“Meu tempo é agora”: Homenagem ao Centenário de nascimento de Mãe Stella de Oxóssi

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Por Zulu Araújo

“Meu tempo é agora”, frase lapidar da Yalorixá Stella de Oxóssi e que dá título ao seu livro mais famoso, diz bem da sabedoria desafiadora que ela possuía e compartilhava com a nossa gente.

Semana passada, em 12 de junho, Mãe Stella foi homenageada pelo Congresso Nacional. Proposta de três parlamentares baianos: Senador Wagner, Dep. Lídice da Mata e Dep. João Carlos Bacelar.

E a casa do povo se encheu de alegria numa homenagem mais do que merecida.

Mãe Stella, nascida Maria Stella de Azevedo Santos, no dia 02 de maio do ano de 1925, foi a mais importante sacerdotisa das religiões de matriz africana a chegar ao século XXI.  

Deixou um legado extraordinário para a história cultural e religiosa do Brasil.

Nascida em Salvador, não teve filhos naturais, mas encarnou como poucas a figura de mãe espiritual de centenas de filhos e filhas de santos, liderando por mais de 40 anos um dos maiores terreiros de Candomblé do Brasil, o Ilê Axé Opô Afonjá.  

De forma firme e serena enfrentou de peito aberto a intolerância religiosa e o racismo, escreveu inúmeros livros, organizou e participou de inúmeros movimentos nacionais e internacionais, deixando um legado inestimável de coragem e determinação

Mulher singular, que sempre esteve à frente do seu tempo.  

Religiosa convicta do Candomblé, era direta e objetiva ao expressar suas ideias e opiniões. Desafiou dogmas, fossem católicos ou do candomblé com a segurança de quem sabia o que fazia e o que queria.

Lá pelos idos de 1987, com a chegada de Dom Lucas Moreira Neves (um dos arcebispos mais conservadores que a Bahia já teve), a Salvador, afirmou categoricamente que o sincretismo folclórico baiano fazia mal para ambas as religiões (Candomblé e Católica), pois lhes retirava a essência.

Dizia ela – “a fé é a maior liberdade que o ser humano possui”.

Mãe Stella era digna e altiva e não se contentava com o espaço restrito da religião para exercer sua cidadania. Era militante na luta contra o racismo e a intolerância religiosa, mas agia com ponderação e bom senso.  

Não se furtava a emitir suas opiniões políticas, nem de tomar partido, mas sempre preservou o Ilê Axé Opô Afonjá da ação predatória da política partidária.

Era uma entusiasta do livro e da leitura. Foi a primeira Yalorixá a escrever sobre as coisas do Candomblé, sem infringir a tradição, mas tratando com clareza e sinceridade da magia e das idiossincrasias que toda e qualquer religião possui.

No espaço sagrado do Ilê, criou também o sagrado espaço para a educação, a Escola Municipal Eugênia Ana dos Santos. O nome foi dado em homenagem a Mãe Aninha, a primeira Yalorixá do Afonjá, que tinha o sonho de que seus filhos pudessem se educar, num tempo em que educação era um privilégio dos brancos e ricos.

Para coroar sua trajetória, a escritora Mãe Stella, foi eleita por unanimidade pela Academia de Letras da Bahia para ocupar a cadeira número 33 que foi de Castro Alves.

Mãe Stella, uma figura inquieta e ativa, bem humorada e antenada com as coisas do mundo material e espiritual.

Por isso mesmo, podemos afirmar sem medo de errar que Mãe Stella não morreu, em verdade foi compartilhar sua sabedoria com o pessoal do andar de cima e continuará ajudando o pessoal do andar de baixo a fazer do planeta terra um lugar mais agradável para se viver e sonhar. Okê Arô!

Toca a zabumba que a terra é nossa!
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Gestor Cultural, Arquiteto, Mestre em Cultura e Sociedade e Doutorando em Relações Internacionais/UFBA. Ex-Presidente da Fundação Cultural Palmares/MinC.