A inveja ainda segundo Eugène Raiga e Bertrand Russell

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Por Joaci Góes
(Para o amigo Newton Cleyde Alves Peixoto!)
Para Raiga, nenhuma revolução social altera, de modo significativo, a condição do ser humano, em geral. As revoluções criam uma nova classe dominante – substituindo por outros os ocupantes do clube do bem-estar, e um número maior de invejosos do que aqueles que tiveram sua inveja aplacada. Contrariamente à ilusão apregoada, o marxismo fracassaria na sua tentativa de mudar a natureza humana, porque ambição, orgulho, vaidade, ciúme e inveja são atributos inerentes à natureza do Homem.Afirmou que as nações são tão susceptíveis de inveja e ódio quanto os indivíduos. Os fatos posteriores, sobretudo a partir do fim da Segunda Guerra, provaram o quanto Raiga tinha razão.

A expressão “guerra fria”, segundo Eugène Raiga, exprime, na realidade, o conceito de inveja em escala planetária. Este eufemismo propiciou a construção do mais gigantesco palco para a apresentação do espetáculo da inveja que a imaginação mais livre e audaciosa não seria capaz de conceber. A corrida armamentista – que desperdiçou recursos mais de uma vez suficientes para erradicar o analfabetismo, a pobreza e a miséria do mundo – é a prova maior do poderio genuinamente destrutivo da inveja. Entre as nações do mesmo bloco ideológico, as coisas não se verificaram de modo diferente. Basta lembrar a disputa férrea entre os países do bloco socialista, com todo seu cortejo de traições, espionagens e agressões, pelos recursos e convênios tecnológicos, repassados a título de ajuda externa pela União Soviética e pelas nações mais ricas do bloco capitalista. Entre estas nações, nunca se pôde realizar programas consistentes de colaboração recíproca, respondendo esta impossibilidade por parcela substancial do atraso que perdura. Do lado norte-americano, o espetáculo foi o mesmo. As nações pobres ou em desenvolvimento que gravitavam em sua órbita, consumiram parte expressiva do seu esforço em retaliações recíprocas, alimentadas pelo câncer mortal da inveja. Basta ver como viviam, até recentemente, os países da América do Sul, de costas uns para os outros, num desperdício brutal das possibilidades de desenvolvimento que programas inteligentes de cooperação poderiam ensejar. A criação do Mercosul, que assinala o início de uma cooperação efetiva, verificou-se com um atraso de, pelo menos, cinquenta anos. Para Raiga, sentimentos como a inveja e o ciúme não são inatos, mas, necessariamente, desenvolvidos na convivência social. Sendo, como são, atributos inerradicáveis da natureza humana, é socialmente desejável a elaboração de mecanismos que os controlem e impeçam que seu avanço desregrado comprometa o próprio equilíbrio social. De modo otimista, Raiga acredita que o instinto de sobrevivência do organismo social seja capaz de produzir os instrumentos destinados a realizar esta tarefa.

Na parte final do seu livro, sintetiza o seu pensamento: “Todos os modos de expressão da inveja aqui expostos podem ser resumidos em poucas palavras: nada mais são do que a reação do vencido diante do vencedor, do fraco em face do forte, a atitude dos pouco talentosos confrontados com os dotados de muito talento, o pobre diante do rico, o humilde diante do arrogante. O que está em jogo são reações distintas de graus variados de violência que eclodem ou se acomodam a depender da conjuntura, do temperamento e do caráter”.

Bertrand Russell (1872-1970), matemático e filósofo inglês, vencedor do prêmio Nobel de literatura (1950). Pacifista, lutou incessantemente contra os conflitos militares de toda ordem e contra a corrida armamentista. Deixou obra copiosa e variada, como cientista, pensador e homem de letras.

Para ele, a inveja nasce do instinto da frustração e é o principal fato gerador da infelicidade e da discórdia reinantes no mundo. Repreendê-la, pura e simplesmente, só faz com que se disfarce, se oculte e aja mais insidiosamente, ainda. O seu combate eficaz só se realiza mediante a adoção de uma atitude livre e alegre diante da vida. Por isso, condenava o excesso de moralismo, como uma pantomima contra a miséria. Não via relação possível entre emulação e inveja, a mais execrável das características humanas, causadora da infelicidade de todas as partes envolvidas, invejosos e invejados. Considera a aceitação da realidade o primeiro passo para a cura ou recuperação que habilita as pessoas a serem gratas e generosas. “Reconhecer as causas da inveja é um grande avanço para curá-la” Essa cura diminui o medo, vergonha e sentimento de culpa, bem como os impulsos e propósitos destrutivos (The Conquest of Happiness, 1978).