Salvador, de várias igrejas, de prédios e obras de arte aqui, em Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro; Penedo, em Alagoas, e em outros estados. Aqui restaurou vários monumentos pertencentes a Cúria Metropolitana onde trabalhou vários anos. Por outro lado, ensinou algumas disciplinas na Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia, da qual foi diretora, e paralelamente continuava produzindo sua arte e fazendo algumas exposições. Durante a pandemia aproveitou para fazer uma série de aquarelas de flores e barcos as quais revelam o seu talento e a sua sensibilidade .

                                                                 QUEM É 

A Ana Maria Villar Leite, ou Ana Maria Villar nasceu em Salvador em 23 de abril de 1942, filha de Adir Alves Leite e Margarida Villar Leite. Estudou seu curso primário e ginasial no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, conhecido como o Colégio d. Afrísia Santiago fundado por ela em 1927, que funcionava naquele casarão que ainda existe e foi restaurado e ocupado pelo Ministério Público Estadual, bem no alto da Ladeira da Fonte Nova. Ao terminar o ginásio foi fazer o teste para a Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia, sendo diplomada em 1957, que funcionava num belo casarão na Rua 28 de Setembro, que hoje pertence a Prefeitura e está sendo usado como depósito de materiais. Lembra que conhecidos e parentes censuravam que ela tão jovem estava indo estudar na Escola de Belas Arte – EBA localizada numa rua frequentada por prostitutas e malandros. Disse que as vezes a pressão era tão grande que chorava, mas que permanecia firme com seu ideal de fazer Belas Artes. Já formada fez o concurso público para professora da EBA para a disciplina Conservação e Restauração de Bens Culturais. Disse que fez a prova e foi aprovada. Teve como professores  Newton Silva, Raymundo Aguiar, Alberto Valença, professor de modelo vivo, dentre outros . “Trabalhávamos com carvão e aprendíamos muito a desenhar e depois subíamos para o ateliê. Era hora de pintar. Tudo isto era realizado num ambiente muito respeitoso e só entravam os alunos e professores porque era aula de modelo vivo.” Fez a pós-graduação em Especialista em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis na Escola de Belas Artes concluindo em 1980. Tem vários diplomas de cursos de restauro ministrados por especialistas italianos, americanos aqui e no exterior.

Ministrou aulas no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da UCSAL; na

UNIFACS no curso de Graduação Gestão e Design da Moda, a disciplina História da Arte e no Curso de Graduação Educação Artística com Ênfase em Composição Gráfica a disciplina Teoria e Técnica de Pintura. Na Escola de Belas Artes da UFBA ensinou as disciplinas Teoria e Técnica de Pintura, História da Arte Universal e História da Arte no Brasil. Ministrou o curso de Reciclagem de profissionais graduados em Restauração de Tela e obras de Arte em Papel para atuarem no acervo do Museu de Arte Moderna da Bahia – MAMB, em 1994. Aposentou-se da Escola de Belas Artes em 1992. Ministrou aulas no Centro Educacional Sophia Costa Pinto de 1954 a 1979, no Instituto Valença de 1957 a 1970 e no Colégio Nossa Senhora do Carmo de 1959 a 1973.

Lembrou que seu pai era muito previdente e como não tinha cursado o segundo grau, pois naquela época não era exigido pela Escola de Belas Artes foi aconselhada a cursar. Então foi fazer o científico no Colégio Ypiranga. Neste ínterim casou e teve quatro filhos e um dia encontrou-se com a colega Yeda Maria que lhe informou que haveria concurso para professor da Escola de Belas Artes. “Resolvi procurar juntar meus títulos e outros documentos e me inscrevi”, adiantou Ana Maria Villar. Disse que a prova era feita dessa forma. “Era sorteado um ponto que você mesma tirava num recipiente onde estavam todos os pontos na presença dos demais candidatos e professores e alguém da banca examinadora anunciava o ponto que você ia escrever. Depois tinha que ler o que escreveu para apreciação da banca examinadora. Tirei uma boa nota na parte técnica, embora nos títulos não tenha me saído muito bem. Examinar durante o concurso uma obra com raios ultra vermelhos, ultravioleta onde se consegue ver se a obra já foi ou não restaurada, e com raio X onde você enxerga até o desenho que o artista fez para pintar aquela obra. Aí me saí muito bem na parte técnica”, disse Ana Maria Villar.

