Por Gilfrancisco
Maria Rita Soares de Andrade (1904-1998) foi uma das primeiras mulheres no Estado da Bahia a se graduarem no curso Direito, primeira mulher a integrar o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e uma das fundadoras da Associação Brasileira das Mulheres Universitárias. Todas essas conquistas foram alcançadas ainda no início da década de 1930, época em que reivindicar um lugar no mundo corporativo era um desafio gigantesco para as mulheres. Sua primeira inscrição na OAB, foi feita no Rio de Janeiro, em 15 de dezembro de 1932, sob o número 1723 e em Sergipe, em 28 de outubro de 1935, sob o nº 7. Sendo uma das fundadoras do Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil – seção Sergipe, Maria Rita exerceu o cargo de 2ª Secretária na Diretoria de 1935.
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Judiciário
A história das mulheres no Poder Judiciário e recente. Foi só a partir da década de 60 do passado século que as mulheres conquistaram posição na magistratura. A primeira mulher a conquistar o cargo de juíza federal por concurso, foi Maria Rita Soares de Andrade, em 1967, também pioneira ao integrar o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, representando o então estado da Guanabara. Anteriormente, segundo informativo da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, órgão do governo federal, as mulheres representam mais de 40% da base do Poder Judiciário. Até o fim da década de 1960, apenas 2,3% dos magistrados eram mulheres. Essa proporção que chegou a 11% na década de 90, atingiu 30% no ano de 2012.
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Primeiros Passos
Nascido em Aracaju, em 3 de abril de 1904, Maria Rita Soares de Andrade, filha de Manoel José Soares de Andrade (18??-1957), era viúvo e faleceu no Rio de Janeiro. Formada pela Faculdade de Direito da Bahia em 1926. Antes mesmo de se formar já advogava como provisionada, a fim de ajudar o pai que não tinha emprego fixo. Além dela haviam outros três filhos. Atuava com o presidente da OAB – Bahia, Leonardo Gomes de Carvalho Leite e com Oscar Prata, da Procuradoria Regional da República, numa época em que era permitido a advocacia geral aos procuradores. Segundo ela era estes dois melhores advogados da Bahia.
Maria Rita está de volta a Sergipe e publica peça publicitária comunicando aos seus clientes, ao comércio e ao público em geral, que reabriu seu escritório de advocacia à rua Japaratuba nº 20, 1º andar e que anexou a este uma seção de Procuradoria, informações e cobranças, aguardando ali as ordens dos eu a honrarem com sua confiança. Avisa também aos seus clientes, especialmente ao comércio que está apta a promover qualquer ação, cobrança ou negócio outro no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas e Bahia, pois mantem intercâmbio de trabalho com os melhores advogados das capitais desses Estados.
Renovação
A revista Renovação foi uma publicação editada em Aracaju, entre 1931 e 1934, criada pela primeira advogada (bacharel em ciências jurídicas e sociais) do estado de Sergipe, Maria Rita Soares de Andrade. A revista tinha uma estrutura que incluía: publicações literárias, notícias, anúncios de emprego, crônicas, artigos sobre manifestos feministas. Nesse veículo, onde defendia seus posicionamentos políticos, Maria Rita escreveu vários artigos, além de diversos outros para o Jornal do Brasil, defendendo notadamente a causa feminista. Vejamos trecho do Editorial de Renovação, Ano I, nº1, Aracaju – 1º de janeiro de 1931:
Sergipe é já por tradição berço de talento e cultura.
Quando, fora daqui, aparece um Sergipano, nos centros mais cultos e adiantados, os intelectuais recebem-no logo, como um enviado da terra de Tobias, isto, é como uma pessoa capaz de vencer e sobressair em qualquer meio que se disponha enfrentar.
Isto, aliás, não é favor.
Inegavelmente, a precariedade dos nossos recursos, a exiguidade do nosso território, criando-nos a índole de emigrante, fez que, por todo este imenso Brasil, fulgure a inteligência e a cultura de Sergipe, com honra para todos nós.
Há, porém, grande parte de inteligência moça, que se atrofia, incógnita, nos nossos estreitos limites; que tem surtos de evolução e progresso, mas que se retrai e esconde, com o pudor, talvez, de aparecer.
Entre os homens isto, às vezes, se dá; entre as mulheres é a regra geral.
