A poesia emotiva de Elizeu Paranaguá

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Por Gilfrancisco
A poesia é uma forma de expressão linguística destinada a evocar sensações, impressões e emoções, por meio da união de sons, ritmos e harmonia, utilizando uma relação de vocábulos essencialmente metafórico.  Por isso a poesia diferenciasse da prosa por não se fundamentar tanto nas normas lógicas da língua, mas sim nas imposições do ritmo, determinado pelo talento do poeta, pelo aspecto sonoro das palavras e pela associação dos significados.

O poeta Elizeu Moreira Paranaguá (27 de novembro de 1963) vive o destino que para si escolheu, encontrou na poesia o interprete fiel de sua alma verdadeira. Porque ele sabe que existem homens incapazes de olhar até o fim, o espetáculo do mundo e da história dos próprios homens. Este jovem poeta de que lhes falo é um homem do diálogo, do debate, que passou anos lutando para mostrar sua poesia, apesar de somente ter um livro publicado, Poema Terra Castro Alves, 1992. O poeta, possui uma obra dispersa ou inacabada, em grande parte inédita.

Num meio estagnado, sua obscura aparição em Salvador, coincide com a predominância de grupos literários subjugados pela vaidade estéril de pensar sobre o existente, povoando a resistência desse poder. Apesar de não poder negar a influência desses poetas e das gerações anteriores, não deixou sem dúvida de se exercer sobre ele, influência real dos poetas em voga. O choque cultural produzido no centro intelectual tem algo semelhante à queda dum enorme aerólito vindo de outras esferas alterar a face da terra.

Poeta que precisa da realidade, imagens vivas e verdadeiras, apesar de trabalhar em via de mão dupla, faz uma poesia que interessa – e muito – às antenas cosmopolitas, porque deixa a marca indelével de seus passos em todos os caminhos que percorre. Pelo jeito aceso de ser pensante e criador, ousou uma poesia na qual o poeta se revela e se faz presente, de consciência perfeita, plena da transitoriedade dos homens e das coisas. Elizeu Moreira também esteve ligado durante muitos anos ao Círculo de Estudos Pensamento e Ação – Cepa, agremiação fundada nos anos 50, da qual fez parte o jovem Glauber Rocha, continua sendo dirigida pelo filósofo Germano Machado [1], onde ganhou asas e voou para fora, migrando para outros espaços.

Não me lembro exatamente da primeira vez que o vi, mas posso assegurar que esse encontro se deu no início dos anos oitenta, quando recém-chegado aos 16 anos (1981) do Recôncavo Baiano, do município de Castro Alves, para complementar seus estudos na capital. Fez parte da agremiação cultural Cepa, onde foi relações públicas e editor da revista Cepa Cultural, ao lado do poeta alagoano José Inácio Vieira de Melo. Sua inclusão nos círculos literários na Bahia, deu-se timidamente; primeiro colaborando em Letra Viva, página do Caderno Cultural do Diário Oficial do Estado da Bahia, época em que estivemos juntos em vários eventos promovidos pelo Cepa.

Este ex-cepista teve uma participação marcante na divulgação da cultura baiana. Entre as suas produções estão alguns artigos que divulgou através das páginas da revista CEPA, dois me chamaram à atenção na época:  Um breve Ângulo da Poesia de Castro Alves e Um verso e universo da poesia de Pound, além das entrevistas Uma voz para combater o racismo, com o sociólogo Manuel Almeida Cruz (1950-2004) e Uma visão dos anos 50 em torno do Cepa, com o poeta Carlos Anísio Melhor.

Os tempos tinham mudado. A sua ressurreição fez o poeta aparecer sob novas vestes, tangenciando os males, persistindo na temática do mundo, com seus componentes rítmico e métricos, bem como às dificuldades e as soluções encontradas em cada verso. A obra de Elizeu Moreira conseguiu produzir uma expressão poética capaz de profunda ressonância. É bem verdade que o processo de montagem e desmontagem do poema favorece a revelação. É com essa disposição que o poeta castroalvence enfrenta a realidade para sentir verdadeiramente o caos que está reservado e pronto a se revelarem.