A restauradora e artista Ana Maria Villar acrescentou que para usar o Raio X muitas vezes eles precisam conseguir junto a Faculdade de Medicina para que possam restaurar com mais precisão uma obra de arte. Ela revelou “que é um trabalho muito técnico e de responsabilidade porque muitas vezes estas obras têm um valor monetário, histórico e cultural muito expressivos. Com o Raio X de uma imagem por exemplo, a gente vê onde o cupim estragou e assim podemos traçar a estratégia de como devemos proceder para restaurá-la com precisão. Isto é muito importante”. É  exigente em seu trabalho e reclama que às vezes resolve não participar de determinados editais de concorrências que se baseiam em menor preço porque não permitem um trabalho de qualidade na restauração e uma remuneração justa. Aí exemplificou que “as igrejas baianas têm a presença de ouro nas suas ornamentações e este ouro é de 23 quilates. É muito cara uma folha deste material. Ela é tão fininha que a gente evita respirar para não a danificar. Quando participo coloco o ouro de 23 quilates, como deve ser, e assim muitas vezes saio em desvantagem porque com o menor preço às vezes não dá para cobrir os preços dos materiais, da mão de obra e a remuneração justa do nosso trabalho. Aí tenho me recusado a participar de algumas concorrências.Uma das coisas que Ana Maria Villar chama a atenção é que os bens culturais feitos em metais são muito atacados pela ferrugem e que é importante cuidar logo porque a ferrugem destrói o bem, que muitas vezes fica muito difícil restaurar e voltar ao seu estágio anterior.

 O trabalho técnico e o uso dos materiais adequados são muito relevantes na restauração de um bem histórico e cultural”, afirma Ana Maria Villar. Ela documenta tudo que vai fazer no seu trabalho de restauração e à medida que vai avançando vai fotografando e documentando e no final entrega ao cliente um volume grosso contendo tudo que foi usado e feito naquele imóvel, estátua ou mesmo numa tela. Vi que ela está restaurando uma tela da artista plástica Maria Polo, pertencente a um galerista baiano. É um trabalho meticuloso, cuidadoso e que exige muita técnica e paciência. Esta artista nasceu em Veneza, na Itália em 19-11-1937 e faleceu no Rio de Janeiro em 23 -21-1983. Era uma artista moderna. Estudou no Instituto de Arte de Veneza, entre 1949 e 1955. Quatro anos depois, vem para o Brasil, fixando residência em São Paulo, onde inicia os trabalhos para realizar uma mostra individual, a convite de Pietro Maria Bardi, fundador do Museu de Arte Moderna, paulista. Na década de 70, começa a trabalhar com azulejos e execução de vitrais. Participou, entre outras, das seguintes mostras coletivas: 1963-67 – Bienal de São Paulo, São Paulo; Salão Nacional de Arte Moderna, Rio de Janeiro; Bienal da Bahia, Salvador, BA e da Bienal de Córdoba, Argentina, 1973 .

                                              EXPOSIÇÕES 

Em maio de 1989 Ana Maria Villar fez uma exposição intitulada Marinhas, na Casa Brasil, na Barra, em Salvador, quando escreveu no catálogo “Sinto-me mais livre na minha obra hoje do que ontem, talvez por me sentir mais consciente dos elementos com que trabalho e do próprio ato de fazer criativo. 

Compreendo a arte como o princípio ordenador do caos, busco a ordenação primeiro no meu cosmo interior fazendo, criando e nessa busca utilizo-me das cores essencialmente do verde nos seus mais diversos tons ou nuances e das manchas dos barcos, das velas, do mar e do céu como uma forma de captação e transfiguração da realidade”.

