Por Joaci Góes
(Para o amigo Ênio Carvalho!)
Precipitado pela facilidade de comunicação ensejada pela Internet, o fenômeno da globalização garante que os recalcitrantes movimentos nacionalistas, que ainda remanescem, sejam, cada vez mais, exceção à regra geral da integração dos povos. Os pensadores ingleses Isaiah Berlin e Eric Hobsbawn, criados na tradição liberal, consideram tão irracional a exaltação de um país sobre os outros, e tão convincente a superioridade do internacionalismo, que confessam a dificuldade de aceitar que pessoas inteligentes possam ser nacionalistas. Acreditam ambos que o nacionalismo está condenado ao desaparecimento, como uma aberração a ser destruída pelo progresso. Já no século XVIII, Samuel Johnson, implacável, sustentava ser o “nacionalismo recurso dos canalhas”. Nessa mesma linha de raciocínio, são muitos os pensadores que acentuam o caráter patológico do nacionalismo, não obstante necessário ao processo de desenvolvimento dos povos, do mesmo modo que a neurose é um facilitador do desenvolvimento pessoal. Trata-se, em última análise, do velho confronto entre as forças do sistema neural primitivo, nós/eles, apoiado na intolerância, e do sistema neural avançado, nós/nós, apoiado na tolerância aprendida. Como as diferentes áreas do cérebro possuem diferentes especializações e limitações, nem sempre o que ocorre numa área é compreendida pela outra.
Na contramão desses vaticínios condicionados pelo desejo, assistimos, em diferentes lugares, a uma parcela da elite intelectual, instruída, embora não, necessariamente, educada, envolver-se, com muito ódio, em ações sanguinárias, inclusive genocídios, estupro e terror, sob a inspiração de movimentos nacionalistas, como aconteceu em 1992, com a Bosnia-Herzegovina, e durante o cerco a Sarajevo, sinalizando que ainda não é chegada a hora da vitória final do internacionalismo sobre a bitola estreita do nacionalismo. Foi pensando nessa irracional vocação do homem para repetir erros que o historiador inglês do século XIX, o bispo de Oxford, William Stubbs, observou: “É possível que o estudo da história possa nos tornar mais sábios, como é absolutamente certo que nos torne mais tristes.” Denis Diderot, o líder principal do movimento editorial do Iluminismo que nos legou l´Encyclopédie, otimista, equivocou-se, pelo menos até agora, ao vaticinar: “Nossos descendentes, sendo mais cultos do que nós, serão, a um só tempo, mais felizes e mais virtuosos.”
Sem renúncia ao ódio que constitui o combustível de sua mobilização, o nacionalismo tem sido festejado, pelos seus adeptos, desde seu nascimento, como um movimento progressista, uma bandeira da luta popular contra os privilégios das dinastias ou dos impérios. Alguns autores atuais, como Ernest Gellner, sustentam que o nacionalismo “é o produto da necessidade das nações modernas de alcançarem uma educação genérica, de padrão universal, de acordo com uma certa divisão do trabalho, que permita às diferentes nações sobreviverem na complexidade do mundo moderno, em contínua mutação.” Gellner acredita que o nacionalismo não morrerá, mas perderá sua virulência.
O início do nacionalismo coincide com a visão jacobina, inspirada em Rousseau, a qual, em seguida, foi incorporada ao pensamento de liberais como Giuseppe Mazzini, na Itália, e John Stuart Mill, na Inglaterra. Woodrow Wilson, 28º presidente dos Estados Unidos, apoiado no trabalho de um grupo de intelectuais, propôs a criação da Liga das Nações, sob o princípio da autodeterminação dos povos. A subdivisão dos impérios austro-húngaro e otomano em diferentes nações nasceu da crença no valor da superioridade desse princípio. As insatisfações produzidas pelo fracionamento dos dois impérios, sem levar em conta valores étnicos, territoriais, históricos, éticos e morais, figuram como causa importante da deflagração da Segunda Guerra. Muitas dessas insatisfações alimentaram ódios permanentes, como a luta sem quartel, servo-croata, na implodida Iugoslávia, cujos horrores na passagem do milênio são um libelo contra nossas pretensões de civilidade.
O nacionalismo revelou-se de grande utilidade, depois da Segunda Guerra, nos movimentos de emancipação das colônias europeias, na Ásia e na África, embora não se hajam concretizado as expectativas de progresso, resultantes da utópica superioridade do homem primitivo e puro, consoante a crença romântica de Rousseau no valor do homem natural: “Todo homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe.” Poucos sabem que essa crença nasceu da idealização das qualidades do índio brasileiro, desenvolvida e debatida por ensaístas e literatos europeus, a partir do século XVI, desembocando na Revolução Francesa, conforme se lê no clássico de Afonso Arinos de Mello Franco, O Índio Brasileiro e a Revolução Francesa, publicado em 1937, com uma terceira edição, pela Topbooks, no ano 2000. Autores como Thomas Morus, Erasmo de Roterdam, Rabelais, Montaigne, Shakespeare, John Locke e Rousseau cederam ao fascínio temático do índio brasileiro. É chocante, para dizer o mínimo, que uma obra dessa importância não tenha sido, até hoje, objeto de ampla difusão, no exterior, pelo governo brasileiro