Por isso o poema aflora do subconsciente e o poeta Elizeu Moreira Paranaguá trabalha cada verso como artefato lógico, que se procura montar sem interferência de elementos fortuitos ou casuais. Assim nasceram alguns dos seus mais conhecidos poemas como Poema Terra Castro Alves. Sobre esse poema, vale dizer, em relação a um momento histórico do passado, o período da infância, dos mitos, das alegrias, das brincadeiras, dos lugares visitados. Por outro lado, a sobreposição dos tempos implica a sobreposição de imagens, colocando o problema sob duas perspectivas diferentes: a do adulto em face da infância interiorana, a do homem urbano em face do desconhecido.

                        Na geografia da vida

                        – o ser

                        é aquele,

                        que em sua circunstância,

                        de

                        realidade

                        é o que é por si próprio.

                        E mais adiante:

                        O tempo se estende

                        no poema da existência.

                        O amor se desdobra

                        como as pontas do sol

                        – para dentro de minha alma.

A poesia de Elizeu Paranaguá sempre abre as portas de uma viagem cheia de surpresas, trazendo soluções tão felizes, por mais cavadas e sutis que pareçam. O poeta parece deixar o poema como que flutuar por algum tempo dentro do seu espírito à espera de certos pontos de fixação. Foi o poeta Antônio Carlos de Oliveira Barreto, autor do livro UnsVersus Outros (1995) que me chamou a atenção para sua recente produção, me confidenciando seu amadurecimento humanista na forma de pensar o mundo, de ver as coisas como elas realmente são. Isso prova o seu crescimento, suas novas investidas, seu atrevimento saído daquele sonho perturbador e impossível.

Encontro agora, na apresentação que a professora Maria da Conceição Paranhos escreveu para Sete Cantares de Amigo, organizado por Miguel Antônio Carneiro, seleção e notas de José Inácio Vieira de Melo, Edições Arpoador (2003), algumas observações muito pertinentes sobre Elizeu Moreira Paranaguá. Observa Paranhos que:

Para Elizeu, o mundo se mostra como enigma a ser decifrado, mas apenas a poesia é capaz de o fazer, como se lê em Correndo Atrás da Imagem – em que a imagem várias vezes repetida nos seus poemas, a do rio, constitui uma ameaça de dissolução, já que equivale ao tempo (V. também o Poema do Rio), e o poeta enfrenta o risco e nele imerge sob a forma do anjo de luz, correlato objetivo para a poesia, e, por extensão, para o poeta.

                                O rio habita a geografia

                        da minha orla

                        e o anjo da luz

                        mergulha nele.

Angustiado pela pressão dos modelos de gerações anteriores, força que regiam a atividade da vida literária na Bahia, e insuficiente para dar conta das novas necessidades, Elizeu Paranaguá rompe o círculo de ferro que emperrava as modificações de alteração da ordem vigente; Para produzir uma poesia que refletisse dois momentos diversos, articulando as noções de distância e desaparecimento – de vida e morte, que significa seu próprio caos. Por isso é desligado de qualquer coisa que limite a sua espontaneidade.

Pedra do Caos, livro inédito que reúne uma parte significante da sua obra, a ser publicado pela Fundação Cultural do Estado da Bahia, através da coleção editorial Selo Bahia, é um livro carregado de emoções, resultado de uma conquista notável, que irradia a própria vida do poeta. Ou como disse o poeta Ezra Pound (1885-1972) a poesia é a forma carregada de significado ao último grau. [2]

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                                               Post-scriptum

O poeta nasceu há duzentos quilometro de Salvador no município de Castro Alves, em 1963 e aos dezesseis anos já se encontrava em Salvador, atordoado com a movimenta cidade. Participou de algumas Antologias: Sete Cantares de Amigos, 2003 e Concerto Lírico a Quinze Vozes, 2004). Publicou três livros: Poema Terra Castro Alves, 1992; O Fogo do Invisível, 2006 e Silêncio da Pedra do Caos, 2013 e Coração dos Destemidos (inédito).


[1] Germano Machado (1926-2017) escritor, professor e jornalista, formado na primeira turma do curso pela Universidade Federal da Bahia, foi diretor da Imprensa Oficial da Bahia – IOB e responsável pela publicação da Revista da Bahia (sete números). Germana foi professor da Universidade Católica do Salvador (1970-1999). Publicou vários livros.

[2] Jornal da Cidade. Aracaju, 24/25 de setembro de 2006.

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GILFRANCISCO: jornalista, professor universitário, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Associação Sergipana de Imprensa – ASI, do Grupo Plena/CNPq/UFS e do CPCIR/CNPq/UFS. Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Sergipe – gilfrancisco.santos@gmail.com

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