DIÁLOGOS E CONCLUSÕES

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Por Marcelo Pockye

Estava no salão da Lourdes, a cabeleireira que se mudou para os States, cortando meu cabelo, na Avenida Sete de Setembro. Ela, além de exímia cortadora, era também manicure. Num dado momento, puxou assunto comigo tentando arrumar nova cliente:
-Seu Marcelo, sua esposa faz unha?
-Não, ela é advogada.

Conclusão: A distração pode até ser uma virtude, mas por vezes te coloca em algumas saias justas.


Dirigia e contava para o meu filho Theo que, desde que uns funcionários da Prefeitura começaram a fazer uns trabalhos nos gramados que separam os sentidos da Avenida Antônio Carlos Magalhães na altura de Cidade Jardim e também cortando algumas árvores do Dique do Tororó, eu, quando farejava a possibilidade, gritava pela janela do carro para alguém do grupo: “Rapaz, não corta o meu pé de maconha, não, pô! Foi minha vó que plantou aí tem tempo!”. Ele, mesmo rindo, ponderou:
-Pai, está lembrado de uma conversa que tivemos sobre você me dar exemplo?

Conclusão: Meu filho é bem mais amadurecido que eu.


Um cliente me ligou dizendo que um Oficial de Justiça esteve muito cedo na sua casa penhorando uma televisão e um aparelho de ar condicionado seus. Perguntei se ele tinha alguma dívida trabalhista com funcionário que trabalhou no seu domicílio. Ele respondeu que não e lendo a contrafé que o Oficial deixou com ele, me informou que era caso de dívida da sua empresa no Juizado Especial. Pedi para que tivesse calma e falei que ia peticionar no processo dizendo que esses bens eram impenhoráveis. Ele me perguntou:
-Faz sentido isso, Marcelo?
-Se você tiver algo melhor para me inspirar, sou “todo ouvidos” para a sua explanação.
Três meses depois, deixei a sentença de extinção do processo na sua mesa. Tentei puxar pela sua memória sobre a pergunta que ele tinha me feito ao telefone. Óbvio, não lembrava.

Conclusão: As pessoas vivem procurando sentido na vida.


-Vem aqui me dar um beijo, vai
-…………..
-Vai me deixar aqui sozinho? Deita aqui no meu lado.
-……………
-Ah, é assim? Vou aí morder sua orelha, AGORA!
-……………

Conclusão: Labradores, apesar de MUITO inteligentes, não são bons com palavras.


Entrei numa loja de material esportivo no Comércio, em Salvador. Perguntei para o solícito vendedor:
-Boa tarde, amigo, vocês vendem aqui joelheira ou tensor para o joelho?
Ele me olhou atentamente, coçou o queixo, fitou de soslaio minha região abdominal, também minha cintura de quibe caprichado. Indagou:
-Hum……o senhor está com dor no joelho, né?

Conclusão: A NASA não sabe ainda que tem uma mente privilegiada dando sopa bem pertinho da Ladeira da Montanha.


Bahia e Vitória perdem seus jogos no Campeonato Brasileiro um fim de semana qualquer. Na segunda-feira, choveram no meu What´s App várias mensagens e vários memes:
-Essa sua sardinha não vai a lugar nenhum!
-Seu time só tem galinha!
-Esse esquadrão é de lata!
-Time do lixão!

Conclusão: O torcedor do Bahia acha que torço pelo Vitória e vice-versa.


Em plena crise de abastecimento, eu estava numa fila de carros já perto de uma bomba de combustíveis dentro de um posto. Uma repórter muito formosa e sorridente – com o câmera man logo atrás – se aproxima da minha janela e pergunta:
-O senhor sabia que estão dividindo o pagamento de combustível em seis vezes nesse posto?
-Não.
-O senhor pode nos dar algumas declarações? Talvez elas possam ir ao ar.
-Não.

