Por Gilfrancisco
O jornalismo é uma fascinante batalha pela conquista das mentes e corações de seus alvos, leitores, telespectadores, ouvintes e internautas, para a causa da justiça social, ingrediente que jamais pode ser dissociado da democracia, sob pena desta perder a substância. Perdemos no dia 3 de julho de 2019 o decano jornalista sergipano.
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Conheço o jornalista João Oliva Alves desde 1996, ano em que cheguei à Aracaju. No começo nossas conversas se limitavam entre os espaços da Academia Sergipana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, durante lançamentos de livros ou alguma palestra. A partir de 2008 quando passei a ser Sócio Efetivo da Casa de Sergipe, por indicação do professor José Ibarê Dantas, os encontros passaram a ser mais frequentes. Mesmo sem conhecê-lo, sem ter intimidade da qual desfrutei, o admirava primeiro por sua sabedoria e interesse pelas coisas de Sergipe, por se tratar de um idoso militante, presente a todas as sessões e quando soube que era pai da professora Terezinha Oliva, me aproximei mais ainda para desfrutá-lo da sua amizade. Conheci Terezinha Oliva no início dos anos noventa em Salvador, na Fundação Clementi Marianni, pesquisando para tese do seu doutorado, apresentado pela amiga e professora da UFS, Alexandrina Luz. Fizemos amizade que se estendeu quando cheguei à Aracaju.
Já fazia algum tempo que não o via pesquisando na Biblioteca. Fui encontrá-lo na Epifânio Dória participando do Projeto Roda de Leitura – Aniversário de Aracaju & Centenário de Mário Cabral – onde realizou uma comunicação sobre o colega jornalista. Ao final da sessão, tiramos fotos e recebi das suas mãos um exemplar de Mural de Impressões com a seguinte dedicatória: Ao ilustre jornalista e brilhante intelectual, com a minha grande homenagem, 11 e março, 2014. Abracei-o, agradeci pela carinhosa dedicatória, entramos no carro e coversamos um pouco em virtude do seu percurso ser curto, desci no portão da Ouvidoria Geral do Estado, sem marcarmos um novo encontro.
Primeiros Passos – Nascido na pacata cidade de Riachão do Dantas a 29 de dezembro de 1922, filho de José Alves Santos e D. Mariana de Oliva Alves. Ali mesmo iniciou seus estudos realizando o curso primário na escola pública local, em seguida cursa o ginásio no colégio Ateneu, contábeis na Escola Técnica de Sergipe e diploma-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Sergipe, (1972/1976). Na cidade natal iniciou-se na vida pública como Secretário da Prefeitura Municipal (1941). Como agente de Estatística do IBGE foi transferido para Aracaju, sendo um dos integrantes da equipe que escreveu a monografia sobre os municípios do Estado de Sergipe, que teve publicação na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, Vol. XIX (organizador, redator e pesquisador de 16 municípios), edição de 1959. Em 1952 como suplente de deputado assumiu a titularidade por curto período, em virtude do afastamento do titular.
Aracaju – Em 1956 fixou residência em Aracaju e passou a integrar o jornalismo sergipano ingressando na Gazeta Socialista (1956) dirigida pelo empresário e político Orlando Dantas, mas o nome do jornal dificultava a publicidade, afastava os anunciantes por esse motivo passou a denominar Gazeta de Sergipe (1961), periódico em que iniciou a fazer reportagens. Segundo João Oliva, a mudança de nome atendia a um objetivo de Orlando Dantas, produzir um jornal menos comprometido com o Partido e aberto para todas as classes. A ideia de ser jornalista sempre perseguiu seu sonho. O sonho de se comunicar com as outras pessoas através da escrita, despertou muito cedo, pois ainda residindo em Riachão do Dantas iniciou-se no jornalismo colaborado na gazeta local e em outras regiões (Estância, Itabaiana e Aracaju).

Em novembro do mesmo ano João Oliva é aprovado em Concurso promovido pelo Tribunal Regional Eleitoral, para preenchimento de uma vaga de Chefe de Zona Eleitoral do referido órgão da Justiça. O concurso que foi realizado por uma Comissão Examinadora, designada pelo Presidente do Tribunal, Desembargador Waldemar Fortuna de Castro (1909-2002), contou com 12 candidatos inscritos, tendo comparecido às provas 7 candidatos, três dos quais não passaram nas provas escritas que eram eliminatórias, sendo que, dos quatro restantes três não logram classificar-se a prova de datilografia, na qual porém conseguiu classificar-se o jornalista João Oliva Alves que foi assim o único aprovado. Essa habilidade com a máquina de escrever está muito bem descrita por sua filha Terezinha na apresentação de Mural de Impressões:
Desde criança, acostumei-me à imagem de um pai que vivia incansavelmente colado à máquina de escrever e convivi com o som nervoso do dedilhar do teclado, sempre concluído com o ruído arrastado do papel saindo do rolo da máquina. Era um gesto característico, o de ver o meu pai puxar finalmente o artigo pronto, encerrando momentaneamente o trabalho fatigante.
Em 1961 passa a ser o Redator-Chefe do jornal A Cruzada, órgão de propaganda e combate, católico, oficial da Diocese que circulava aos domingos, do qual foi também seu Diretor. Foi editorialista do Diário de Aracaju, além da brilhante atuação no jornalismo radiofônico na Rádio Cultura de Sergipe, escrevendo crônicas para os programas Nossa Opinião e Pinga Fogo. João Oliva trabalhou como Secretário de Imprensa no Governo de Seixas Dória, Assessor de Imprensa na Associação Comercial e Assessor de Relações Públicas na Universidade Federal de Sergipe – UFS e Chefe de Gabinete da Secretaria da Educação.
