Por Cláudio Magnavita
A Justiça da Bahia está sendo palco de novo escândalo com dimensões nacionais. Trata-se da abdução de uma área nobre portuária avaliada em mais de R$ 286 milhões, por apenas R$ 3 milhões, ou seja, 1,2% do valor de mercado. Decisões do judiciário baiano, já suspensas por três decisões seguidas de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), continuam sendo desrespeitadas.
O caso é grave por utilizar um inédito instrumento de abdução da área portuária, de soberania da Marinha, no qual uma prefeitura municipal desapropria a área de 110 m², por um valor simbólico e meses depois repassa, sem ônus, para um empresário que a todo custo tentava a adquirir para fusionar com o terreno vizinho. A prefeitura criou uma companhia portuária, na qual ela tem apenas 10% e o empresário os outros 90%. O cobiçado terreno foi usado para integralizar o capital da nova companhia, correspondendo a 1/10 (um dez avos) do capital acionário. Já o empresário recebe 12 meses para integralizar o capital dos outros 9/10 (nove dez avos). Na prática, ele ganha o terreno sem desembolsar nenhum centavo.
A justiça baiana tentou de todas as formas e em diferentes instâncias validar esta desapropriação esdrúxula e entregar o terreno à Prefeitura contrariando a decisão do ministro do STJ Francisco Falcão, proferida em 25 de outubro de 2024, em que afirma em português impecável: “defiro a liminar para suspender qualquer ato que autorize a imissão do Município de Candeias na posse da área aforada pela União à GDK”.
Apesar desta decisão, a justiça baiana, tanto na segunda instância, mas, principalmente, na instância inferior, ignora a determinação do STJ e segue tentando entregar a posse ao município.
No cenário acima, apesar da justiça fechar os olhos para o valor aviltado da desapropriação, não aparecia o nome do empresário que foi beneficiado diretamente por este jogo de espichar a lei e ignorar o STJ. Durante o processo de desapropriação deste ativo, a Prefeitura aprovava com esforço no legislativo municipal a criação da sua companhia portuária, só que a lei municipal previa a sua participação em 40% e um sócio privado com o restante, bem diferente do que foi feito.
Só depois de uma série de reportagens investigativas do jornal Correio da Manhã, o gestor da área resolve, em 25 de julho, ou seja, oito meses depois da primeira decisão do STJ, pedir a reintegração da área e pela primeira vez discordar do valor simbólico da desapropriação.Já a juíza da Vara Empresarial, a quem está subordinado o gestor do terreno, no papel de Administrador Judicial da massa falida, ordenava a transferência dos R$ 3 milhões depositados pela prefeitura para a conta da massa falida, o que consumaria o negócio, mesmo existindo a decisão do ministro Falcão.
O pedido da transferência de depósito, que anteriormente havia sido pedido pelo próprio administrador judicial, foi barrado no dia 16 de julho passado pelo ministro Luís Felipe Salomão, que, no recesso, estava como presidente em exercício. Só neste ponto a juíza mandou suspender a transferência e passadas duas semanas ela ainda não acatou o pedido do seu administrador judicial que solicitou, finalmente, a desocupação da área.
O nome do ministro Salomão faz tremer parte do judiciário baiano, já que foi ele, como Corregedor-Geral do Conselho Nacional de Justiça, quem tomou medidas duras contra irregularidades no TJ-BA.
O texto acima até agora não colocou propositalmente os nomes dos personagens envolvidos nesta “grilagem” que utiliza o judiciário e uma desapropriação com segundas intenções para beneficiar um grupo empresarial que cobiçava a área. É importante que a sociedade civil, a advocacia e o próprio judiciário compreendam a essência desta negociata inédita. Este mecanismo abre um precedente inédito em um negócio que envolve outros nuances delicados, passado por um processo de falência provocado após a desapropriação do ativo que pertencia a uma recuperação judicial, conexões entre os advogados da Administração Judicial, que tem como cliente o empresário beneficiado, e uma juíza que fechou os olhos para a perda de um dos ativos principais de uma recuperação judicial, transformada em falência.
Não há no mundo jurídico quem não se surpreenda com a grande ousadia deste negócio imobiliário transvestido de desapropriação e os seguidos desrespeitos a três decisões do STJ.
Os personagens deste negócio imobiliário
Ao protocolar no processo do STJ as suas explicações, atendendo a uma sábia decisão do ministro Herman Benjamin, presidente da Corte que reiterou as decisões anteriores dos seus colegas e deu cinco dias para a Prefeitura da Cidade baiana de Candeias, na grande Salvador, se manifestar, o processo ganhou um holofote ainda maior sobre as irregularidades cometidas pelo ente municipal. A peça é reveladora. Apesar das meias verdades colocadas, formando um mosaico risível para quem detém todos os fatos.