Já o saudoso professor Ivo Vellame escreveu: “Por mais que a figuração continue sendo uma intrometida nas obras mais recentes de Ana Maria, ela se dirige cada vez mais para a abstração. Nessa amostragem, a despeito da observação feita anteriormente, um tema se impõe – os barcos, tema que ela domina como poucos dos nossos artistas. São barcos que teimam em recuperar as suas formas estruturais, porém a artista faz prevalecer a sua vontade criadora, o desenho faz-se cor, o gesto é algumas vezes privilegiado e o estilo, se interessa ao espectador encontrá-lo, não é outra coisa, senão essa harmonia entre tons sombrios e a alegria dos “taches” brilhantes – sensíveis traços de luminosidade. São barcos antológicos, que se distanciam, carregados de lembranças, de formas fugidias como acontecidos reencontrados”.

O professor Carlos Eduardo da Rocha, escreveu: “Ana Maria, professor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, livre das obrigações da diretoria que exerceu brilhantemente, pode agora voltar ao seu ofício de pintora com mais liberdade para a criação. Já tem pronta uma coleção dos seus novos trabalhos, desta vez uma bela exposição de aquarelas com características muito próprias e pessoais porque foge aos efeitos e recursos tradicionais das tintas de água, da suavidade dos coloridos e das transparências luminosas. Com sua experiência de mestra da Restauração em contato com os diversos gêneros de arte, com materiais e suportes variados Ana Maria pode com a maior segurança fazer as dosagens de tintas e tirar dos suportes utilizados novos recursos no caso das suas aquarelas , um papel especial e sujeitos a preparativos prévios. O resultado são os efeitos impactantes das suas cores nas marinhas, onde céus e mares, mastros e velas estão bem construídos com valores puramente pictóricos. Uma pintura de sentimento como não poderia deixar numa artista que sabe com maestria manejar cores e pincéis com tanta desenvoltura e beleza”.

Teve sua vida profissional mais voltada para o restauro de monumentos e obras de artes plásticas. Fez duas exposições individuais. A primeira em 1978 na Galeria Cañizares e a segunda em 1989 na Casa Brasil, ambas em Salvador. Por outro lado participou de muitas mostra coletivas a saber: 2001 – No Centro de Memória e Cultura dos Correios;2001 – na Casa de Cultura Oikos; 1997 – Exposição na Abertura da Escola Baiana de Artes Plásticas, no Caminho das Árvores, em Salvador; 1986 – Exposição em Homenagem à Mulher, na Galeria da Câmara Municipal de Salvador; 1986 – Exposição comemorativa da Visita do Presidente de Portugal Mário Soares, no Gabinete Português de Leitura, em Salvador ; 1987- Exposição Arte da Bahia, em Salvador; 1987 – Exposição Pós-Moderna de Artes Plásticas, em Salvador ; 1985- Coletiva 18 Anos de Galeria , na Panorama Galeria de Arte, em Salvador ;1984 – Exposição Mulheres Artistas, no Shopping Iguatemi, em Salvador; 1982 – Salão de Arte José de Dome , na Galeria José Inácio, recebeu o Título de Menção Honrosa, do Governo de Sergipe; Exposição no I Congresso Nacional das Cores, no Centro de Convenções da Bahia, em Salvador; 1981 – Exposição Retrospectiva dos Processos Artísticos de Presciliano Silva aos dia atuais, na Galeria Cañizares, em Salvador; 1978 – Exposição na Galeria de Arte Kompasso, Salão Funcisa; 1977 – Exposição do Centenário da Fundação da EBA, na Galeria Cañizares; 1970 – I Salão de Arte e Folclore da Bahia em Petrópolis , Rio de Janeiro; 1957 – I Salão Universitário Baiano de Arte Moderna, premiada em Terceiro Lugar: 1956 – VI Salão Baiano de Belas Artes; 1956 – V Salão Universitário de Arte de Minas Gerais, premiada em Terceiro Lugar, com Medalha de Bronze