Não se combate a seca. Convive-se

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Por Josalto Alves
Numa das muitas viagens que fiz a pelo menos 308 municípios baianos, assessorando o então secretário da Agricultura, engenheiro agrônomo Eduardo Salles, testemunhei uma cena que nunca esquecerei e que, nesse momento em que a seca volta a castigar o estado, torna-se nítida, mais que nunca.

Era o ano de 2012, e a Seagri realizava mais uma edição do projeto ‘Seagri Itinerante’, no município de Macururé, a quase 500 quilômetros de Salvador, localizado no nordeste semiárido da Bahia, sertão do Raso da Catarina. De repente, a presidente do Sindicato Rural de Macururé, Dona Lia, uma senhora baixinha, de 61 anos, pele curtida pelo sol, levanta-se e, com voz surpreendentemente poderosa, exclama: “Senhor secretário, se nada for feito, daqui a um ano, as crianças que nascerem aqui não vão saber o que é um bode”.

Esse grito de alerta, que representava o drama vivido pela população do semiárido, que sofria, à época, com a maior seca da história do nordeste, ecoa novamente no lamento de criadores, produtores e agricultores familiares.

Lamentavelmente, a seca que castigou a Bahia nos anos de 2011 a 2014, está de volta. E os atores envolvidos nesse drama não aprenderam a lição: Seca é um fenômeno natural, é recorrente, não se combate. Convive-se!

É determinante que os governantes tratem essa questão com energia focada na missão de transformar essa realidade. Essa fase vai passar. E quando ocorrer nova estiagem?

Na sexta-feira da semana passada (15) o governador da Bahia anunciou um pacote de ações emergenciais: distribuição de carro pipa, limpeza e abertura de aguadas, perfuração de poços, licitação para sistemas simplificados de abastecimento, entrega de cestas básicas, entrega de sacas de milho, implantação de pontos de venda e entrega de máquinas para processamento de alimentação animal, pagamento do seguro Garantia Safra…

Déjà vu? Sim. Não é mera sensação. É real. Medidas emergenciais como essas foram adotadas na seca de 2011 a 2014. Mas faltaram ações estruturantes para preparar o estado para um novo período de estiagem, garantindo água para uso humano, para a dessedentação animal e a reserva alimentar, elementos fundamentais para a convivência com a seca e com o semiárido.

Minha memória registra a luta do então secretário da Agricultura da Bahia e presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Agricultura, que resultou na liberação, pelo BNDES, de R$ 100 milhões, não reembolsáveis, dos quais R$ 26 milhões foram destinados à Bahia, para construção de cerca de cinco mil barragens subterrâneas, limpeza e abertura de aguadas. Retroescavadeiras, e todo material necessário para efetivar estas obras nos municípios na área de influência da Codevasf, foram compradas e distribuídas.

Quantas barragens subterrâneas foram construídas?…Gostaria de saber!

Espécie de cacto, capaz de conviver com secas intensas, e com excelentes qualidades nutricionais, a palma foi escolhida como melhor opção para se trabalhar a reserva alimentar.

A Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA) pilotou o programa de cultivo de palma adensada e inicialmente plantou 10 hectares irrigados em cinco de suas estações experimentais. O objetivo era distribuir milhões de mudas aos pequenos criadores.

Em 2012, visitei a Estação Experimental da EBDA em Utinga, na Chapada Diamantina, onde 40 técnicos estavam sendo capacitados para a implantação do Programa Palmas para o Sertão. Então diretor de Pecuária da EBDA, Marcelo Matos, explicou-me que meia tarefa plantada pode produzir 400 toneladas de palma, suficiente para alimentar 44 vacas durante seis meses. Imagine esse resultado multiplicado por milhares de hectares!

Com essa reserva nenhum animal morreria de fome!

Planos e projetos haviam muitos, e a EDBA era uma peça fundamental. Mas em setembro de 2016, dia 24, em edição extra do Diário Oficial do Estado, o então governador, Rui Costa, publicou decreto extinguindo a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola, que por 50 anos prestou inestimáveis serviços à agropecuária baiana, e em especial aos agricultores familiares, garantindo-lhes a assistência técnica.

Recorrente, a seca volta a castigar e atinge mais de 130 municípios baianos. Nas palavras de Humberto Miranda, presidente da Federação de Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), “o estado vive um drama por conta da estiagem”. Os prejuízos causados ultrapassam a marca de R$ 1 bilhão. Já são mais de 150 mil os animais mortos, de fome e sede.

Diante da realidade vivenciada, só resta uma conclusão lógica. Ações emergenciais são importantes, mas são pontuais. O que precisamos é de medidas estruturantes que fortaleçam uma política de convivência com a seca e o semiárido.
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Jornalista e advogado/josaltoalvesadv@gmail.com