O tiro que saiu pela culatra

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Por Alcione Bastos

Gabriela era uma mulher bonita e inteligente. Quando a conheci ela devia estar na faixa dos trinta e poucos anos. Profissional independente, era casada e tinha dois filhos. Vivia em um relacionamento aparentemente feliz, às voltas com problemas domésticos, escola dos filhos, férias com o marido, festinhas de aniversário das crianças e todas as situações comuns num típico lar de classe média. Quando se referia ao marido  que chamarei aqui de Oscar, era com orgulho e satisfação, parecia que se amavam e que viviam sem demonstrar preocupação com ameaças externas.

Aquela aparente harmonia estava com os dias contados e foi quebrada um belo dia, quando Gabriela descobriu que seu marido Oscar a estava traindo com uma outra mulher que para piorar a situação, era mais jovem, solteira e ainda por cima, estava grávida do seu marido Oscar.

Gabriela ficou devastada, passou por vários dissabores até que reuniu suas forças e rompeu aquele casamento de forma rápida como a situação exigia.

Por uma coincidência do destino, eu conhecia a tal outra mulher e a vi algumas vezes, exibindo feliz a sua barriga de primeiro filho com o seu amado Oscar. Nunca revelei ou manifestei qualquer tipo de reação com relação aos novos pombinhos e via o quanto ela demonstrava que estava feliz com seu amado Oscar que parecia se comportar como pai de primeira viagem. Ah o amor!!!

De volta à nossa protagonista, Gabriela estava cada dia mais confortada com seu novo status de mulher divorciada e começava a se distrair aproveitando sua nova vida de solteira. Acredito, até por experiência própria, que em geral, a mulher após se perceber livre depois de uma separação, descobre as vantagens da vida de solteira novamente e sem culpa, desfruta dos prazeres da sua liberdade, sem aquela pressão que paira ainda sobre a mulher hetero solteira.  A de ter que encontrar um bom companheiro e engravidar antes que acabe a sua fertilidade. A mulher separada por sua vez, deixa de ter aquele punhal que pende sobre a sua cabeça, tirando a sua paz e precipitando algumas escolhas afetivas feitas de forma incongruente e equivocada.

Foi numa dessas oportunidades, que Gabriela conheceu um homem que chamarei de Fernando. Ele parecia ser bem diferente do seu ex. Era um homem livre e experiente, trabalhava numa grande empresa e vivia viajando. Gabriela estava experimentando  sensações e sentimentos novos e parecia estar apaixonada por Fernando e ser correspondida por ele. O amor estava no ar e o desejo na cama.

Desejo é um substantivo abstrato, sentimento e energia poderosos. No Michaelis está descrito como:  Ato ou efeito de desejar; tendência da vontade a buscar o conhecimento, a posse ou o desfrute de alguma coisa; Aspiração ou anseio, consciente ou inconsciente, que muitas vezes não se faz acompanhar de uma tentativa clara de obtenção do objeto desejado.

Para a psicanálise ele se faz presente na falta do objeto desejado. O desejo costuma agir conforme seus próprios caprichos e vontades, não se preocupando em agradar ou desagradar pessoa,  família ou qualquer tipo de instituição, podendo subverter a ordem dessas. Na mitologia grega é a Deusa – Afrodite que também personifica a beleza. Esta, convém ser reverenciada sem, porém, nos deixarmos possuir inteiramente por ela, sob pena de nos tornarmos escravos dos seus caprichos, visto que ela é extremamente sedutora e se diverte vendo nós, mortais enredados na sua teia.

Gabriela estava curtindo o relacionamento com Fernando e permitindo experimentar novas sensações. Assim foi que ela se deixou seduzir por um desejo de Fernando. Ele a havia convencido a realizar uma sua fantasia, muito comum entre os homens heterossexuais, que é de fazer um ménage, tendo uma outra mulher como terceira personagem. Gabriela inicialmente ficou relutante, provavelmente insegura e com ciúmes, mas como uma mulher moderna e independente, se sentiu provocada e desafiada.

Gabriela porém, impôs algumas condições, dentre elas, a de escolher quem seria essa outra mulher, Gabriela queria saber como iria se sentir antes de se permitir participar daquela fantasia de Fernando. Para isso, entrou num site de relacionamentos para mulheres lésbicas. Conversou com várias mulheres e saiu com algumas delas. Enquanto Fernando viajava, Gabriela aproveitava para fazer sua seleção.

Uma dessas mulheres que chamarei de Joana, impressionou Gabriela. Era bonita, inteligente e estava decidida a namorar com Gabriela. Após o primeiro encontro, veio o segundo e com ele, nasceu o primeiro beijo entre as duas. Fernando a essa altura não tinha ideia do clima romântico do novo par.

Gabriela revelou para Joana sobre a intenção inicial e que não sabia mais o que ela própria queria. Joana repudiou de forma veemente essa ideia de Fernando e sabe-se lá por qual motivo, ela conseguiu despertar o desejo de Gabriela que decidiu romper com Fernando que ficou a ver navios no horizonte.

Volta e meia eu vejo as duas, que atualmente vivem em comunhão e amor, juntas com os dois filhos de Gabriela, num casamento feliz. Assim, Afrodite mostrou seu poder para nossos protagonistas!
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Médica e Sexóloga – @draalcionebastos