Conclusão: Nem todos têm humor para e vontade de aparecer na honrada televisão brasileira.


No vigor dos meus dezesseis anos, estava eu num domingo de manhã dentro de um ônibus do Fluminense rumo a uma cidade do interior para um jogo amistoso. Eu fazia parte de uma espécie de time B da categoria. Com o coletivo quase chegando ao seu rumo, o “Professor” se sentou no meu lado para dar as instruções finais:
-Albert, você hoje vai de titular na zaga central. Só tenho uma coisa para te dizer: Se sair da área, a jogada tem que parar, com falta ou sem falta, entendeu?

Conclusão: A grande maioria dos formadores de atletas do nosso futebol era bem fraquinha em 1980.


Perguntado na beira da piscina do clube, numa roda de tenistas amadores e bebedores quase profissionais, sobre os benefícios que a yoga estavam me oferecendo, respondi:
-Olha, estou me sentindo muito bem fisicamente, mais forte, mais ágil, mais leve, mais equilibrado, com muito mais fôlego. Me vejo também mais calmo desde que entrei, dormindo melhor. Ou seja, só me faz bem.
Nisso, surgiu um ruído de voz vindo de um canto da mesa:
-Puxa, eu acho a yoga uma coisa tão limitada……

Conclusão: A prática da yoga realmente é muito limitada. Para pessoas limitadas.


Indo embora para casa, liguei o carro e o som, abaixei o vidro para agradecer ao menino que me ajudava a manobrar na confusão de veículos da porta do trabalho. Ele parou, veio para perto de mim e disse:
-Doutor, esse cara toca muito, hein?
-Bom, né?
-Ô Carranca, corre aqui para ouvir isso!!!

Conclusão: Jeff Beck e Taboão têm tudo a ver.


Um carioca em visita a Bahia vai subindo uma ladeira carregando várias garrafas de cerveja dentro de um fino saco plástico de supermercado. Dois baianos, que conversavam sentados no passeio (na calçada, caso acontecesse no Rio) da rua onde subia o carioca, notaram que aquele receptáculo era frágil demais para tanta garrafa. Um avisou: “Vai pocar, amigo”. O carioca, normalmente desconfiado, que estava a passeio na capital baiana e participava de um churrasco sem conhecer ninguém naquele bairro, não olhou para trás, fingiu que nada tinha ouvido. Seguiu sua subida. Ouviu uma segunda voz: “Olha, vai pocar!”. Dito e feito, a bolsa plástica se rompeu, estourando no chão todas as garrafas ali antes espremidas. Finalmente o carioca olhou para a dupla que tentou ajuda-lo, ouvindo por fim:
-Pocou….

Conclusão: Falta de humildade e de conhecimento completo da nossa língua também causam terríveis acidentes.


Recém-mudado minha residência para Salvador, coisa de poucos meses, estava numa baita festa no Porto da Barra, com direito a Olodum tocando encostado no Grande Hotel da Barra. Resolvi comprar uma garrafa de batida numa barraca qualquer. O vendedor me informou:
-Só tem natural, amigo.
-Beleza, me dá uma de maracujá.
Aquela batida estava numa temperatura deveras quente. Estranhei.

Conclusão: Naturalmente, “natural” em Salvador equivale a “sem gelo” no Rio.


Cheguei todo orgulhoso no meu novo point de qualquer hora, onde se degusta um espetinho da melhor qualidade com preço honesto e se bebe uma lata/long neck sempre no modo “suada”, exibindo minha filhota labrador Lina. “Oh, que linda” pra cá, “Como cresceu, Marcelo” pra lá. Eis que a voz do mais ácido do pedaço se faz presente.
-Olha só, pessoal. Essa raça é aquela que leva os cegos para passear. Marcelo já está pensando no futuro.

Conclusão: No Brasil, em toda cidade, em toda esquina onde se respira humor brota um sacana visionário.
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Escritor, advogado e DJ