Capital Federal
Em entrevista ao jornal “A Esquerda”, Rio de Janeiro, nº 976 de 17 de março de 1931, sobre as aspirações políticas da mulher brasileira, diz Maria Rita, assim se manifestou:
– Não me causa surpresa a decisão do governo provisório. Eu já ouvira do general Juarez Távora, uma declaração sobre a equivalência e a necessidade de equiparação dos direitos políticos da mulher. Sabia, ainda, que essa equiparação era um dos compromissos do movimento revolucionário liberal, pela palavra de um dos seus chefes mais autorizados, o dr. Baptista Luzardo, e possuía ainda advogados ardorosos como Ariosto Pinto e Augusto de Lima.
O nosso regime democrático estava “manqué”. A hierarquia sexual era retrógada e aviltada tanto o Brasil quaato o aviltou a escravatura negra.
O jornal O Estudante (órgão literário, humorístico e noticioso da mocidade estudiosa de Sergipe), nº 1, 31 de maio de 1931, registrou em sua coluna “Pelo Atheneu Pedro II”, sua participação no Congresso Feminista. Vejamos:
Folgamos em registrar a nomeação da dr. Maria Rita Soares Andrade, livre docente de Literatura do Atheneu Pedro II para a catedrática interina da mesma cadeira. Não podia ser mais justo o ato do Sr. Interventor, uma vez que a nova mestra é uma moça inteligente e culta. Nós que vemos nesta nomeação mais uma prova de quanto vale o trabalho e persistência felicitamos a nossa nova professora.
Estando no Rio de Janeiro para participar de um encontro Feminista, a pedido do Interventor Maynard. O jornal estudantil, Voz do Estudante, Ano I, nº 4, 21 de junho de 1931, registra sua presença:
Seguiu para o Rio de Janeiro, a fim de tomar parte no Congresso feminino, representando o Feminino Sergipano, a Dr. Mari Rita, professora do Atheneu Pedro II, acompanhada pelo seu irmão José Soares. Aos viajantes os nossos votos de feliz viagem.
Como professora do Atheneu, a bacharela Maria Rita Soares de Andrade foi em 25 de julho de 1935, por decreto de 12 nomeada “professora interina” da cadeira de Literatura Brasileira e das línguas Latinas do referido estabelecimento de ensino, tendo sido exonerado o atual catedrático.
Centro Sergipano
Informa o Diário Carioca (RJ) de 7 de julho de 1931, que o Centro Sergipano realizou na tarde do dia 5, a sessão magna de recepção oferecida a doutora Maria Rita Soares de Andrade, que fulgurou como representante da “Mulher Sergipana” no Congresso Social Feminino, sendo recebida com uma salva de palmas ao penetrar na sede do Centro. Aberta a sessão presidida pelo general José Cândido Rodrigues, sentou-se à sua direita a festejada sergipana e em seguida a ilustrada doutora Maria Luiza Bittencourt, digníssima representante da “Mulher Baiana”, junto ao mesmo Congresso:
O general José Cândido em primeira saudação à doutora Maria Rita declarou que abria as portas do templo sergipano para receber em seu seio a mais genuína expressão da Mulher Sergipana representada pela sua mimosa e gentil conterrânea, hóspede desta capital como representante de seu sexo no Congresso Feminino por indicação intelectual de sua terra natal. Disse mais que, o Centro Sergipano sentia-se orgulhoso por ver nele o anjo mensageiro das saudades pátrias e que a gentil patrícia deveria ser de hoje em diante considerada entre todos os filhos da saudosa terra e aqui residentes, como o verdadeiro anjo da guarda.
Agradecendo as manifestações, disse a jovem sergipana que os seus patrícios são muitos generosos recebendo-a de um modo tão cativante que, mesmo não encontra frases dignas de num agradecimento na altura das saudações ouvidas.
Feminismo
Como integrante da União Universitária Feminina, constituída por senhoras formadas pelas Faculdades, Escolas Superiores e universidades brasileiras e estrangeiras do Rio de Janeiro, em reunião mensal foi criada o Diretório Sergipano, presidido por Maria Rita, fundado com solenidade, na Biblioteca Pública do Estado. Em discurso de posse, no qual defendia que a entidade deveria mobilizar a opinião pública em prol da valorização da formação intelectual d mulher brasileira.
