Por Joaci Góes
(Para o amigo, pai de Amanda e grande fotógrafo Victor Lima)
O arquiteto, escritor e professor Lourenço Mueller, nascido no dia 5 de junho de 1944, acaba de celebrar os seus 80 anos, encontrando-se em exuberante vetustez, tal a sua forma física e mental. No dia seguinte ao seu nascimento, 6 de junho de 1944, aconteceu uma das maiores operações militares que passou à História com o nome de O Dia D, para denominar a invasão das forças aliadas na Normandia, na França, dando início ao processo que libertou a Europa do domínio nazista.
Essa coincidência de datas carrega um significado profundo, ao nos advertir que cada indivíduo é também um protagonista da história, em escala individual. Tal é o caso de nosso aniversariante, o que explica as homenagens que recebeu de familiares e amigos, em razão do conjunto de singularidades que compõem sua heterodoxa biografia, presentes nas rugas que vincam o seu rosto, marcos de sua resiliência moral e força de caráter. Basta destacar que, como é visão consensual, o período que se inicia na fase final da Segunda Grande Guerra aos dias correntes representa a fase de mais acentuadas e profundas transformações na saga existencial da humanidade.
Doutor em arquitetura pela Universidade Federal da Bahia, Lourenço Mueller é personalidade que não se enquadra nos padrões tradicionais de comportamento de nosso tempo, comandados por um pragmatismo marcadamente material que coloca o feijão acima do sonho. Miguel de Cervantes imortalizou essa tipologia humana, comandada pelos sonhos, através do D. Quixote, uma das personagens máximas da literatura de todos os tempos, ao lado de Hamlet, de Shakespeare. “Por uma fatalidade, dessas que descem do além”, Cervantes e Shakespeare, os maiores gênios literários de seus respectivos países – coincidência por cima de coincidência – morreram no mesmo dia, 20 de abril de 1616, data em que o bardo inglês completava 52 anos.
Três séculos depois de Cervantes, o irlandês George Bernard Shaw elevou às alturas o inconformismo e a irreverência ao sentenciar que “sensato é o indivíduo que sai para o mundo inteirado das regras de comportamento e motivado para segui-las; insensato é aquele que, fiel aos seus valores, sai para o mundo decidido a impô-los em substituição às regras dominantes. É por isso que todo progresso humano depende dos insensatos”. São dessa mesma estirpe os santos que abalaram o mundo e gente como o Mahatma Gandhi, Nelson Mandela e o nosso Luiz Gonzaga Pinto da Gama. É verdade que para cada um triunfante, desses guerreiros, noventa e nove tombam ao longo da marcha.
De modo mais poético, o vate americano Robert Frost disse a mesma coisa, ao declarar que prefere o caminho menos batido ou percorrido, The road less travelled, ao caminho mais conhecido, por oferecer maiores possibilidades de descobertas.
O arquiteto, urbanista, artista plástico, articulista, escritor e exímio capoeirista Lourenço Mueller, formado como eu e o Senador Otto Alencar na Academia de Mestre Bimba, ao lado do Terreiro de Jesus, a mais de viver rodeado do respeito e afeto de sua numerosa legião de amigos e familiares, faz do ofício de remar contra a maré, uma prática rotineira, revigoradora do seu ânimo de viver desafiadoramente. Visceral inconformado com a cegueira dos governantes para o óbvio, foi ele o pioneiro entre nós em apontar a bicicleta como o meio capaz de resolver o crônico problema de transporte dos grandes centros, inclusive Salvador, não obstante suas 365 ladeiras, mediante a manutenção dos existentes equipamentos que ligam os dois planos da cidade e a construção de novos, complementados pela construção de bicicletários, como se vê mundo afora. Tímido, ainda, mas com promessa de crescimento regular e constante, já é visível a presença dos ciclistas em nosso cada vez mais congestionado ambiente urbano.
Sua iniciativa de festejar o patrono da rua em que reside, Humberto de Campos, como mecanismo de restauração da vida gregária da nossa cidade, pela devolução de sua solidária, paroquial e convivial vizinhança de outrora, é exemplo a ser imitado. Sua presença à frente do Grupo Kirimurê pugna pelo aproveitamento inteligente das enormes possibilidades de nossa majestática Baía de Todos os Santos.
A biografia de Lourenço Mueller é altamente representativa do quanto podem realizar, homens e mulheres, cidadãos e cidadãs estadistas.
Vida longa e saudável para este Varão de Plutarco, sua mulher, filhos e netos, para regozijo dos seus contemporâneos e da posteridade.