Assumiu também a Presidência da Associação Sergipana de Imprensa – ASI em agosto de 1970, quando da licença do Presidente Zózimo Lima (1889-1974) e em 1973, substituindo ao jornalista José Rocha de Oliveira Neto, então Presidente, no seu impedimento. Em ambas as ocasiões, demonstrou capacidade para a nobre missão de líder dos jornalistas contemporâneos. Em 7 de junho de 2001, toma posse na Academia Sergipana de Letras ocupando a cadeira nº 24, tendo como patrono D. José Brandão, sendo recepcionado pelo jornalista Acrísio Torres de Araújo.
Sobretudo a Imprensa – Apesar de não conter regras fixas, o editorial tem que ser sereno, sem ser pesado, “equilibrado” sem o ataque pessoal, dispensando a linguagem empolada, sem ironia, interrogação e a exclamação. Deve apresentar com concisão a questão de que vai tratar desenvolver os argumentos que o jornal defende, porque o meio natural de um jornal é exprimi sua opinião e a força do editorial está ligada à conduta do jornal. Embora influente o editorial, o redator responsável pelo texto tem que desenvolver os argumentos que o jornal defende, refuta as opiniões opostas e finalizar condensando a posição adotada pela gazeta.
Jornalista consagrado pelos textos de fundo, conhecido como editoriais, o autor nos apresenta um livro de recortes, onde selecionados editoriais de acontecimentos marcantes sempre em defesa da sociedade sergipana. Sobretudo a Imprensa, lançado em setembro de 2009 na Academia Sergipana de Letras em excelente apresentação gráfica, patrocinado pelo Instituto Banese em suas 303 páginas, reúne editoriais publicados nas décadas de 50 e 60 nos jornais A Cruzada e Diário de Aracaju. Nestes editoriais, João Oliva é apresentado como um jornalista político e pensador católico, experiente pela sua militância jornalística, enfrentando desafios, registrando o dia-a-dia dos sergipanos.
O acadêmico José Anderson Nascimento em artigo publicado sobre o autor chama-nos a atenção para a atualidade dos assuntos tratados em um dos seus editoriais, de 13 de julho de 1968, publicado no Diário de Aracaju, intitulado de As reformas e os métodos:
João Oliva naquele tempo, já alertava para a necessidade de preparação do mercado consumidor interno, com o objetivo de apoiar o crescimento industrial do país. Dentro dessas preocupações, reconhecia que as reformas não saiam do seu status quo, pois não contavam com o apoio das elites econômicas, para a sua real execução. De ontem para hoje, a situação é a mesma, as reformas de base do passado, apelidadas agora, de políticas públicas, arrastam-se sem grandes progressos.
Aqui e ali, no Rádio e no Jornal, redescobrindo vestígios político do passado e presente, João Oliva foi adquirindo novas faces e conquistando novas dimensões, produzindo editoriais renovadores por excelência, que lançou raízes e moldou um período da imprensa sergipana, através de sua pena exercia o mesmo poder de sedução de um Paulo Costa, Marcos Cardoso ou Jozailto Lima fazendo-nos enxergar melhor através dos seus textos diretos, enxutos, modernos.
Mural de Impressões – personagens, fatos e coisas de Sergipe é um livro de homenagens, indispensável à leitura dos amantes da memória cultural de Sergipe.Suas “impressões” transmitem aos leitores o universo que o cerca, através do estilo sóbrio e limpo, destacando a força expressiva de cada artigo, utilizando palavras tão exatas que sempre atinge o alvo, a mosca, nos impressionando, tentando estimular uma nova discussão a respeito dos assuntos desenvolvidos pelo autor, como ponto de partida para reiniciar outro texto.

Lançado em setembro de 2013, aos noventa anos é uma coletânea contendo mais de quatro dezenas de artigos, distribuídos nas suas 253 páginas, dividido em três partes: Sobre Personalidades, as quais conviveram durante muitos anos: Dom José Távora, Seixas Dória, Celso de Carvalho, Augusto Franco, Orlando Dantas, João Garcez e outros; Sobre Literatura e Jornalismo, que trata de artigos e resenhas a maioria publicadas na imprensa local: Manoel Cabral, Garcia Rosa, Paulo Fernando, João Melo, Luiza Nascimento, Acrisio Torres, Hunald Alencar, Jozailto Lima e muitos outros intelectuais; Ensaios e Memorialística, capítulo em que trabalha com a memória, resgatando fatos importantes de Sergipe: o centenário de Clodoaldo Alencar, os tipos populares do Riachão, Movimento negro, centenário da Diocese de Aracaju e outros temas aracajuanos.
Talentoso e perseverante, o jornalista João Oliva Alves conquista com esta publicação pontos altos em sua trajetória que só estava começando, apesar dos seus 91 anos. E como bom jornalista da “velha guarda” de uma época em que não existia “Escola de Jornalismo”, tudo era aprendido nas redações a cada dia. Por isso trabalha o texto com fé e paixão, trabalha com o tempo, o espaço e foco narrativo. É de se lamentar que neste estado ainda não tenha aparecido um historiador capaz de escrever a História da Imprensa em Sergipe, que tanto contribuiu para as mudanças sociais, políticas e econômica do estado e acaba de completar 193 anos de sua criação, da mesma maneira como ainda não encontraram um biógrafo para o jornalista João Oliva Alves. Será que está faltando bons historiadores para desempenhar está tarefa? Porque bons temas existem.
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Jornalista, pesquisador, escritor, Doutor Honoris Causa concedido pela UFS. Membro do Grupo Plena/CNPq/UFS e do GPCIR/CNPq/UFS gilfrancisco.santos@gmail.com