Por Alcione Bastos
Desde que o mundo é mundo, as mulheres foram consideradas bruxas, feiticeiras, com poderes ocultos. Grande parte da perseguição que sofreram na idade média vem do fato dos homens as temerem, e ainda hoje continuam temendo, de forma inconsciente.
O nome Feiticeira tem origem latina – facienda, que significa “fazer”. Fazem o que? O que seria o feitiço afinal? Antigamente elas eram mestres no conhecimento das ervas e substâncias. Preparavam unguentos, cataplasmas, poções para curar todo tipo de males do corpo. Foram adoradas, consultadas, temidas. Depois, com a ascensão do cristianismo, todas as práticas do paganismo, foram sendo banidas, e as bruxas, passaram a ser perseguidas e exterminadas, queimadas vivas. Não era tolerado nenhuma expressão ou ato considerado oculto, misterioso ou mágico. As bruxas sobreviveram, senão não seriam bruxas de fato.
Mudaram-se os tempos, bem como a forma de se fazer feitiço. Assim foi que me procurou no consultório, há uns dez anos atrás, um senhor com semblante tenso, cabisbaixo, desconfiado. Olhando ao derredor do ambiente, quem sabe procurando se havia ali, algo que trouxesse indícios de magia ou coisa que o valha. Apontei-lhe o sofá de dois lugares e fiz a pergunta clássica: Como posso lhe ajudar, Sr. Libório? (nome fictício).
O homem tinha na época, no máximo uns 50 anos, estatura mediana e estava em boa forma física. Sentou-se e permaneceu de cabeça baixa. Depois de aproximadamente quinze longos minutos onde ele respirava e balançava a cabeça afirmativamente, disse para mim:
É verdade doutora, a mulher lhe jogou um feitiço dos brabos.
Como assim, Sr Libório, do que o senhor está falando?
Ela disse que iria fazer uma reza para eu não funcionar, doutora e não é que o cidadão aqui embaixo ficou acabrunhado!
Entendi de pronto que ele estava se referindo ao seu pênis. Me conte essa história direitinho, desde o início, pedi.
A minha mulher implicou que eu estava de sassarico com alguma fulana na rua, eu tentei dizer a ela que não havia ninguém e que eu só estava me sentindo indisposto ultimamente.
Na verdade, doutora, desde que ela começou a tomar um remédio que a médica dela passou, que o suor correu do pescoço para as partes íntimas e ela vivia com aquela comichão de dia e de noite. Eu sou um homem forte, nunca tinha me dado dessas coisas, mas de repente, vendo aquela fúria vindo pra cima de mim, esmoreci. Ela desconfiando de mim e eu tentando fazer o cidadão prosperar, tanto fez que ela me jogou o tal feitiço. Disse que se ele não subisse com ela não iria subir com mais ninguém. Foi dito e feito doutora.
O senhor já tentou usar algum tipo de medicação para deixar ele mais animado?
A azulzinha? Tomei ela e mais algumas que o Dr Antonio me passou, o mesmo que me recomendou a senhora. Foi feitiço dos brabos. Já fui na igreja, na barraca feira, comprei garrafada e tomei toda, até no pai de santo eu fui, mas eles não gostam de mexer com essas coisas de bruxaria. Sabe doutora, eu tomava conta de um batalhão, quando eu chegava, todos me batiam continência, mas o dito cujo, nem sequer me mexe, e quando eu mando, ele não me obedece!
Sr Libório, o senhor vai fazer direitinho o que eu vou lhe ensinar, certo? A primeira coisa que eu quero que o Sr faça é ter uma conversa amistosa com o seu pênis. Ele me olhou espantado.
Após uma sessão de psicoeducação sexual, onde expliquei para ele como se dava o funcionamento biológico e fisiológico dos órgãos sexuais, disse que ele iria compreender os outros dois fatores que interferem na resposta desses órgãos, ao desejo sexual. O fator psicológico, que iríamos trabalhar semanalmente lá no consultório e o fator social, onde ele iria aprender a lidar melhor com as pessoas e o ambiente a sua volta.
Pedi para ele ter uma conversa de uns trinta minutos, com seu pênis, quando estivesse sozinho em casa, nú em frente ao espelho, antes do banho e durante o banho, ele deveria ensaboar e enxaguar toda a extensão do seu corpo, com paciência e boa vontade. Que se olhasse com carinho e se tocasse com delicadeza. Que fizesse elogios para o entristecido órgão, de modo que o mesmo fosse retomando sua autoestima novamente e que aquela era a melhor forma de transformar feitiço mau em feitiço bom.
Confesso que Sr Libório saiu ainda um pouco desconfiado, porém, estava se sentindo mais aliviado.
Foram menos de três meses de conversa das boas até que Sr Libório chegou lá de braço dado com sua esposa, para me agradecer pelo feitiço bom. Demos boas risadas naquela tarde.
Quantos e quantos homens e mulheres se sentem impotentes, inseguros e desconfiados, sem saber o que está acontecendo com eles. Nosso desejo é misterioso, terra escorregadia e nebulosa. Por trás dele, estão centenas de anos de mitos e histórias. De bruxas, anjos e deuses, cada um com seus próprios poderes, todos eles, escondidos dentro da nossa psique. Prontos para protagonizar suas histórias e nos enredar entre seus personagens.
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Médica e sexóloga/@draalcionebastos