Dia dos Povos Indígenas. ‘Os Tupinambá: os primeiros baianos’

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Gravura de Theodor de Bry, século XVI (Reprodução/Os primeiros brasileiros, Museu Nacional UFRJ).

Por Gina Marocci
Desde 2022 o dia 19 de abril deixou de seu o Dia do Índio para ser o Dia dos Povos Indígenas. Mas poucas pessoas sabem o porquê desse dia e a partir de quando essa data passou a fazer parte do nosso calendário. Pois bem, a data foi fixada a partir do 1º Congresso Indigenista Interamericano, que foi realizado em Patzcuaro, no México, em abril de 1940, quando se reuniram autoridades de quase todas as nações da América em busca de soluções para os problemas desses povos. No Brasil, a data foi oficializada em 1943, no governo de Getúlio Vargas. Mas, vamos deixar de nhe-nhe-nhem (nhem é uma palavra tupi que quer dizer falar), e vamos ao assunto, que é o povo Tupinambá que habitava o litoral da baía de Todos os Santos no século XVI. O litoral da Capitania da Bahia tinha a presença majoritária dos povos Tupinambá, que fazem parte da família linguística Tupi-Guarani. Foram eles que receberam Caramuru e com ele conviveram, deram suas filhas em casamento e criaram laços de sangue. Eu decidi não falar de todo o processo de escravização e extermínio dos povos nativos porque quero louvá-los e homenageá-los mostrando o pouco que sei sobre a rica cultura deles.

Os Tupinambá eram conhecidos por serem antropófagos e aguerridos, verdadeiros demônios, como os chamavam os colonizadores europeus. No século XVI estimava-se que havia no entorno da baía de Todos os Santos cerca 6 mil guerreiros tupinambá, distribuídos em aldeias com cerca de 400 a 800 pessoas (Santos, 2022). Homens e mulheres andavam nus com os corpos pintados com urucum ou jenipapo, e tintas minerais como o pigmento branco denominado tabatinga ou os óxidos conhecidos como tauá, não apenas como adorno, mas para se proteger do frio e dos insetos. denominados Eles rapavam os pelos do corpo com conchas afiadas e os cabelos da cabeça eram cortados em forma de cuia. Furavam o lábio inferior, o lóbulo da orelha e as narinas para colocar enfeites de madeira, de pena ou de pedra (Tavares, 2001).

As aldeias eram protegidas por cercas, que fechavam um quadrado (ocara), onde eram construídas entre 4 e 8 malocas (ocas coletivas) em torno de um pátio central, o lugar das cerimônias e manifestações coletivas. As malocas abrigavam unidades familiares com parentesco patrilinear (Santos, 2022), e cada uma delas tinha o seu líder, chamado de principal. Dentro delas não havia espaços divididos, apenas as redes penduradas, organizadas por famílias. Eles construíam suas aldeias onde houvesse abundância de água e de madeira, e a possibilidade de caça e pesca. Plantavam a mandioca e o aipim,

O sistema de trabalho era de cooperação e visava sempre as necessidades da coletividade: o alimento, a proteção contra ataques de animais e de inimigos, buscar água e lenha, manter o fogo aceso, defender o território ocupado (Tavares, 2001). Os homens eram criados para ser guerreiros, pois era na guerra contra os inimigos que eles obtinham prestígio social, além do aprisionamento dos guerreiros capturados para o ritual antropofágico (Santos, 2022). A liderança era conquistada por meio dos laços de relacionamentos, e pela capacidade de se conquistar os indivíduos e de conseguir alimento e defesa para a comunidade.

A arte se manifestava pelas pinturas corporais, pelos adereços elaborados em diversos materiais, pela cerâmica, pelos rituais sagrados ou do dia a dia. Assim como em todos os povos, o momento da morte merecia respeito e os corpos eram armazenados em grandes urnas de cerâmica, como a que foi encontrada por arqueólogos em 2020, nas obras da Avenida Sete.

Havia aldeias em todo o território em que foi implanta a cidade do Salvador, com o seu termo e o rossio,; antes disso, os tupinambá viviam na região da Barra, depois se instalaram com Caramuru onde hoje é o bairro da Graça, mudanças ocorridas com a chegada do donatário Francisco Pereira Coutinho. Eles habitavam a região do Cabula e de Periperi. Com a chegada dos padres jesuítas, muitos grupos foram retirados das aldeias originais para se fixar mais próximos à cidade. Assim, sabe-se que houve: uma aldeia no Monte Calvário, onde hoje temos o Convento do Carmo; a aldeia de São Sebastião, onde se ergueu o Mosteiro de São Bento, cujo líder se chamava Tubarão; no atual Forte de São Pedro, a aldeia de Simão; uma aldeia na atual Praça da Piedade; e em São Tomé de Paripe.

O censo do IBGE (2000) apresentou os dados da população indígena da Bahia, os quais apontaram que 65% dos indivíduos autodefendidos indígenas residiam em Salvador e na região metropolitana. Já o censo de 2010 apresentou que um terço da população declarada indígena viva em zonas urbanas. Neste censo, foram identificadas 274 línguas indígenas faladas no Brasil. A valorização da cultura dos povos indígenas é o reconhecimento de que ela faz parte da alma brasileira, está em nossos costumes, nossa pele, nossa raiz.

REFERÊNCIAS

SANTOS, J. M. O. Dossiê Indígena – Os tupinambás entre os alcances e limites da colonização. Disponível em: http://www.bvconsueloponde.ba.gov.br/2022/12/16/os_tupinambas_entre_os_alcances_e_limites_da_colonizacao/. Acesso: 14 abr. 2024.

TAVARES, L. H. D. História da Bahia. 10. ed. Salvador, BA: EDUFBA; São Paulo, SP: UNESP, 2001.
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*Este ensaio foi publicado originalmente na Revista Eletrônica Doris Pinheiro.
Gina Marocci é Professora Sênior Colaboradora do IFBA, Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA, pesquisadora em história da cidade e Urbanismo.