Ao retornar do Rio de Janeiro para Sergipe, após participação no Congresso Internacional Feminista, Maria Rita era constantemente assediada pela imprensa sergipana para conceder entrevista. A principio prometera ao jornal A Tribuna, mas concedeu ao Sergipe-Jornal, que teve publicação em 25 de agosto de 1931 sob o título Feminismo:
Desde que voltei da missão que me levou ao Rio, tenho hoje sido procurada por jornalistas para dar minhas impressões do Congresso Internacional Feminista. O primeiro foi Humberto Dantas, d’A Tribuna, a quem prometi uma entrevista, assim que preparasse o meu relato para o Exmo. Snr. Interventor Federal, a quem devo apresentar o resultado da incumbência com que me honrou. Antes de dar contas do meu recado ao Interventor, era meu desejo não falar sobre o Congresso. Questão de fora íntimo. E como a filosofia que hoje professo manda que me satisfaça sempre, ainda não é sobre o Congresso que vou falar ao Sergipe-Jornal, à cuja redação, pelas relações que me prendem, não podia deixar de dar a devida atenção, respondendo ao tópico de ontem, intitulado “Reticências”. O trecho do conceituado jornal foi sobre feminismo e casamento.
Rumo ao Rio
Em 1938, Maria Rita mudou-se para o Rio de Janeiro devido os constantes desentendimentos com uma série de juízes e serventuários sergipanos. Na capital federal atua
como consultora jurídica da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Lá, destacou-se como professora de Literatura no Colégio Pedro II e Direito Processual Civil na Faculdade Técnica de Comércio e na antiga Universidade do Brasil. E abriu um escritório de advocacia com outras duas Marias: Maria Luzia Bittencourt e Maria Alexandrina Ferreira Chaves, no qual defendiam causas políticas de perseguidos pelo regime do Estado Novo e também na prestação de assistência aos militares que haviam participado do movimento rebelde de Aragarças.
Segundo discurso de Laurita Hilário Vaz, ministra do Superior Tribunal de Justiça (2001-2003) diz ser Maria Rita uma pioneira dentre os pioneiros da Justiça Federal:
Sua extraordinária trajetória foi marcada pela atuação emblemática no posicionamento profissional destacado da mulher brasileira, pela influência intelectual no debate de políticas públicas e pela aguerrida atuação feminista. Um exemplo, não apenas como magistrada, mas como ser humano que soube fazer a diferença e quebrar os paradigmas de sua época.
Acidente
Em fins de abril de 1943, no Rio de Janeiro, segundo noticiário da imprensa, caíram do bande na Estrada Velha da Tijuca, o casal João Passos Cabral (1900-1950), advogado e poeta (autor dos livros Espelho Interior e Ilha Selvagem) sergipano e Maria Rita Soares de Andrade, ambos residentes a rua onde de Bonfim, nº 638. João apresentava contusões e escoriações generalizadas, além de fratura do crânio. Maria Rita, ao ser medicada, contusões no cotovelo direito, foi liberada após os curativos a que foi submetida. Passos Cabral ficou internado no Hospital do Pronto Socorro. O bonde em que viajavam, era da linha “Alto da Boa Vista”. O Incidente ocorreu no momento em que João Passos Cabral estava no estribo, desequilibrou e caiu. Maria Rita aflita, atirou-se do bonde em movimento para socorrê-lo.
BNH
Em 1973 a juíza Maria Rita faz severas críticas ao sistema BNH (Banco Nacional de Habitação) em despacho na justiça:
É mais um para o descomunal patrimônio imobiliário que os agentes financeiros do BNH estão acumulando em detrimento dos que acreditaram suportar a correção monetária e adquiriram imóveis financiados. E continua: a titular da 4ª Vara Federal salientando que – a realidade é uma subversão da lei que não foi elaborada para enriquecimento de agentes financeiros e empobrecimento maior do assalariado: seu fim social foi assegurar teto a maior número de menos afortunados.