O município afirma textualmente:”É inverídica a afirmação de que prepostos do Município atuavam na área, uma vez que a mesma fora repassada para a Companhia das Docas de Candeias (CDC) quando ainda estava válida a imissão de posse deferida no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.”
Nem os terreiros baianos todos juntos seriam capazes de um igual milagre. Como a área foi repassada à CDC quando estava válida a decisão do TJ-BA se a companhia só foi criada em maio de 2025, e os seus atos constitutivos só foram registrados em junho de 2025? A primeira decisão do ministro Falcão foi de 25 de outubro de 2024. O processo de desapropriação da área já havia sido remetido à justiça federal e a juíza estadual, atendendo a ordem do STJ, já havia revogado as suas decisões anteriores.
Como uma companhia poderia ter recebido a área como aporte de capital, aprovado na assembleia extraordinária de junho passado, apoiada em um relatório de três auditores que, além de ignorar as decisões do STJ e a transferência para a justiça federal, calcularam “milagrosamente” a avaliação do terreno no valor exato do depósito da prefeitura?
Nesta petição, assinada pelo procurador-geral do Município, JAIME RIBEIRO FILHO, OAB/BA 23.917, que também atua em processos como patrono do empresário beneficiado, afirma “Assim, não é o Município que está na posse do imóvel, mas a Companhia de Docas de Candeias (CDC), pessoa jurídica de direito privado, sob a forma de sociedade anônima, com patrimônio próprio e autonomia administrativa efinanceira, inscrita no CNPJ n° 61.263.156/0001-50, com sede na TV Rio Prado, s/n, Centro, CEP 43.805-190, Candeias, Bahia, razão pela qual é infundada a informação de descumprimento de decisão deste e. Tribunal por parte desse ente público.”
Omite o procurador a data de criação da CDC e a participação da prefeitura com 10% do capital e a nomeação de um membro do Conselho de Administração e de um diretor estatutário, que, aliás, é irmão do ex-prefeito da cidade, o engenheiro desta operação para abduzir o terreno através da esdrúxula desapropriação, que beneficiou a Bahia Terminais, empresa controlada por CARLOS SEABRA SUAREZ, que nomeou o seu filho, GABRIEL SILVA SUAREZ, como diretor estatutário da CDC.
Aliás, a Prefeitura de Candeias, através do atual prefeito ERITON DOS SANTOS RAMOS, transfere para os diretores estatutários da CDC qualquer responsabilidade por ilícito cometido, lavando as mãos ao afirmar: Se houve qualquer atitude ilícita praticada por prepostos da referida empresa, o Município de Candeias/BA não pode ser penalizado, pois trata-se de pessoa diversa, não tendo qualquer ingerência sobre funcionários/prepostos da CDC, por não ser controladora daquela empresa.
CARLOS ANTONIO IBIAPINA JÚNIOR, WALTER NUNES SEIJO FILHO e GABRIEL SUAREZ, segundo o município, são os responsáveis por qualquer ilícito cometido na posse do terreno. Aliás, diretores eleitos só em junho de 2025.
Uma curiosidade é que na petição ao STJ é juntado um trecho do depoimento de Walter Nunes Seijo Filho, assinado por ele e pelo Capitão de Mar e Guerra Vanilto Nery Badaró, responsável pelo inquérito que apura o desatracamento da balsa de 201 toneladas e 27 metros de comprimento, quando houve a entrada dos prepostos da CDC (agora validado pela Prefeitura de Candeias), no dia 17 de julho de 2025, um dias após a decisão do ministro Salomão.
Como a prefeitura teve acesso ao documento, já que a Marinha afirmou à reportagem que não forneceu a terceiros a cópia do depoimento, apenas entregue ao depoente? Os laços ficam evidentes, também em outros documentos juntados.
Como a entrada da CDC na área ocorreu em 17 de julho, trata-se de uma invasão nova e não antiga, o que permitirá a retomada da área de forma imediata, já que a prefeitura de Cadeias afirma no mesmo documento.
Estamos diante de um caso sério e no qual o judiciário tem sido usado em meias verdades. O fato mais relevante é que a área milionária foi incorporada ao patrimônio da empresa de CARLOS SEABRA SUAREZ, por um valor ínfimo do valor real e com a conta paga pelo erário público do povo de Candeias.
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*Diretor de Redação do Correio da Manhã
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Notícia Capital