Denúncia Oportuna
Em maio de 1977 perante a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que investigava a discriminação contra as mulheres no Brasil, declarou a advogada (ex-juíza) Maria Rita (Diário de Pernambuco. Recife, 15 de maio de 1977), que:
Eu gostaria, antes de morrer, de ver uma mulher no Supremo Tribunal Federal. E denunciou também que existia discriminação contra as mulheres no Itamarati, – pois as mulheres nunca atingem o mais alto posto da carreira diplomata – o de Embaixador. Eu acrescentaria que além de praticar discriminação contra as mulheres o Itamarati também pratica outro tipo de discriminação: o racial. Dizer que não existe preconceito racial no Brasil é bobagem. O preconceito existe sorrateiro, por debaixo do pano, sem ousar dizer seu nome em vários extratos de nossa sociedade. E apesar de a discriminação racial não ser aqui uma política governamental (muito pelo contrário), chega a ser chocante ver a negritude brasileira banida dos mais altos escalões dos diversos setores da vida nacional – e isso tanto no plano governamental, como no plano privado.
Aposentadoria
Já em 1967, quando foi reinstalada a Justiça Federal, Maria Rita tornou-se a primeira mulher a ocupar o cargo de juíza federal. Ela foi empossada em 25 de abril como titular da 4ª Vara da Seção Judiciária do Estado da Guanabara. No cargo foi encarregada de sindicar possível corrupção do governo de Juscelino Kubitschek. Em 1973, foi diretora do Foro daquela Seccional, já incorporada pela Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro. Deixou a magistratura por ter caído na compulsória, quando completou 70 anos de idade, em 1974, Maria Rita Soares de Andrade foi aposentada e voltou a advogar.
A sessão solene, realizada na antiga sede do Supremo Tribunal Federal, compareceram autoridades do poder Judiciário e advogados, entre os quais Heráclito Fontoura Sobral Pinto (1893-1991). Na ocasião, ele lembrou, em depoimento a revista O Cruzeiro de 17 de abril de 1974, que – não havia planejado ser juíza, mas, ao ser indicada para o cargo, ficou muito satisfeita em poder exercê-lo na primeira instância, “onde o juiz tem oportunidade de distribuir justiça àqueles que não têm condições de postulá-la e nem ao menos, chegar à presença do juiz”.
Os 90 Anos
A festa dos 90 anos da primeira juíza federal brasileira, Maria Rita Soares de Andrade, reuniu aproximadamente duzentos convidados na mansão da homenageada, em Santa Teresa. O senador Nelson Carneiro (PP-RJ) e o ex-ministro da Economia, Marcílio Marques Moreira, lembrou o espírito público de Maria Rita. Marcilio disse que é amigo da família há mais de 40 anos, porque sua mulher, Maria Luiza, foi batizada pela aniversariante.
O brigadeiro aposentado Paulo Salema, ex-secretário do brigadeiro Eduardo Gomes, também esteve lá, além de vários juízes federais. A festa teve um recital de violino e teclados pelo grupo “Românticos do Rio”, e a poetisa Geny Sardemberg recitou uma poesia de Margarida Lopes de Almeida, que morou no mesmo bairro em Santa Teresa. Monsenhor Feliciano Castelo Branco dirigiu uma celebração de ação de graças lembrando que a homenagem coincidiu com a Páscoa, “data da transfiguração da vida”.
Exposição homenageia juíza
Maria Rita faleceu em 5 de abril de 1998, aos 94 anos, deixando um legado de conquistas no mundo jurídico, principalmente na consolidação feminina no Poder Judiciário. Ela foi uma figura capaz de fazer a diferença e quebrar paradigmas de sua época.
O TRF do Rio de Janeiro promoveu uma exposição em homenagem à primeira juíza federal do Brasil, Maria Rita, nomeada, em 1967, pelo então presidente Castelo Branco. Na vanguarda do feminismo, a juíza exerceu a magistratura como titular da 4ª Vara Federal do Rio de Janeiro até a aposentadoria compulsória aos 72 anos, quando voltou a advogar. Vejamos o registro do Jornal do Comercio de 10 de julho de 1998:
A exposição, contendo fotos, documentos, registros e depoimentos, pode ser visitada até 7 de agosto, das 12 às 17 horas, na galeria dos magistrados, no 3º andar do Tribunal da Rua Acre, 80 – Centro.
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Jornalista, professor universitário e escritor membro do Grupo Plena/CNPq/UFS e do GPCIR/CNPq/UFS. Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Sergipe – gilfrancisco.santos@gmail.com